Acórdão nº 09P0483 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Março de 2009
Magistrado Responsável | PIRES DA GRAÇA |
Data da Resolução | 19 de Março de 2009 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça_Como consta do relatório do acórdão recorrido, no processo comum (tribunal colectivo) com o NUIPCV 86/07.7SXLSB da 6ª Vara Criminal de Lisboa, "O Ministério Público, em processo comum, com intervenção do Tribunal colectivo. deduziu acusação contra o arguido: - AA divorciado, filho de BB e de CC nascido em 14-12-1970, natural de Angola, residente no Largo .............. Lote ..... ...... em Lisboa, e actualmente preso preventivamente à ordem dos presentes autos no Estabelecimento Prisional da Carregueira.
imputando-lhe a prática, em concurso real, de: - 1 crime de abuso sexual de crianças. p. e p. pelo art. 172° n.º 1 e 2, do Código Penal; -1 crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 172° n.º 3, al. b), do Código Penal; - 282 crimes de abuso sexual de crianças, ps. e ps. pelo art. 172°, n. 1, do Código Penal: - 141 crimes de abuso sexual de crianças, ps. e ps. pelo art. 172°, n.º 1 e 2, do Código Penal: - 141 crimes de abuso sexual de crianças, ps. e ps. pelo art. 172°, nº 3, al. b), do Código Penal: - 1 crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 172°, nº 1 e 2, do Código Penal: - 5 crimes de abuso sexual de crianças, ps. e ps. pelo art. 172°, n. 1 e 2, do Código Penal: - 5 crimes de abuso sexual de crianças, ps. e ps. pelo art. 172°, n. 3, al. b), do Código Penal: e - 1 crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 172°, n.º 1 e 2, do Código Penal.
*Não foi deduzido pedido de indemnização civil nem foi requerida a constituição de assistente.
*o arguido não apresentou contestação nem arrolou testemunhas.
*Por acórdão de fls. 296 a 318, decidiu-se julgar a acusação do Ministério Público parcialmente procedente e, em consequência: A) Condenar o arguido AA: a) Pela prática de 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças, ps. e ps. pelo art. 172°, nºs 1 e 2, do Código Penal vigente à data da prática dos factos, na pena, por cada um. de 6 (sei s) anos de prisão: b) Pela prática de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 172°, n.s 1 e 2, do Código Penal vigente à data da prática dos factos, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão: c) Pela prática de 64 (sessenta e quatro) crimes de abuso sexual de crianças, ps. e ps. pelo art. 172°, n. ° 1, do Código Penal vigente à data da prática dos factos, na pena, por cada um, de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão: d) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de 15 (quinze) anos de prisão: e) Condenar o arguido em 8 UC de taxa de justiça. 4 de procuradoria e demais custas do processo. e ainda no pagamento de 1% do valor da taxa de justiça aplicada. nos termos do art. 13°. nº 3 do Dec.-Lei n. ° 423/91 de 30-10; B) Absolver o arguido dos demais crimes pelos quais vinha acusado.
*O arguido interpôs recurso do acórdão de fl s. 296 a 318 para o Supremo Tribunal de Justiça que, por decisão sumária de fls. 357 a 360, decidiu reenviar o processo à 1ª instância porque: "- A matéria de facto é inteiramente omissa quanto a uma eventual confissão bem como quanto à existência de arrependimento, duas circunstâncias de re7evo para a graduação da pena, a cuja ocorrência é feita menção, quer pelo recorrente, quer pelo Ministério Público, o que levaria a pressupor que teriam resultado da discussão da causa; - ( ... ) na fundamentação da decisão, vem referido que o Tribunal teve em conta na formação da sua convicção, entre outros documentos, "o relatório social de fls. 292" e este não se mostra junto aos autos; e Afirmando a verificação dos vários pressupostos do crime continuado, nomeadamente quanto à existência de uma situação exterior que individualiza, considerando que poderá ter facilitado a execução das acções do arguido, o Tribunal limitou-se a referir, sem explicitar devidamente as respectivas razões, que essa circunstância exterior não importou a considerável diminuição da culpa do agente.
Como consta de fls. 359, o processo foi reenviado, a fim de ser efectuado novo julgamento, embora restrito à primeira das indicadas questões, bem como para serem supridas as omissões supra identificadas.
*Na sequência deste reenvio parcial, realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades legais, conforme consta da respectiva acta." Após o que, veio a ser proferido acórdão em 5 de Dezembro de 2008, em que "o Tribunal colectivo delibera julgar a acusação do Ministério Público parcialmente procedente. por provada apenas em parte e, em consequência: a) Condenar o arguido AA pela prática. em autoria material e na forma consumada. de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 172°, nºs 1 e 2, do Código Penal vigente à data da prática dos factos, na pena de 5 (cinco) anos de prisão; b) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças. p. e p. pelo art. 172°. n.os 1 e 2. do Código Penal vigente à data da prática dos factos. na pena de 5 (cinco) anos de prisão; c) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 172°. n.os 1 e 2, do Código Penal vigente à data da prática dos factos, na pena de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão; d) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material. na forma consumada e em concurso efectivo, de cada um de 64 (sessenta e quatro) crimes de abuso sexual de crianças, ps. e ps. pelo art. 172°. n. 1. do Código Penal vigente à data da prática dos factos, na pena de 2 (dois) anos de prisão: e) Em cúmulo jurídico das penas de prisão referidas nas alíneas a) a d) que antecedem, condenar o arguido AA na pena única de (dez) anos de prisão: f) Absolver o arguido AA da prática dos demais crimes que lhe foram imputados na acusação do Ministério Público.
g) Condenar o arguido AA no pagamento das custas do processo (...)" Ordenou-se o demais de lei.
--- Inconformado, recorre o arguido, apresentando as seguintes conclusões na motivação do recurso: a) O Meritíssimo Tribunal "a quo" optou por não qualificar a conduta do Arguido como crime continuado, para efeito da aplicação do artigo 30° nºs. 2 e 3 do Código Penal; b) Justificando, para tanto, que não seriam circunstâncias exteriores mas sim endógenas (a vontade do arguido), que levaram à repetição dos actos após a primeira tentativa; c) Que as circunstâncias exteriores, "disponibilidade" da menor e falta de controlo maternal, no caso concreto, não pressupõem uma considerável diminuição da culpa do arguido; d) Na opinião do recorrente, devem ser tidas em conta, ainda como circunstâncias exteriores relevantes a coabitação, os hábitos familiares de consumo de álcool e as restantes disfuncionalidades familiares detectadas e dadas como provadas; e) Enquadrando-se estas diversas situações numa relevante "situação exterior" cuja persistência facilitou, de forma considerável, a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao Arguido um comportamento diferente, por meio de uma sensação aparente de impunidade e de um adormecimento moral do mesmo, sendo de referir, no entanto, que, apesar do seu comportamento, o Arguido nunca exerceu violência física sobre a menor para atingir os seus intentos; f) Diminuindo consideravelmente a sua culpa; g) Pelo que se encontram preenchidos todos os pressupostos para aplicação do artigo 30, nº 2 e 3 do Código Penal, com as alterações introduzidas em 15 de Setembro, devendo, ao contrário do que fez o Tribunal "a quo", o Arguido ser punido pela prática de um crime continuado de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171°/1 e 2 do Código Penal, também na sua actual redacção; h) Ao não qualificar a actuação do Arguido como crime continuado, nos termos anteriormente expostos, o Tribunal "a quo" errou na determinação da norma jurídica aplicável, e com isso violando o disposto no artigo 30°, nºs 2 e 3 do Código Penal na sua actual redacção; i) Por outro lado, e sem conceder, caso não se opte pela punição do Arguido pela prática de um crime continuado, e tendo em conta a sua culpa diminuída, nos termos das considerações e conclusões anteriores, deve esse Venerando Tribunal corrigir a pena única aplicada de 10 anos de prisão por, manifestamente, ser exagerada e desproporcionada ao comportamento e à culpa do Arguido e violadora das regras de experiência ínsitas à determinação da pena; j) Perante a pena aplicada, é patente não existirem razões atinentes à culpa, ou de prevenção (geral ou especial), que a justifiquem, chocando tal pena com o mais comum sentido de justiça; k) Tudo isto considerando a atitude colaborante do Arguido, a sua confissão e o seu arrependimento e as circunstâncias sociais envolventes; I) Tudo merecendo a intervenção correctiva desse Alto Tribunal, por violação dos critérios contidos no artigo 71° do CP.
NESTES TERMOS, e nos mais de direito, que forem mui doutamente supridos, deve: Proceder o presente recurso, sendo o Arguido condenado pela prática de um crime continuado de abuso sexual de crianças, artigos 30°, nºs 2 e 3 e 171°, nºs 1 e 2 do Código Penal em vigor, aplicando-se a moldura penal respeitante à conduta mais grave integrante da continuação criminosa, nos termos do artigo 79°/1 do CP, em substituição da pena aplicada pelo Acórdão recorrido; Caso assim não se considere, deve proceder o recurso, e reduzida consideravelmente a pena única de 10 anos em que o Arguido foi condenado, por manifestamente exagerada e desproporcionada, violando as regras de experiência, tendo em conta o crime em causa, a forma de actuação e a culpa diminuída do Arguido." Respondeu o Ministério Público à motivação de recurso, concluindo: 1. Contrariamente ao defendido pelo recorrente a sua conduta criminosa não pode ser enquadrada no crime continuado.
2. À continuação criminosa é essencial a verificação na execução dos diversos crimes, que vão ser unificados, de um certo condicionalismo ou situação exteriores que facilitem ao agente a prática...
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