Acórdão nº 08S2063 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução05 de Novembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório Os presentes autos referem-se a um acidente de viação, ocorrido em 20 de Agosto de 2003, de que resultou a morte, nesse mesmo dia, de AA que, então, trabalhava por conta de "A. S..., L.da", exercendo as funções de empregado de mesa, cuja responsabilidade por acidentes de trabalho estava transferida para a L... Seguros, S. A.

Na tentativa de conciliação realizada na fase administrativa dos autos, a seguradora reconheceu a natureza laboral do acidente e assumiu a responsabilidade pela sua reparação e, em consequência disso, aceitou pagar a BB, filha menor do sinistrado, a pensão anual temporária de € 1.166,48, com início em 21.8.2003, bem como a quantia de € 2.139,60, a título de subsídio por morte (metade) e a importância de € 1.426,40, a título de subsídio de funeral, a quem provar ter pagos as respectivas despesas.

Todavia, naquela diligência, a seguradora não aceitou pagar a CC, companheira do sinistrado, nem a pensão anual nem o subsídio por morte (metade) por ela reclamados, por não reconhecer a sua qualidade de beneficiária, com o fundamento de que a mesma ainda se encontrava casada com outra pessoa ("embora a mesma vivesse em comunhão de mesa e habitação com o sinistrado à data da morte, a verdade é que ainda se encontrava no estado de casada com outra pessoa").

O acordo obtido em relação à filha menor foi judicialmente homologado e os autos passaram à fase contenciosa unicamente para discutir a qualidade de beneficiária da autora CC, tendo esta, patrocinada pelo M.º P.º, pedido, na petição inicial, que a ré seguradora fosse condenada a pagar-lhe a pensão anual e vitalícia obrigatoriamente remível de € 1.749,72, com efeitos a partir de 21.8.2003, acrescida da quantia de € 2.139,60, correspondente a metade do subsídio por morte e dos respectivos juros de mora.

Fundamentando o pedido, a autora alegou, para além da factualidade referente ao acidente, em resumo, o seguinte: - o sinistrado faleceu no estado de solteiro e, à data do acidente, vivia, desde há cerca de seis anos, em união de facto com a autora; - com efeito, desde há seis anos que a autora se encontra separada de seu marido DD, tendo deixado de coabitar e de ter qualquer relacionamento com o mesmo, passando a viver com o sinistrado em condições análogas às dos cônjuges; -contudo, o seu casamento ainda não foi dissolvido, estando o respectivo processo de divórcio litigioso a correr termos na 2.ª Secção do 1.º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, com o n.º 130/2002; - nos termos do art.º 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 100/97, de 13/9, são consideradas beneficiárias as pessoas que vivam em união de facto; - e na legislação regulamentar - art.º 49.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30/4 - refere-se que, para efeitos do disposto no citado art.º 20.º, são consideradas uniões de facto as que preencham os requisitos constantes do art.º 2020.º do C.C.; - exige-se, por isso, que o sinistrado seja pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens e que tenha vivido com a pretendida beneficiária há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges; - ora, a autora, à data do falecimento do sinistrado, que era solteiro, residia e vivia exclusivamente com ele há seis anos, em comunhão de mesa, leito e habitação, sendo tal coabitação do conhecimento dos amigos, família e vizinhança, não recebendo alimentos do marido; - o facto de o seu casamento não se encontrar dissolvido não lhe pode ser imputado, já que a condução do processo não depende exclusivamente da sua vontade.

Na contestação, a ré manteve a posição assumida na tentativa de conciliação, no que toca à natureza do acidente e à sua responsabilidade pela reparação do mesmo, e, no que concerne à união de facto e à qualidade de beneficiária da autora, alegou, em resumo e de útil, o seguinte: - desconhece, nem tem obrigação de conhecer, se a autora residia com o sinistrado e, em caso afirmativo, há quanto tempo; - caberá, por isso, à autora fazer a prova dos requisitos legalmente exigidos para o reconhecimento da união de facto; - na eventualidade de lograr fazer essa prova, é verdade que a lei reconhece à pessoa que com o sinistrado vivia em união de facto a qualidade de beneficiária; - todavia, é igualmente verdade que a Lei n.º 7/2001, de 11/5, que regula a situação jurídica de duas pessoas, independentemente do sexo, que vivam em união de facto há mais de dois anos, estatui no seu art.º 2.º, al. c), que são impeditivos dos efeitos jurídicos dela decorrente o casamento anterior não dissolvido, salvo se tiver sido decretada separação judicial de pessoas e bens; - ora, uma vez que a autora ainda se encontra casada com pessoa diferente do sinistrado, a lei considera esse facto impeditivo dos efeitos jurídicos decorrentes da referida lei, designadamente a "prestação por morte resultante de trabalho ou doença profissional, nos termos da lei"; - caso assim não se entenda, sempre se dirá...

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