Acórdão nº 08P2889 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelSOUTO DE MOURA
Data da Resolução13 de Novembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Em processo comum , o Tribunal Colectivo da 1.ª Vara de Competência Mista Cível e Criminal de Loures, por acórdão de 20-09-2007, decidiu: a) condenar o arguido AA, melhor identificado nos autos, pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos arts. 21.°, n.° 1, e 24.°, al. c), do DL 15/93, de 22-01, com referência às tabelas I-A e I-B anexas ao mesmo diploma, na pena de 11 (onze) anos de prisão; b) nos termos dos arts. 35.°, n.° 1, e 36.°, n.°s 2 e 5, do DL 15/93, de 22-01, declarar perdido a favor do Estado o veículo automóvel da marca "BMW", modelo "525 TDS", de matrícula ...-...-... .

De tal decisão interpôs o arguido recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Recorreu igualmente o arguido, para o Tribunal da Relação de Lisboa, das seguintes decisões: a) despacho de fls. 10 180 a 10 182, datado de 03-10-2007, que declarou a excepcional complexidade do processo; b) despacho de fls. 10 165, datado de 21-09-2007, que indeferiu a irregularidade da leitura por súmula do acórdão da 1.ª instância.

Por acórdão de 26-06-2008, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento aos recursos dos despachos supra indicados e concedeu parcial provimento ao recurso do acórdão proferido, mantendo a condenação do recorrente pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos arts. 21.° e 24.°, al. c), do DL n.° 15/93, de 22-01, e reduzindo a pena aplicada para 10 (dez) anos de prisão.

É desta decisão que agora foi interposto, pelo arguido, o presente recurso para este Supremo Tribunal de Justiça. Requereu audiência oral para debate das questões levantadas nas conclusões

  1. DECISÃO DA PRIMEIRA INSTÂNCIA I - MATÉRIA DE FACTO No acórdão da 1.ª Vara de Competência Mista Cível e Criminal de Loures de 20-09-2007, foram considerados os seguintes: a) Factos provados (transcrição): «1 - O arguido AA, que cumpria pena de prisão, em Portugal, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, evadiu-se para Espanha, onde fixou residência.

    2 - Para iludir as autoridades policiais, o arguido AA passou a utilizar várias alcunhas e nomes falsos, designadamente: «Zé de Braga», «Galego», «Lieto», «José Bruno Bruno» e «José António».

    3 - O arguido AA tinha contactos, entre outros, com BB, que utilizava as alcunhas de «Russo» e de «Estoino» ou «Estonho», CC, que era conhecido pela alcunha de «Moca», DD, EE, conhecido por «Quim», FF e GG, conhecido pelo nome de «Júlio» e, devido à sua deficiência física, com a alcunha de «Marreco», todos pessoas das suas relações.

    4 - O arguido GG, nas suas deslocações, fazia-se transportar, entre outras, na viatura automóvel da marca "Mercedes", modelo 280, com a matrícula espanhola ...-...-..., registada em nome de José Bruno Bruno, uma das identidades falsas por ele utilizadas.

    5 - Pela mesma altura, o referido BB utilizava a viatura da marca "Opel", modelo "Calibra", com a matrícula ...-...-... .

    6 - FF e EE ("Quim") mantinham entre si uma relação amorosa e partilhavam a casa que era a residência da primeira, sita na Estrada de ....., Vivenda M...., V... de B..., em Alverca.

    7 - Nessa casa eram guardados produtos estupefacientes, designadamente heroína, pertencentes ao arguido AA.

    8 - No dia 18 de Setembro de 2000, CC ("Moca") entregou à FF o veículo automóvel da marca "BMW", modelo "525 TDS", com a matrícula ...-...-..., pertencente ao arguido AA.

    9 - Essa viatura foi conduzida pelo CC ("Moca") até à Costa da Caparica, onde se encontrou com a FF e com o EE ("Quim").

    10 - Depois de receber essa viatura, a FF dirigiu-se para o norte do país, mais precisamente para a zona de Póvoa de Varzim, onde, juntamente com o EE ("Quim"), ficou hospedada (no "Hotel Torre-Mar") na noite de 21 para 22 de Setembro.

    11 - Na tarde do dia 22 de Setembro de 2000, a FF, seguindo instruções do arguido AA, viajou do norte para a sua casa em Alverca, fazendo-se transportar no "BMW 525 TDS", de matrícula ...-...-..., que ela própria conduziu.

    12 - Chegada a Alverca, a FF carregou no interior desse veículo, num depósito disfarçado, situado nas traseiras do banco de trás, 13 embalagens de um produto acastanhado, com o peso bruto total de 13,520 quilogramas (peso líquido de 12,660 kgs) e, ainda, um saco de plástico contendo o mesmo produto, com o peso bruto de 514,5 gramas (peso líquido de 485,015 gramas), produto esse que o exame toxicológico a que foi submetido no Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária revelou ser heroína.

    13 - Esse produto estupefaciente pertencia ao arguido AA e era todo o que, na altura, a FF tinha arrecadado na sua casa de residência, em Alverca.

    14 - Carregado o produto na viatura, a FF iniciou, logo de seguida, a viagem de regresso ao norte, levando consigo os filhos, sendo, porém, interceptada e detida na zona da saída da A1 para Leiria.

    15 - Foram-lhe, então, apreendidos (além de 3 telemóveis, 83 500$00 e 1000 pesetas espanholas) as 13 embalagens e o saco de heroína que transportava e o referido veículo BMW, modelo 525 TDS, de matrícula ...-...-..., em que tal produto era transportado.

    16 - Na sequência da busca efectuada na casa de residência da FF, foram-lhe apreendidos, além do mais, os papéis que estão a fls. 478 a 480 dos autos.

    17 - A FF já em ocasiões anteriores tinha efectuado transportes de substâncias estupefacientes (heroína e cocaína) para o arguido AA.

    18 - Nos dias 21 e 22 de Novembro de 2000, o arguido AA, sendo transportado pelo CC ("Moca"), encontrou-se com o GG ("Júlio").

    19 - Em 6 de Março de 2001, a FF, presa preventivamente, contactou telefonicamente o arguido EE (Quim), dizendo-lhe que mandasse recado ao arguido AA («o lá de cima») e ao BB (Estoino) [«o cá de baixo»], para estes a auxiliarem economicamente, sob pena de os denunciar à Polícia Judiciária.

    20 - O EE ("Quim") disse-lhe, então, para escrever isso num papel, para ele mandar uma filha dele entregar ao BB ("Estoino"), lá no bairro.

    21 - Em 18 de Maio de 2001, foi detido EE ("Quim") e, na altura, foi-lhe apreendido, além do mais, o papel junto como documento a fls. 2642 que contém uma mensagem da FF dirigida ao BB ("Estoino").

    22 - Nessa mensagem, a Georgina informava o BB ("Estoino") de que iria dizer, em julgamento, que não o conhecia, aconselhando-o a dizer o mesmo e, ainda, relativamente ao arguido AA (que referia pelo nome de «José Bruno» e de «Galego»), a dizer que foi este que veio ter com ele, ou que é seu familiar, ou até a dizer que o seu filho ia casar com a filha dele, e que utilizava o seu telemóvel numa altura em que não tinha cartão, e que ele, BB, lhe tinha emprestado o dele, e avisando-o, finalmente, para não falar com o EE ("Quim"), nem pelo telefone.

    23 - Em 8 de Dezembro de 2000, II (conhecido por "Nelo" ou "Nel"), irmão do AA, teve um contacto telefónico com HH, informando-o de que iria, nesse dia, buscar produto estupefaciente e pretendendo saber se este estava interessado em comprar.

    O HH, todavia, informou-o de que ainda tinha que receber o dinheiro da venda do produto anteriormente recebido, pelo que só dentro de 2 ou 3 dias iria a casa do II (Nelo ou Nel) para adquirir mais produto.

    24 - Em 29 de Dezembro de 2000, o II (Nelo ou Nel) teve um contacto telefónico com o HH, a quem ofereceu, para venda, produto estupefaciente (heroína ou cocaína) ao preço de 4.600 contos o quilo, produto este que se preparava para ir buscar a Espanha.

    Tendo o HH retorquido que o preço era elevado, o II (Nelo ou Nel) respondeu-lhe que havia aí, para venda, um produto a 4.400 contos, mas que não tinha qualidade («não balachim»).

    Como o HH argumentasse que ainda iria ter despesas com a deslocação a Braga, para ir buscar o produto, o Nel sugeriu que ele viesse num táxi, cujo frete seria suportado por ambos, a meias.

    O HH não tinha dinheiro suficiente, na altura, para comprar um quilo de produto estupefaciente (apenas tinha disponíveis 3.600 a 3.700 contos), e o II respondeu-lhe que não fazia mal, que lhe faria o preço a 4.500 contos o quilo («quatro papiros e meio»), e que o resto pagaria mais tarde, proposta que aquele aceitou.

    Na sequência de tal acordo, o II deslocou-se a Espanha, na tarde do dia 29 de Dezembro de 2000, onde obteve do seu irmão AA um quilo de produto estupefaciente (heroína ou cocaína), que transportou para Portugal, tendo chegado a sua casa, em Braga, com o produto, por volta das 20:04 horas.

    De posse do produto, o II acordou com o HH que, no dia seguinte de manhã, se deslocaria à Gafanha da Nazaré, para o entregar, acompanhado de um correio («rambo»), que procederia a esse transporte.

    Ficou, ainda, entre eles acordado que quem iria receber o produto seria o «Riqueza», irmão do HH, que entregaria o dinheiro ao II.

    Após ter feito a entrega desse produto ao HH, o "Nel" contactou telefonicamente a esposa daquele (JJ), pedindo-lhe explicações pelo facto de a mãe desta ter tido conhecimento de operação e recomendando que da mesma não fosse dado conhecimento a ninguém.

    No mesmo contacto, o II (Nelo ou Nel) perguntou à JJ se o marido desta precisava de mais produto estupefaciente, respondendo-lhe ela que não sabia e que ligasse mais tarde, à noite, para falar com ele.

    No mesmo dia (10 de Janeiro de 2001), o HH entregou ao "Nel" um saco, contendo dinheiro, para pagamento da parte restante (500 contos) do preço do produto estupefaciente que recebera deste, saco no qual, por lapso, enviou 100 contos a mais.

    25 - Em 13 de Janeiro de 2001, o II (Nelo ou Nel) deslocou-se a Espanha, de novo, para se abastecer de produtos estupefacientes junto de seu irmão AA.

    Na mesma data, o "Nel" teve um contacto telefónico em que comunicou à esposa do HH a deslocação que ia fazer, e perguntou se este precisava de produto estupefaciente (heroína ou cocaína) para ele trazer.

    A Amélia respondeu-lhe que não tinha o dinheiro («pernum») suficiente, afirmando ter apenas 2.500 contos, tendo-lhe retorquido o "Nel" que não fazia mal, pois ele esperava pelo pagamento do resto.

    Nesse dia (13.01.2001), por volta do meio dia, foram...

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