Acórdão nº 09P0581 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Abril de 2009

Magistrado ResponsávelRAÚL BORGES
Data da Resolução02 de Abril de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

No âmbito do processo comum colectivo n.º 46/01.1JAFUN, da 4.ª Vara Criminal de Lisboa, por acórdão de 20 de Novembro de 2008, foi realizado cúmulo jurídico das penas aplicadas neste processo ao arguido AA, divorciado, empresário, nascido a 18 de Janeiro de 1954, em Lisboa, filho de J...F...P...R... e de E...M...da S...R..., residente na Av. Amélia Rey Colaço, ..., 3º esq., em Corroios, preso desde 9 de Setembro de 2002, em cumprimento de pena, no Estabelecimento Prisional da Carregueira, e ao arguido BB e, no que ao primeiro interessa, com as penas aplicadas no processo comum colectivo n.º 656/02.0JDLSB, da 1ª Vara Criminal de Lisboa, sendo aplicada a pena única de 10 anos de prisão.

Inconformado, o arguido AA interpôs recurso, apresentando a motivação de fls. 4477 a 4484, que remata com as seguintes conclusões: 1. Realizado o cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 10 anos de prisão, pena de que se recorre.

  1. O acórdão de que ora se recorre, desde logo, sofre de falta de fundamentação.

  2. Entende o recorrente que o acórdão que se limita a referir os ilícitos, bem como as penas aplicadas, sem caracterizar, ainda que de forma sucinta, as características essenciais desses factos e as circunstâncias em que foram cometidos carece de fundamentação.

  3. Não basta afirmar-se que o arguido foi condenado na pena de 6 anos de prisão no processo 656/02. OJDLSB e 8 anos de prisão no 46/01.1 JAFUN, ou que; 5. " (...) os crimes supra descriminados encontram-se numa relação de concurso com os crimes pelos quais os arguidos foram condenados nos presentes autos (...)" e que o tribunal "(...) apreciando globalmente os factos descritos nos processos, designadamente, a gravidade e a natureza dos crimes praticados, as datas e as circunstâncias em que foram praticados...) entendem-se adequadas as seguintes penas (...)".

  4. Ao não ter fundamentado, ainda que sucintamente, o acórdão o tribunal violou o art. 77 n° 1 do CP e o art. 374 n° 2 do CPP, pelo que, salvo opinião contrária, é nulo acórdão por força do art. 379 n° l al. a) do CPP 7. Quanto ao cúmulo jurídico realizado e que fixou a pena única nos 10 anos de pena de prisão, o arguido considera-a pouco criteriosa e desequilibradamente doseada, face à factualidade dada como provada em juízo e ao direito concretamente aplicável.

  5. Considerando que o arguido reúne em si o apoio familiar, essencial à sua ressocialização, e, uma vez em liberdade tem garantido uma actividade profissional, mantendo ainda um bom comportamento no estabelecimento prisional, exercendo a actividade de barbeiro, factores, que entre outros, necessariamente, teriam que ter alguma relevância no cômputo do cumulo.

  6. Ao não ter valorado na sua decisão do cumulo jurídico todos os elementos invocados pelo recorrente na motivação violou o tribunal o disposto nos arts 71 e 77 do CP.

  7. Ao não se entender desta forma está o Tribunal a fazer uma errada interpretação do princípios ínsitos no art° 70 e 71° do Código Penal Pede a revogação do acórdão e substituição por outro que se coadune com a pretensão exposta.

O Mº Pº respondeu, conforme fls. 4499 a 4506, defendendo que a nulidade por violação do dever de fundamentação que consta do artigo 374º, n.º 2, do CPP é insusceptível de se aplicar ao mero acórdão cumulatório, porque não tem cabimento lógico, sendo por isso a arguida nulidade improcedente por descabida, e quanto à medida da pena, considera manifestamente improcedente a pretensão de fixação da pena única em 8 anos e 6 meses de prisão, pois que se quedaria abaixo da medida da pena mais elevada de todas as penas concretamente aplicadas aditada de 1/5 da soma das demais penas.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer de fls. 4528 a 4531, onde consigna: "Nesta decisão recorrida não foram ponderadas qualitativamente as atenuantes e agravantes, nem o grau de culpa. A globalidade dos factos que é referida em grande número, nem se aplica ao arguido AA, pois o cúmulo engloba 4 crimes de falsificação e 2 de burla agravada sem ter sido condenado pelo crime de receptação. Desconhecendo-se a data de todos os crimes há ausência de fundamento para ser referida a proximidade temporal, que até poderá funcionar como atenuante.

A pena unitária foi fixada sem uma definição geral e global dos elementos que interferiram na sua fixação.

Afirmando não lhe parecer ser necessário que sejam enumerados os factos provados em cada uma das decisões onde foram aplicadas as penas parcelares, entende que "o tribunal deverá /terá de fazer constar um resumo sucinto dos factos "de forma a habilitar os destinatários da sentença, incluindo o tribunal superior, a perceber a realidade concreta dos crimes anteriormente cometidos", pois só o enunciado legal mas abstracto não será suficiente (entre muitos outros os acs. do STJ de 01-03-2007, p. 11/07-5ª, de 28-03-07, p. 333/07-3ª, de 25-01-07, p. 4807/06-5ª e de 12-01-2006, p. 2882/05-5ª sec.)" e citando igualmente o acórdão de 22-02-2006, processo 112/06-3ª.

Defende que o recurso merece provimento e por falta de fundamentação deverá o acórdão recorrido ser anulado, e se assim não for entendido, deverá ser mantida a pena aplicada.

Cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do CPP, o recorrente manifestou-se pelo modo constante de fls. 4537 a 4539, insistindo na verificação da nulidade por si suscitada, consubstanciada na falta de fundamentação da decisão recorrida e em jeito subsidiário a acentuar "uma clara falta de ponderação de critérios quanto à determinação da medida da pena".

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido (artigo 412º, n.º 1, do CPP), que se delimitam os contornos do objecto do recurso e o campo cognitivo do Tribunal Superior.

Questões a apreciar I - Nulidade do acórdão cumulatório por falta de fundamentação - artigos 374º, n.º 2 e 379º, n.º 1, alínea a), do CPP - conclusões 1ª a 6ª.

II - Medida da pena única - redução - conclusões 7ª a 10ª.

Apreciando.

I Questão - Nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação O recorrente nas conclusões 1ª a 6ª invoca a nulidade do acórdão cumulatório por, na sua óptica, padecer de falta de fundamentação, por violação do disposto nos artigos 77º do Código Penal e 374º, n.º 2, do CPP, o que constitui nulidade de sentença, nos termos do artigo 379º, n.º 1, alínea a), do CPP.

* A génese do presente cúmulo está no requerimento apresentado pelo ora recorrente em 26 de Setembro de 2008, constante de fls. 3788 a 3791, em que requer a realização de cúmulo jurídico das penas impostas neste processo e no processo n.º 656/02.0JDLSB da 1ª Vara Criminal de Lisboa, o que veio a ser deferido por despacho de fls. 4032.

O acórdão recorrido teve por base o seguinte: (Na exposição atender-se-á apenas ao que importa ao recorrente, sem mencionar o que de estritamente pessoal respeita ao co-arguido BB, até porque o cúmulo relativo a este arguido foi efectuado abrangendo as penas deste processo e de um outro em que não interveio o recorrente) «Por acórdão de 16 de Julho de 2008, transitada em julgado foram os arguidos: AA e BB condenados, cada um, pela prática, de um crime continuado de falsificação de documento, p. e p. pelo art° 256, n° l, al. a) do C. Penal, na pena de 3 anos de prisão e um crime continuado de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217 e 218, n° 2, al. a) do CP., na pena de 5 anos de prisão. Em cúmulo foram condenados na pena única de 6 anos de prisão.

Anteriormente, cada um dos arguidos tinha sofrido uma condenação cujos crimes estão em concurso com os crimes pelos quais foram condenado nestes autos: • O arguido AA em 28/7/2004, foi condenado por três crimes de falsificação e um crime de burla agravada praticados em 2001/2002, respectivamente nas penas de 2 anos de prisão, 2 anos e 6 meses, 3 anos, 5 anos e 6 meses de prisão e na pena única de 8 anos de prisão (proc. n° 656/02.0JDLSB da 1ª Vara Criminal de Lisboa - certidão de fls. 3806)».

Após ser referida a realização de audiência de cúmulo nos termos do artigo 472º do CPP, consigna-se ter sido apurado quanto ao arguido AA o seguinte: «Está ininterruptamente preso há 6 anos e 2 meses de prisão; Não beneficiou de medidas de flexibilização da pena; Trabalha no EP, na barbearia; Dispõe do apoio dos familiares; Mantém bom comportamento no estabelecimento prisional; Quando sair em liberdade tem perspectivas de trabalhar numa empresa de um antigo patrão (de acordo com o responsável da empresa ouvido em audiência de julgamento)».

* Em causa está a realização de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente de concurso de crimes.

O caso de concurso por conhecimento superveniente tem lugar quando posteriormente à condenação, se vem a verificar que o agente, anteriormente àquela condenação, praticou outro ou outros crimes.

Nestes casos são aplicáveis as regras do disposto nos artigos 77º, nº 2 e 78º, nº 1, do Código Penal, não dispensando o legislador a interacção entre as duas normas.

Estabelece, quanto a regras de punição do concurso de crimes, o artigo 77º, nº 1, do Código Penal, na redacção do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, inalterado pela Lei nº 59/07, de 4 de Setembro, que "Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente".

E nos termos do nº 2, a penalidade, a moldura do concurso, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

Sobre o conhecimento superveniente do concurso, dispunha o artigo 78º, nº...

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