Acórdão nº 08S1690 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução19 de Novembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. "Sport Lisboa e Benfica, Associação de Utilidade Pública Desportiva" intentou, em 5 de Junho de 2000, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra AA, pedindo que seja declarada a "inexistência de justa causa para o Réu rescindir o contrato de trabalho" e que este seja condenado a pagar ao Autor a quantia de Esc. 20.000.000$00 (€ 99.759,58), a título de danos não patrimoniais, e a quantia de Esc. 190.800.000$00 (€ 915.706,39), a título de retribuições vincendas até ao termo do contrato de trabalho, tudo acrescido dos respectivos juros compensatórios, à taxa legal.

Alegou, em síntese, que: - Em 19 de Março de 1997, celebrou dois contratos de trabalho desportivo com o Réu, um com início em 24 de Março de 1997 e termo em 31 de Julho de 2000 e outro com início em 1 de Agosto de 2000 e termo em 31 de Julho de 2003, mediante os quais este se obrigou a prestar-lhe a sua actividade de futebolista com as categorias de "júnior" e "sénior", respectivamente; - Em 6 de Julho de 1999, o Réu rescindiu o primeiro contrato com fundamento em justa causa, invocando que tinha sido alvo de uma campanha difamatória por parte de dirigentes e representantes do Autor que o impossibilitou de continuar a prestar o seu trabalho de praticante desportivo ao Autor; - Não existe qualquer fundamento para a justa causa invocada pelo Réu, que "adoptou uma conduta que visava destruir o seu vínculo laboral" com vista a poder assumir os compromissos que, entretanto, passou a ter para com o "Atlético de Madrid"; - Quaisquer "declarações proferidas e condutas adoptadas por responsáveis do SLB visaram a salvação do vínculo laboral".

- Na sua comunicação rescisória o Réu "não invocou quem proferiu as imputações, nem identificou as circunstâncias do tempo, lugar e modo que teriam acompanhado tais factos", tendo a sua "comunicação" sido "emitida depois de decorridos mais de 15 dias sobre tais factos".

  1. Na contestação, o Réu defendeu-se por excepção e por impugnação.

    Por excepção, invocou a preterição de tribunal arbitral e o caso julgado.

    Quanto à primeira, alegou, em resumo, que, no contrato desportivo de que advém o litígio, se convencionou que os conflitos dele emergentes seriam dirimidos pela arbitragem voluntária a cargo da Comissão Arbitral Paritária (doravante, também, designada por Comissão) constituída de harmonia com o disposto no artigo 48.º do Contrato Colectivo de Trabalho para os Jogadores Profissionais de Futebol - convenção essa legalmente permitida, por incidir sobre direitos disponíveis, não respeitar a conflito submetido à competência exclusiva do tribunal judicial, e constar de documento escrito -, sendo que a Liga Portuguesa de Futebol, de que o Autor é filiado, e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, de que o Réu é associado, foram autorizados a criar um centro de arbitragem, com o objectivo de resolver os litígios dos contratos individuais de trabalho desportivo, celebrados entre os clubes e os respectivos jogadores profissionais.

    Quanto à segunda das excepções, aduziu que a questão da existência de justa causa para rescisão do contrato fora já apreciada e decidida, em sentido afirmativo, pela Comissão, em litígio perante ela desencadeado pelo Autor contra o Réu.

    Por impugnação, contrariou o alegado na petição inicial e sustentou, mediante alegação de comportamentos que imputou ao Autor, assistir-lhe justa causa para a rescisão do contrato, nos termos em que o fez.

    Concluiu pela procedência das excepções, ou, se assim não se entender, pela improcedência da acção.

  2. Na resposta, o Autor, a pugnar pela improcedência das excepções, sustentou não dever confundir-se o foro desportivo com o foro laboral, defendendo que, no primeiro, visa-se apurar se existe justa causa para efeitos exclusivamente desportivos, como sejam a desvinculação desportiva e o cancelamento do registo de um contrato de trabalho, por forma a permitir a celebração de um novo contrato e o respectivo registo; e que, se o conflito assumir natureza e efeitos laborais, ele não é arbitrável, face à natureza pública e à indisponibilidade dos direitos em causa.

    Alegou, outrossim, que, tendo sido requerente no processo que correu perante a Comissão, limitou o seu pedido ao foro exclusivamente desportivo e que o caso decidido o foi, apenas, para efeitos exclusivamente desportivos.

  3. No despacho saneador, foi decidido julgar improcedentes as referidas excepções, decisão contra a qual o Réu interpôs recurso de agravo, que, instruído com as respectivas alegações, veio a ser admitido com subida diferida.

    Prosseguindo os autos, realizou-se a audiência de discussão e julgamento e, sequentemente, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, a) Declarou a inexistência de justa causa para o Réu rescindir o contrato desportivo, com início em 24 de Março de 1997 e termo em 31 de Julho de 2000, que o unia ao Autor; b) Condenou o Réu no pagamento ao Autor da quantia de € 35.913,45, correspondente ao montante das retribuições que se venceriam até 31 de Julho de 2000, a título de indemnização, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento; c) Condenou o Réu no pagamento ao Autor da quantia a liquidar em execução da sentença e relativa aos prémios de jogo por si auferidos durante a época de 1998/1999; d) Absolveu o Réu do demais peticionado.

    Interpôs, então, o Réu recurso de apelação, em cuja alegação, além de reclamar a apreciação do agravo retido, pugnou pela revogação da sentença.

    O Tribunal da Relação de Lisboa julgou procedente o recurso de agravo, absolvendo o Réu da instância, e considerou prejudicado o conhecimento da apelação.

    Irresignado, o Autor interpôs o presente recurso de agravo, que veio a motivar, mediante peça alegatória que rematou com as seguintes conclusões: 1. O Acórdão da Comissão Arbitral Paritária que declarou a existência de justa causa para que o Agravado rescindisse o contrato de trabalho desportivo cinge os seus efeitos ao campo puramente desportivo (ou seja, à susceptibilidade de prosseguir, noutro clube, a prática desportiva profissional).

  4. No que diz respeito aos efeitos jurídico-laborais, compete exclusivamente aos Tribunais judiciais a verificação da existência de justa causa.

  5. Para efeitos jurídico-laborais tais conflitos são inarbitráveis face à natureza indisponível da matéria em causa e ao interesse e ordem públicos das normas que a regem.

  6. O legislador ordinário absorveu, no D.L. 64-A/89, de 2 de Fevereiro, e no Código do Trabalho, essa natureza indisponível e o interesse e ordem públicas que a informam (Art.º 35.º, n.º 4, 12, n.º 2 e Art.os 435.º e 444.º, respectivamente).

  7. O Contrato Colectivo de Trabalho do sector também respeitou tal inarbitrabilidade destes conflitos, tendo cindido os efeitos meramente desportivos (ainda a cargo da CAP) dos efeitos jurídico-laborais que relegou implicitamente para a esfera do Estado judicante (Art.º 52.º, n.os 1, 5, 6 e 9 e Anexo II do CCT, Art.º 21.º) pelo que vai, como não podia deixar de ser, no mesmíssimo sentido, ou seja, declarando a inarbitrabilidade dos conflitos em que esteja em causa a declaração de ilicitude de um despedimento.

    Em face do exposto, deve ser [con]cedido provimento ao presente Agravo e, consequentemente, revogado o Acórdão do Tribunal da Relação, por agressão às identificadas normas e por violação do Art.º 1.º, n.º 1, da Lei 31/86, de 29 de Agosto, com repercussões directas na errada aplicação do Art.º 288.º, n.º 1, alínea e) e 494.º, alínea j) ambas do CPC.

    Por consequência, uma vez revogado o Acórdão sub judicio, deve ser confirmada a Sentença da 1.ª Instância, para que se faça JUSTIÇA.

    Não houve contra-alegação.

    Neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público exarou parecer no sentido de não se conhecer do objecto do recurso, no entendimento de que...

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