Acórdão nº 09B0349 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Maio de 2009

Magistrado ResponsávelSANTOS BERNARDINO
Data da Resolução28 de Maio de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA e mulher BB intentaram, em 15.07.2004, no 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca de Coimbra, contra CC e mulher DD e contra EE e marido EE acção com processo sumário - que, mais tarde, passou a ser tramitada na Vara Mista, como acção com processo ordinário - alegando, em síntese, o seguinte: São donos de um prédio rústico, constituído por terra de semeadura com oliveiras, sito na Ladeira do Saramago, freguesia de Santa Cruz, Coimbra, inscrito na matriz respectiva sob o art. 574, e que confronta com a via pública através de uma faixa, que dele faz parte, com 90 centímetros de largura e 29 metros de comprimento, e ainda de um prédio urbano - casa de habitação, com 49 m2 de área coberta e logradouro com 145 m2 - inscrito na matriz predial urbana sob o art. 2139, e de 1/3 de uma terra de cultura com uma oliveira, com 450 m2 de área, sita na Ladeira do Saramago, inscrita na matriz sob o art. 575, sendo os restantes 2/3 pertença dos réus (1/3 a cada um deles), e onde cada um construiu um prédio urbano para habitação própria.

Antes da construção das habitações dos réus, o acesso aos prédios dos autores (575 e 2139) efectuava-se pelo meio do prédio rústico (575), tendo sido mudado em consequência do espaço ocupado com a construção dessas casas dos réus, e passado a fazer-se ao longo da estrema sul deste prédio rústico, tendo este acesso/serventia a largura de 2,28 metros a nascente, na parte que confronta com a estrada, e de 1,27(1)). metros a poente, no lado oposto, entre a esquina do prédio urbano dos primeiros réus e a estrema do prédio confinante (574), e o comprimento de 18 metros desde a estrada até à esquina poente/sul da casa destes réus.

Em virtude da alteração do acesso/serventia, efectuado pelos réus, os autores viram-se impedidos de aceder ao seu prédio urbano (2139) de veículo automóvel, o que os levou a adquirir o rústico inscrito na matriz sob o art. 574, para poderem ter acesso ao dito prédio urbano e ao rústico (575).

Desde a data dessa aquisição (07.08.87) os réus têm vindo a passar por esse prédio, sem autorização e contra a vontade dos autores, estacionando aí um veículo automóvel, impedindo os autores de acederem aos seus prédios; e, quando estes reclamam dessa situação, os réus insultam e ameaçam, já tendo mesmo agredido os autores, o que os deixa tristes e nervosos, chegando a sentir medo de sair à rua.

Pedem, em consequência, que os réus sejam condenados a reconhecer a) que os autores são donos e legítimos proprietários do prédio inscrito na matriz sob o art. 574, com a configuração que referem e a absterem-se de praticar todo e qualquer acto que colida com esse direito de propriedade; b) que os autores são donos do prédio urbano inscrito na matriz sob o art. 2139; c) que os autores são comproprietários em 1/3 do prédio inscrito na matriz sob o art. 575; d) que o prédio inscrito na matriz sob o art. 574 e o prédio inscrito na matriz sob o art. 575 são confinantes entre si, confinando este, a norte, em toda a extensão, com aquele; e e) como consequência do pedido formulado em c), deverão ser colocados nas extremas destes dois prédios dois marcos ao nível do solo, um no vértice norte/nascente, outro no vértice norte/poente, atendendo à posição geográfica do primeiro relativamente ao segundo; e f) deverá ser reconhecida pelos réus a existência de uma servidão de passagem, constituída por destinação do pai de família ou por usucapião, que onera o prédio inscrito na matriz sob o art. 575, a favor do prédio urbano dos autores, e localizada ao longo da extrema sul daquele prédio e com as dimensões referidas no art. 46º da p.i.; e, em consequência, g) serem os réus condenados a deixar livre e desocupada de objectos e construções a parcela de terreno que constitui a servidão; h) devem, ainda, os primeiros réus ser condenados a absterem-se de colocar lixo e a limpar os dejectos dos seus cães que são depositados quer nessa serventia, quer na faixa de terreno do prédio dos autores (574) confinante com a via pública; e i) serem ainda condenados a pagar aos autores, a indemnização, por danos morais, de € 2.500,00, acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Os réus contestaram, alegando, com interesse, que a alteração do acesso aos prédios foi efectuada ainda em vida do progenitor dos autores e deles, réus, com o acordo de todos, de forma a que tal acesso se passasse a fazer na extrema sul do prédio, sendo esta nova passagem efectuada em sintonia com o anterior dono do prédio inscrito na matriz sob o art. 574, juntando as duas faixas de terreno, assim se conseguindo um melhor acesso aos respectivos prédios. Há mais de 10, 15 e 20 anos, autores e réus e seus antecessores dirigem-se aos seus imóveis, tanto a pé como de carro, por essa faixa resultante da junção das duas faixas de terreno, à vista de toda a gente, de forma pacífica, contínua e ininterrupta, convencidos de exercerem legitimamente um direito de passagem, sendo que uma parte do leito se encontra cimentada e a outra apresenta sulcos visíveis, permanentes e desprovidos de vegetação, denunciadores do trânsito que neles se efectua.

E, em reconvenção, os réus reiteram os factos tendentes a demonstrar a existência da servidão de passagem (constituída por usucapião e por destinação do pai de família) e alegam factos tendentes a demonstrar terem adquirido por usucapião o direito de propriedade sobre os imóveis que referenciam, concluindo, a final, por pedir, com a improcedência da acção, a condenação dos autores a reconhecer a) serem eles, réus, donos e exclusivos proprietários dos seus prédios, tal como os descreveram, e que sobre os prédios dos autores (575 e 2139) impende um ónus, a favor dos prédios dos réus/reconvintes, constituído por uma passagem de pé e carro, sendo a relativa ao imóvel inscrito sob o art. 2425 apenas de pé, a partir da casa dos autores/reconvindos; b) que tal servidão de passagem foi constituída por usucapião relativamente ao prédio 575 e por destinação do pai de família relativamente ao prédio 2139; e c) que essa servidão de passagem se processa com as dimensões e localização expressas no «croquis» junto com a p.i. como doc. n.º 6, prolongando-se para poente, apenas de pé e animais, numa extensão de cerca de 12 metros, até atingir o prédio dos reconvintes EE e mulher (2425).

Seguiu-se a resposta dos autores, na qual impugnam a versão factual dos réus/reconvintes, sustentando, além do mais, não terem acordado na alteração do acesso aos seus prédios, de que, ademais, resultou o encrave parcial do urbano, e que nenhum acordo existiu com o anterior dono do prédio 574, afirmando ainda que qualquer utilização da passagem, pelos demandados/reconvintes, foi efectuada de má fé, não tendo decorrido ainda o prazo de 20 anos, necessário para a constituição da servidão.

Prosseguindo o processo a adequada tramitação, veio a efectuar-se o julgamento e a ser proferida sentença, em cujo segmento decisório o Ex.mo Juiz julgou a acção e a reconvenção parcialmente procedentes e, em consequência, condenou os réus a) a reconhecerem que os autores são exclusivos donos do prédio rústico, composto de terra de semeadura com oliveiras, sito na Ladeira do Saramago, freguesia de Santa Cruz, concelho de Coimbra, a confrontar do norte com caminho e GG, nascente com HH e outros, sul com II, herdeiros e do poente com JJ inscrito na matriz predial rústica sob o art. 574 e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.° 1288, o qual confronta com a via pública através de uma faixa com 0,90 m de largura e 29 m de comprimento, faixa essa que é parte integrante do mesmo prédio; b) a absterem-se de praticar qualquer acto que colida com esse direito de propriedade dos autores; c) a reconhecerem os autores como os exclusivos donos de uma casa de habitação, de rés do chão, com a área coberta de 49 m2 e logradouro com 145 m2, sita no lugar de Pedrulha, inscrita na matriz predial urbana sob o art. 2559 da freguesia de Santa Cruz, concelho de Coimbra e descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.° 261; d) a reconhecerem que os autores são comproprietários, com a quota parte indivisa de 1/3, de uma terra de cultura com uma oliveira, com a área de 450 m2, sita na Ladeira do Saramago, inscrita na matriz predial rústica sob o artigo 575 e descrita na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º 00259/280187; e) a reconhecerem que o prédio referido em a) e o prédio referido em d) são confinantes entre si, confinando o referido em d), a norte, com o referido em a); e f) reconheceu aos autores a existência de uma servidão de passagem, que onera o prédio referido em d) (575 prédio serviente), a favor do prédio referido em c) (prédio dominante), que se localiza ao longo da estrema sul do prédio referido em d), com a largura de 2,28 metros na parte que confronta com a estrada, ou seja, a nascente, e a largura de 1,27 metros no lado oposto (poente) entre a esquina do prédio urbano construído pelos réus CC e DD e a extrema do prédio inscrito sob o art. 574 com o comprimento de 18 metros desde a estrada até à esquina poente/sul da casa dos réus CC e DD e, no total, com o comprimento de 25,93 metros; g) reconheceu aos autores, a título de direito de demarcação, o direito de colocar marcos ao nível do solo nas estremas dos prédios referidos em a) e d) (574 e 575), desde que essa colocação não seja impeditiva das servidões de passagem supra definidas; e h) condenou os réus a deixar essa passagem livre e desocupada de objectos e construções, de forma a permitir a passagem para o referido prédio; e, quanto ao pedido reconvencional i) declarou que os reconvintes CC e DD são proprietários do seguinte prédio: prédio urbano que se destina a habitação, composto de rés-do-chão e 1º andar, com a área coberta de 100,50 m2, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santa Cruz sob o n.º 2237, a confrontar do norte com FF, do sul com KK...

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