Acórdão nº 09P0490 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelSANTOS MONTEIRO
Data da Resolução25 de Março de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça : Em P.º comum com intervenção do tribunal colectivo , sob o n.º 579/05 .OTAMTA , do Tribunal Judicial da Moita , foi submetido a julgamento AA , vindo a final a ser condenado como autor material de 7 crimes de abuso sexual de criança , p . e p .pelos art.ºs 172.º n.º 2 e 177.º n.º 1 a) , do CP , na pena de 6 anos de prisão por cada , e em cúmulo jurídico em 12 anos de prisão .

  1. O arguido , inconformado com o teor da decisão proferida , interpõs recurso para o Tribunal da Relação que , alterando o decidido , condenou o arguido pela prática de um crime continuado , p . e p . pelos art.ºs 172.º n.º 2 e 177.º n.º 1 a) , do CP , em 9 anos de prisão .

    Ainda irresignado com o acórdão proferido, o arguido recorreu para este STJ , apresentando na motivação as seguintes conclusões : A condenação imposta visou , apenas , a função retributiva das penas , esquecendo a função ressocializadora , pelo que a pena aplicada ao arguido é extremamente severa .

    Acresce que o arguido confessou os factos , de forma relevante , levando à descoberta da verdade dos factos , tendo decorrido já quatro anos sobre a data respectiva Fez-se uma incorrecta aplicação da lei no que respeita à atenuação especial da pena, ou seja do art.º 72.º , do CP .

    Foram violadas as normas dos art.ºs 70.º , 71.º n.º 2 , als.d) e e ) , 72.º n.º 2 , als. c) e d) , 73.º e 50.º , do CP .

    Considerando o jogo das atenuantes e agravantes , é de aplicar ao arguido uma pena suspensa na sua execução por 5 anos , acompanhada do regime de prova .

    II .Neste STJ a Exm.ª Procuradora Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento , quando muito uma redução de um ano , nunca tão substancial como defendida pelo M.º P.º junto da Relação .

    III .Colhidos os legais vistos , cumpre decidir , considerando que os factos provados são os seguintes : BB nasceu em 27 de Fevereiro de 1990 .

    É surda -muda .

    Em 1997 a BB foi confiada à guarda da Casa Pia de Lisboa , ficando colocada no Instituto J... R... P... .

    E, com regularidade mensal ou quinzenal , passava fins de semana na companhia do pai , na Rua das .... n.º ... , Bairro Paixão -Vale da Moreira , Moita .

    Entre 1999 e 2004 , o arguido , pelo menos 7 vezes , deitou-se com a sua filha BB na mesma cama , tocou-lhe as zonas corporais íntimas, nomeadamente a vagina , esfregou aí o seu pénis erecto e com este penetrou -a até ejacular .

    O arguido sempre exigiu à filha que não contasse a ninguém o sucedido .

    Em 24 de Janeiro de 2005 a BB apresentava sinais cópula vaginal não recente , nomeadamente hímen em crescente de altura com cerca de 3mm com entalhe às três horas e laceração não recente às sete horas e ostíolo himeneal permeável .

    O arguida sabia que BB tinha idade inferior a 14 anos e era sua filha .

    Agiu livre , voluntaria e conscientemente , sabendo serem as suas condutas proibidas por lei .

    O arguido confessou os factos que lhe são imputados e manifestou arrependimento.

    Do seu certificado de registo criminal não constam quaisquer condenações .

    Exerce a actividade de calceteiro ao serviço da Junta de Freguesia de Vale da Amoreira e ganha cerca de 400 € mensais .

    Vive com o filho CC em casa arrendada .

    Tem como habilitações literárias a 4 .ª classe .

  2. Este STJ , enquanto tribunal de revista , vocacionado historicamente para o conhecimento e aplicação do direito , não vinculado ao enquadramento jurídico-penal dos factos , fará incidir a sua atenção sobre a dicotomia reinante na quantificação criminosa dos factos ; para a 1.ª instância uma pluralidade de crimes de abuso sexual sobre crianças ; para Relação um só crime , continuado.

    Como regra o número de crimes afere-se pelo número de vezes que a conduta do agente realiza o tipo legal( concurso real ) ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente ( concurso ideal ) -art.º 30.º n.º 1 , do CP-, havendo para tanto que recorrer às noções de dolo e de culpa , ou seja ,tantas vezes quantas as que a eficácia da norma típica é posta em crise , ou seja pelo número de vezes que a norma não for eficaz para dissuadir a conduta antijurídica do agente .

    A pluralidade de infracções não abdica de uma actividade material do agente , de modificação do mundo exterior , a que corresponde uma afirmação plúrima da volição ou vontade criminosa .

    O crime , na definição de Amelung , citado por Karl Prelhaz Natcheradetez , in o Direito Penal Sexual ,Ed Almedina ,1985 , 116 , constitui , apenas , um caso especial de fenómenos disfuncionais , geralmente o mais perigoso .O crime é disfuncional enquanto contradiz uma norma institucionalizada ( deviance ) , necessária para a sobrevivência da sociedade.

    Os desvios à regra da determinação legal da pluralidade de infracções estão representados pelo concurso aparente de normas e crime continuado, este...

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