Acórdão nº 08S3258 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Maio de 2009

Magistrado ResponsávelSOUSA GRANDÃO
Data da Resolução20 de Maio de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1 - Relatório 1-1 AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia, acção declarativa de condenação, com processo comum, contra (i) N... D - N... do D..., Lda., (ii) G... - SGPS, Lda. e (iii) E... P... I..., S.A., pedindo que se declare ilícito o seu despedimento e as Rés condenadas a pagar-lhe a quantia de € 28.770,00, a título de indemnização de antiguidade, acrescida de juros de mora desde a data do despedimento até efectivo e integral pagamento.

Em síntese, alegou que, por virtude de transmissão anterior, a 1.ª Ré explorava o jornal «C... do Porto» desde finais de 2001 - onde o Autor trabalhava desde 1964 -, que em 31 de Julho de 2005 suspendeu a produção do jornal e que em 29 de Maio de 2006 encerrou as instalações e o próprio estabelecimento, fazendo assim caducar o contrato de trabalho com o Autor.

Mais aduz que aquela Ré não observou o procedimento previsto no artigo 419.º e segts, do Código do Trabalho/2003 (CT), pelo que a situação vertente configura um despedimento ilícito, nos termos do artigo 429.º, alínea a), do mesmo diploma legal.

Acrescenta que a responsabilidade solidária das segunda e terceira Rés advém de se encontrarem, juntamente com a 1.ª Ré, numa relação de grupo (artigo 378.º do CT).

Em contestação conjunta, as Rés alegaram, em resumo, que o Autor já não trabalha no referido jornal há mais de 30 anos, encontrando-se no exercício de funções de dirigente sindical a tempo inteiro, e que não houve encerramento total e definitivo da empresa, mas apenas suspensão da produção do jornal.

1-2 Instruída e discutida a causa, foi proferida sentença que, julgando improcedente a acção, absolveu as Rés do pedido.

Em suma, concluiu a sentença que não se verificou o encerramento total e definitivo da empresa (a que alude o artigo 390.º do CT), podendo, inclusive, o contrato de trabalho vir a caducar antes ou independentemente de um tal encerramento «total e definitivo» por facto respeitante ao Autor (seja por impedimento definitivo nos termos do artigo 333.º, n.º 3, do CT, seja por reforma do Autor).

Mais acrescentou a 1.ª instância que a pretensão do Autor nunca poderia proceder, por constituir um «abuso de direito», ainda que a ausência de actividade ou o abandono das instalações do jornal pela 1.ª Ré fosse de qualificar como «encerramento total e definitivo da empresa».

Sob provida apelação do Autor, o Tribunal da Relação do Porto veio a considerar não apenas que se verificou o «encerramento total e definitivo da empresa», como ainda que a conduta do Autor não configura um exercício abusivo do direito; nesse enquadramento, revogando a decisão da 1.ª instância, condenou as Rés a pagar ao demandante, a título de compensação pela cessação do contrato, a quantia correspondente a um mês de retribuição base e diuturnidades, desde Setembro de 1964 até 30 de Julho de 2005, em montante a apurar em liquidação ulterior.

1-3 Desta feita, o inconformismo provém das Rés, que pedem a presente revista, onde coligem o seguinte núcleo conclusivo: I. Ao contrário da interpretação que é feita no Acórdão recorrido, do art. 4030 da RCT não resulta que a suspensão do contrato por exercício de actividades sindicais afasta o regime de caducidade, resultando dessa norma, quanto muito, precisamente o contrário.

  1. Por outro lado, na altura em que entrou em vigor a RCT - Agosto de 2004 - já o contrato de trabalho do trabalhador Recorrido havia caducado por impedimento definitivo, pois nesse altura já se encontrava ausente da produção do jornal "O C... do Porto" há cerca de 28 anos .

  2. Por outro lado, das duas uma, ou o citado art. 4030 da RCT é uma norma de natureza interpretativa, ou uma de remissão.

    Se for considerada uma norma interpretativa, tem como único alcance esclarecer que o regime de suspensão do contrato de trabalho por facto não imputável ao Autor inclui a ausência no âmbito do exercício de actividades de representação sindical; Se for considerada uma remissão legal, tratar-se-á de uma remissão total, incluindo naturalmente a remissão para o regime da caducidade na pendência da suspensão nos termos do disposto no n.º 3 do art. 333º do CT.

    Em qualquer um dos casos o efeito é o mesmo, ou seja, do disposto no art.403º do CT resulta que o contrato de trabalho pode caducar, se o impedimento se tomar definitivo.

  3. Acresce que, se o legislador da RCT não quisesse sujeitar o regime da suspensão do contrato de trabalho a qualquer limite temporal, teria que o ter referido expressamente, o que não sucedeu.

  4. Atento: (i) O decurso do tempo de ausência do trabalhador Recorrido (30 anos); (ii) O total desinteresse evidenciado pelo trabalhador Recorrido pela vida da empresa; (iii) O facto de a N... D nunca ter sequer conhecido o trabalhador Recorrido (por este nunca se ter dado ao trabalho de se apresentar!) desde o momento em que foi constituída e adquiriu o título do jornal; (iv) O facto de a categoria profissional do trabalhador Recorrido estar totalmente obsoleta há cerca de 20 anos, sem que nunca ter sido encetado o mínimo esforço de receber formação profissional, ou sequer a requalificação profissional formal; (v) A inexistência de qualquer sinal do trabalhador Recorrido em pretender vir a voltar a exercer funções por conta da ECP ou da N... D; (vi) A estabilidade com que são exercidas as funções de dirigente sindical; (vii) A longevidade da carreira contributiva do trabalhador Recorrido (42 anos) e a proximidade da idade da reforma por velhice, O impedimento temporário para prestação da actividade profissional tornou-se definitivo algures no tempo, o que determinou a caducidade do contrato de trabalho do trabalhador Recorrido.

  5. No Acórdão Recorrido confunde-se a situação factual de encerramento de um estabelecimento com o regime legal aplicável ao "encerramento total e definitivo da empresa", sendo que este último não é aplicável ao caso dos Autos, nem sequer alguma vez foram alegados factos que pudessem conduzir a tal conclusão.

  6. O encerramento e abertura de estabelecimentos cabe no âmbito do poder de gestão do empregador, não determinando nunca de forma automática a cessação de contratos de trabalho.

  7. A cessação de contratos de trabalho por motivo de encerramento de estabelecimento obriga à aplicação do regime previsto para o despedimento colectivo, incluindo os fundamentos económicos e a obrigatoriedade de realização de todo o processo formal.

  8. Se a tese constante do Acórdão Recorrido for seguida em situações em que é o empregador quem tem o interesse em promover a cessação de contratos de trabalho (e tem de ser seguida sob pena de se ter dois pesos e duas medidas!), está aberta a porta para a total facilitação dos despedimentos em massa! X. Ao contrário do que vem sustentado no Acórdão Recorrido, a figura do lock-out não tem qualquer aplicação no caso dos Autos, uma vez que não se encontra minimamente evidenciado que tivesse sido recusada a prestação de trabalho ao trabalhador Recorrido ou a qualquer outro trabalhador, para além daqueles com quem foram celebrados acordos de revogação do contrato de trabalho.

  9. Ainda assim, no Acórdão recorrido reconhece-se que o impedimento temporário para manter a actividade do empregador pode ser superior a seis meses, desde que seja viável a continuação da relação laboral, sendo que o único elemento constante dos Autos que indica que a relação é inviável é a própria falta de interesse do trabalhador recorrido em trabalhar para a New D...! XII. A este propósito, sustenta-se ainda que um ano e meio de suspensão da actividade do jornal é suficiente para determinar um encerramento definitivo, ao passo que 30 anos de suspensão do contrato de trabalho continua a ser um impedimento temporário, o que evidencia dois pesos e duas medidas! XIII.

    A caducidade do contrato de trabalho prevista no n.o 3 do art. 390º do CT constitui uma forma simplificada de cessação do contrato de trabalho para situações de encerramento da própria sociedade comercial.

  10. No caso dos Autos, não está demonstrado que a N... D não pudesse atribuir trabalho ao trabalhador Recorrido, aliás porque a N... D pode inclusivamente no futuro celebrar contratos de trabalho com quem bem entenda! XV. O despedimento ou a caducidade do contrato por encerramento do que quer que seja [...] depende sempre de uma manifestação de vontade por parte do empregador para esse efeito, o que neste caso nunca sucedeu, não existindo qualquer disposição legal nem princípio jurídico que determine que o trabalhador se pode sub-rogar ao empregador no exercício desse direito.

  11. O que resulta do Acórdão Recorrido é a existência de um novo direito, contrário a todo o espírito do Direito do Trabalho e à coerência da nossa ordem jurídica: o direito a ser despedido! XVII.

    Ainda assim e sem prescindir, ainda que se considerasse que o contrato de trabalho do trabalhador Recorrido não caducou por impedimento definitivo e que caducou por encerramento de "algo", ainda assim, o recebimento de uma indemnização por antiguidade constituiria um verdadeiro abuso de direito.

    XVIII.

    Considerando que: (i) O trabalhador Recorrido não teve qualquer prejuízo com a suspensão da produção do jornal; (ii) Tem um emprego estável junto do sindicato; (iii) Encontra-se prestes a poder aceder à reforma por velhice sem qualquer penalização; (iv) Nunca manifestou vontade em voltar a trabalhar para a ECP ou para a N... D. nem sequer tem qualquer interesse nisso há décadas; (v) Há décadas que não comparece nas instalações do jornal, não se interessa pela vida das empresa ECP, nunca se apresentou à N... D, nunca manifestou interessado em manter viva a relação laboral e actualizar as suas aptidões profissionais, nunca se interessou sequer em actualizar a sua categoria profissional ao menos em termos formais; (vi) É puramente especulativo que se venha a verificar no futuro uma situação de recusa em receber a prestação de trabalho, O recebimento da indemnização por antiguidade excede os limites...

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