Acórdão nº 674/04.3TBCMN.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Abril de 2009

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução23 de Abril de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA e BB intentaram, no dia 3 de Novembro de 2004, contra Câmara Municipal de Caminha, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a título principal a resolução do contrato de compra e venda, com a consequente restituição do prédio, contra o pagamento do preço que receberam, por alteração anormal, posterior e unilateral da ré das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de o celebrar e a restituição do terreno contra o pagamento de € 12 469,97, ou a declaração de modificação do contrato com base em erro vício, com fundamento na alteração anormal e posterior pela ré da base negocial em que as partes aceitaram contratar nos termos dos artigos 252º, nº 2, e 437º do Código Civil e a condenação da ré a pagar-lhes a quantia de € 161 680,05, e ainda subsidiariamente, a condenação da ré a pagar-lhes aquela quantia e juros, com base no enriquecimento sem causa.

Afirmaram, em síntese, que na sequência de um processo de expropriação por utilidade pública de um terreno de que eram proprietários, acabaram, há vinte anos, por vender o imóvel à ré mas com a condição de o mesmo ser destinado à construção de determinada obra e que ela nada fez, mantendo o terreno abandonado.

A ré, em contestação, impugnou a veracidade dos factos alegados pelos autores, defendendo que a compra e venda nunca foi sujeita a qualquer condição e mesmo que tenha havido tal condição os autores já não viriam a tempo, decorrido um ano, de invocar a hipotética anulabilidade.

Falecidos os autores, ela em 17 de Novembro de 2004 e ele em 25 de Fevereiro de 2005, foram habilitados, em sua substituição na acção, CC e DD.

Seleccionada a matéria de facto assente e controvertida e realizado julgamento, foi proferida sentença no dia 13 de Dezembro de 2007, por via da qual foi declarado resolvido o contrato de compra e venda e condenada a ré a restituir aos sucessores dos autores o terreno que dele foi objecto contra o pagamento do preço nele indicado.

Apelou a ré, e a Relação, por acórdão proferido no dia 27 de Novembro de 2008, revogando a sentença, absolveu a recorrente do pedido.

Interpuseram os recorrentes recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - a Relação alterou a decisão da matéria de facto relativa ao quesito 2º no pressuposto de não ser admissível a prova testemunhal na resposta dada; - a referida alteração não assenta em erro de apreciação da prova, mas em questão de direito, a sindicar no recurso de revista; - o Supremo Tribunal de Justiça pode censurar o uso pela Relação dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 712º do Código de Processo Civil, em especial quando a alteração da matéria de facto decorre, não de um erro na apreciação da prova, mas de questão de direito, nomeadamente quanto aos meios probatórios de que é possível lançar mão para proceder à prova de determinado facto; - porque a recorrida, no recurso de apelação, só pediu a alteração da resposta ao quesito 2º com fundamento na necessidade de prova documental que fizesse referência à condição determinante, pode o Supremo Tribunal de Justiça repor a resposta dada pelo tribunal da primeira instância; - o qualificativo condição determinante utilizado na redacção do quesito 2º não é cláusula acessória que, por ser anterior ou contemporânea do negócio celebrado, devesse constar da escritura pública, mas simplesmente a tradução - provada e confirmada não só circunstancialmente, como pelo depoimento testemunhal - de uma convicção interior dos antecessores dos recorrentes; - nada na lei obstava ou obsta à prova testemunhal quanto ao quesito 2º, tanto mais que, tratando-se de uma convicção pessoal dos antecessores dos recorrentes, que encontra fundamento nos documentos juntos, dos quais consta, uma e outra vez, a finalidade única a dar ao terreno, apenas a prova testemunhal a poderia reforçar, pois provada já ela se encontra em todas as peças processuais e elementos documentais de prova; - os antecessores dos recorrentes estavam a ser alvo de um processo expropriativo para um fim de utilidade pública, no qual sabiam não lhes der possível obter vencimento, pela mesma utilidade pública do fim proposto, pelo que optaram por celebrar o negócio agora resolvido, nas suas precisas condições, por causa do fim em vista, pelo que a razão subjacente ao negócio celebrado, o dito fim de utilidade pública, a construção de um bairro habitacional, que foi condição determinante da sua celebração, não constitui convenção adicional ao documento formal para efeitos do artigo 394º, nº 1, do Código Civil; - o acordo alcançado e os motivos que estiveram na sua base não constituem convenção adicional do negócio para efeitos do nº 1 do artigo 394º do Código Civil, pelo que, sobre a matéria do quesito 2º era admissível prova testemunhal; - a resposta dada ao quesito 2º assentou em prova testemunhal validamente recolhida, conjugada com o teor do compromisso de compra e venda e escritura de compra e venda, e, por isso, tem forçosamente que ser mantida; - fosse outro o fim do negócio, os antecessores dos recorrentes não o teriam celebrado, como resulta expressa e tacitamente de todo o processado, incluindo as peças processuais redigidas pelos recorrentes e seus antecessores; - a Relação precipitou-se ao vedar um meio de prova legalmente admissível e ao alterar uma resposta correcta a um quesito específico, já sustentado pelos demais elementos documentais, sendo que tomou aquela condição determinante como elemento do negócio, quando ela é elemento da vontade, só assim participando do negócio; impõe-se a confirmação da resposta aos quesitos 2º, 3º, 4º e 6º dadas no tribunal da primeira instância, sendo que as últimas foram alteradas pela Relação por virtude da resposta ao quesito 2º ter sido declarada não escrita; - o quesito 2º não acrescenta algo à declaração, nele se busca a vontade dos antecessores dos recorrentes subjacente ao negócio, constituindo o termo condição determinante, empregue na sua redacção, expressão dessa vontade; - ao Supremo Tribunal de Justiça é lícito alterar a referida matéria de facto, ou caso assim não entenda, deve ordenar, nos termos do artigo 729º, nº 3, do Código de Processo Civil, a baixa do processo à Relação para que responda aos referidos quesitos e fixe a matéria de facto de harmonia com o decidido no tribunal da primeira instância; - com efeito, compete ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 729º, nº 1, do Código Civil, aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado; - altere-se ou não a matéria de facto, terá de se concluir estarem preenchidos os pressupostos do artigo 252º, nº 2, do Código de Processo Civil; - com efeito, os antecessores dos recorrentes só celebraram o negócio por causa do erro em que foram induzidos pela recorrida, a errada convicção acerca do fim do negócio, por ela fomentada; - o abuso do direito tem a ratio de impedir que o titular de determinado direito faça dele um uso chocante, contrário à boa fé e aos mais elementares princípios de equidade, para evitar que o exercício de um direito raie a aberração, para evitar que o uso se torne em abuso, o que não ocorre no caso; - o acórdão premeia a conduta da recorrida que, com a sua inércia, nunca afectou o terreno ao fim a que o mesmo se destinava, não respondeu a sucessivas notificações judiciais avulsas que os antecessores lhe endereçaram, vindo a informar que receberia outro destino distinto daquele que presidiu, condicionou e determinou a venda, e que era beneficiária de um terreno que, adquirido por € 12 500, quando já valia € 61 755,07, e vale € 164 427,80, ferindo o mais elementar senso de justiça; - o acórdão corrige um lapso da defesa da recorrida que, citada para a acção, não considerou que o pedido dos recorrentes fosse abusivo, desproporcionado ou desadequado, o que lhe permitiria, em reconvenção, só dedutível a título subsidiário, pedir que o valor por si pago pelo terreno em 1986, manifestamente inferior ao valor real fosse actualizado em função da correcção monetária; - a confirmar-se o acórdão, seria a recorrida premiada com uma mais valia de cerca de € 162 000, descontado do seu valor actual o preço baixo pago em 1986, o que configura manifesto enriquecimento sem causa e abuso do direito; - a resolução, na falta de disposição especial quanto aos seus efeitos é equiparada à nulidade ou anulabilidade, restituindo cada uma das partes a sua própria prestação; - a recorrida restitui o terreno e os recorrentes o preço, porventura actualizado em função, não da valorização do terreno, mas da correcção monetária, sob pena de se transformar a resolução numa nova compra e venda em que o tribunal serve de mediador e as partes ficam em posições invertidas; - os factos provados não revelam que a resolução equivaleria a um enriquecimento injustificado dos recorrentes à custa da recorrida; - se o tribunal tem por certo que os antecessores dos recorrentes apenas venderam o terreno induzidos em erro quanto ao fim do mesmo e que o mesmo iria ser objecto de expropriação, que foi adquirido pela recorrida por um preço irrisório, à data inferior ao real, e que ela teve o terreno em abandono durante vinte anos, pois dele não pode nem quer tirar proveito; - os recorrentes poderiam ter usufruído juros de um capital muito superior se tivessem continuado na titularidade do terreno, vendendo-o por preço muto superior ao que receberam da recorrida, ou se tivessem recebido por ele o preço justo, mesmo à data da venda; - acederam na venda por virtude das intenções publicamente manifestadas pela recorrida, pelo que a própria devolução do preço em singelo, sem actualização monetária, não constituiria abuso do direito; - foi abusiva a detenção do terreno pela recorrida durante vinte anos, que adquiriu por um preço irrisório, com base em erro dos recorrentes, e, negligenciando os interesses públicos que deveriam presidir à sua actuação, negligenciou o terreno, mostrando-se incapaz...

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