Acórdão nº 08P2156 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Julho de 2008

Magistrado ResponsávelSANTOS CABRAL
Data da Resolução02 de Julho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, assistente nos presentes autos, e BB, demandante cível, vieram interpor recurso da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que rejeitou, por manifesta improcedência o recurso por si interposto e que, consequentemente, manteve intocável a decisão proferida em primeira instância que decidiu absolver a arguida CC da prática de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido no artigo 137 nº1 do Código Penal. Mais determinou a mesma decisão a absolvição da arguida e do Fundo de Garantia Automóvel em relação aos pedidos de indemnização cível formulados pela recorrente e pelo assistente AA.

As razões de discordância do primeiro recorrente, relativas á discordância relativa á improcedência do pedido cível formulado, encontram-se sintetizadas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que: a)-A matéria provada basta para a caracterizar a culpa exclusiva da arguida e dona do estabelecimento.

b)-Conduzia de tal modo desatenta que nem deu pelo atropelamento como acontecimento real que ocorreu na sua frente; c) Esta desatenção motivou aliás o erro de manobra que explica o embate do automóvel na criança; d) Surgida da direita do condutor, foi colhida pela frente direita do automóvel, tendo o impacto quebrado a óptica do farol desse lado direito; e) Por conseguinte é obvio que uma manobra de desvio para a esquerda evitaria, segundo a experiência comum, este sinistro mortal; f) Na verdade DD ficou caído a 0,8 metros do passeio do lado direito da condutora arguida; g) Caracterizada deste modo a culpa exclusiva da arguida, é responsável em solidariedade com o Fundo de Garantia Automóvel pela remoção dos danos patrimoniais e não patrimoniais alegados e provados; h) Neste domínio, deve ser considerado como dano não patrimonial ressarcível e a ter em conta a angústia inerente ao estado de coma sofrido por DD antes de falecer, porque não é a consciência vigil que oblitera a experiência, ao menos ao nível psíquico profundo, da morte iminente. " i) E também, nesta ordem de razões, deve entender-se que o pedido globalmente apresentado do quantum indemnizatório que o recorrente propõe é prudente e de deferir; j) De qualquer modo, tratando-se de hipótese regida pelo Código da Estrada, segundo o sistema de responsabilidade conexa contra-ordenacional e civil, específico do direito rodoviário (no conspecto do ordenamento, de natureza excepcional), a culpa in vigilando, localizada no âmbito e alcance da responsabilidade geral e um, não elide a responsabilidade pelo risco, tematizável à luz estradal; Ora, mas por argumento de mera cautela, não se provando a culpa da condutora, cai a remoção das consequências danosas, neste caso, no campo da responsabilidade pelo risco; l) Sob este ponto de vista é de atribuir à criança numa contribuição para a produção do acidente de 10%; m) E na sequência a arguida e o Fundo são responsáveis pelo pedido com a diminuição do quantum correspondente a esta percentagem; n) Em todo o caso, nunca a responsabilidade da condutora concorreria com a responsabilidade do pai do menor a título de culpa in vigilando, porque, como acima se disse, esta não pode ser aferida e interveniente no julgamento do caso; o) Por tudo isto, o Acórdão recorrido, que confirmou a sentença de 1ª instância, infringiu os artigos sob responsabilidade civil rodoviária do Código da Estrada, a saber: artigos 135° e 150°, no modelo que supõem e sobre o qual estão estas normas construídas e operam no campo da relação do transito; p) Deve o Acórdão recorrido ser revogado e ser substituído por decisão desse STJ que condene a arguida e o Fundo de Garantia Automóvel no pagamento em solidariedade ao recorrente das indemnizações que pede, respectivamente de € 55.000,00 e € 51.550,00; q) Tanto mais que se não trata de recurso do julgamento da matéria de facto, como erradamente estimou o Tribunal de 2ª instância: o recorrente não tinha pois de cumprir as especificações de crítica do veredicto; r) Veredicto com o qual concorda, excepto no que diz respeito á conclusão tirada sobre os acontecimentos de a arguida não conduzir desatenta; s) E mesmo que o conteúdo apareça como resultante do julgamento da matéria de facto, efectivamente não o é, por ser conclusivo e depender, pois, de pontes e apoios nas respostas sobre a visibilidade e desenho do acontecimento: trata-se de um efeito normativo, de erro ou acerto de um raciocínio e não de mera verificação de dados; t) Assim, embora na sentença de lª instância o tópico da não condução desatenta por parte da arguida venha referido justamente como dado imediato da causa, trata-se, neste particular, de nulidade insuprida, que radica na proibição processual dos actos inúteis e ineficiência radical destes no bom, justo e leal julgamento.

  1. Com efeito, não pode haver contraditório, logo há infracção do art. 32.°/4 CRP, em casos de conclusões transvertidas em dados imediatos da causa, porquanto ao assistente seria subtraída a lógica de uma resposta nesse plano trocado.

  2. Ora, por força do art.18.°/3 CRP, o desrespeito de uma garantia fundamental tem como consequência jurídica a nulidade insuprível ou, no entendimento da Prof. Doutora Fernanda Palma, a inexistência.

  3. Logo, o Acórdão recorrido infringiu os art. 410.°/2 c).3 e 420.°/1 a) CPP, 503/1 e 505.°, 563.° CC, 135.° e 150.° CE, que deveria ter aplicado no sentido das conclusões supra.

  4. Mas, só por dever de patrocínio, no caso de o Tribunal vir a considerar aplicável, todavia, o art. 420.°/1 a) CPP, por referência aos art° 412.°/3.4, e 428.°/1 do mesmo diploma legal, ainda nestas circunstâncias de prejuízo do contraditório acima referidas, desde já, se argui a inconstitucionalidade do arco normativo em referência, sob esta especifica interpretação, por se opor ao art. 32/5 CRP Por seu turno a recorrente invoca as seguintes razões em abono ad procedência do recurso: l - Não se verificam os fundamentos aduzidos no acórdão recorrido para a rejeição do mesmo, por manifesta improcedência. Na verdade, ao contrário do que é dito no Acórdão, os recorrentes não pretenderam impugnar a decisão de facto pelo que não tinham que cumprir nas motivações, os requisitos do art. 412 do CPP.

    2 -O que na realidade os recorrentes nas suas motivações alegaram e efectivamente existe é contradição insanável de fundamentação, cumulativamente com erro notório na apreciação da prova (arts. 410 nº2 al. b) e c) do C.P.P.) vícios que decorrem do próprio texto da decisão. E dos quais a Relação deveria ter conhecido.

    3 - Ora entre os factos provados nos pontos 6 e 7 e os não provados existe uma clara e inequívoca contradição e incongruência que resulta patente e notória do texto da decisão recorrida, e que sai reforçada com recurso às regras da experiência comum.

    4 -Se o acidente se deu em meados de Maio, pelas 20:00h, portanto absolutamente de dia, a rua onde o mesmo é uma recta, com cinco metros de largura, no momento da ocorrência não chovia, não estava nevoeiro, névoa ou neblina e se a arguida não se apercebeu que o embate ocorreu com uma pessoa obviamente que a arguida circulava de forma desatenta.

    5- A decisão recorrida é contraditória, ilógica e vio1adora das regras da experiência comum, pois qualquer condutor médio locado no lugar da arguida ter-se-ia lógica e necessariamente apercebido da infeliz vítima e encetado manobra de travagem ou de desvio para a esquerda evitaria o atropelamento, tanto mais que circulava numa recta, com 5 metros de largura e não ficou provado, nem sequer foi alegado pela arguida, que em sentido contrário circulassem veículos situação em que se poderia invocar que a arguida não se havia desviado pois ao invadir a faixa contrária poderia colidir com aqueles.

    6 - Pelo exposto a decisão ora sob censura patenteia contradição insanável da fundamentação pois de acordo com um raciocínio lógico seria de concluir precisamente o oposto ou seja a condução era desatenta ou melhor desatentíssima ... e por -isso culposa. 7 -Concomitantemente patenteia "erro notório na apreciação da prova", a qual flui do texto da decisão que revela distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados e se traduz numa apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passa despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio.

    8- Na sentença da primeira instância que a Relação não reparou consta "não se provou, com relevância para a decisão que o acidente se tenha verificado por a arguida circular de forma desatenta" 9- Esta questão é de direito e não de facto pelo que jamais deveria constar do ponto II da decisão - fundamentação de facto -mas sim da fundamentação de direito, ponto III da decisão. Na verdade, a consideração da condução atenta ou desatenta é um juízo conclusivo que deve resultar de factos que o demonstrem.

    10- Acresce que como já se disse supra, com base nos factos dados por provados, mormente os por nós supra sublinhados, a conclusão lógica e de acordo com as regras da experiência, teria de ser necessariamente a de que a condutora circulava de forma desatenta, conduta essa culposa e que foi causal do acidente.

    11- Na verdade a condução da arguida, desatenta, imprudente e temerária., patenteia objectiva e subjectivamente desconsideração por interesses legalmente protegido, mormente a segurança rodoviária viola as normas estradais art. 24.°1 assim como o art. 3° nº 2 do Código de Estrada.

    12- E entendimento jurisprudencial assente que a violação das normas ou regulamentos, mormente as estradais, por constituírem normas de perigo abstracto (ou seja a actividade de condução de veículos automóveis, comporta em si mesma uma potenciação de risco) importam uma presunção de culpa.

    13- A interpretação e aplicação, feita pelas instâncias, do instituto da culpa "in vigilando" foi absolutamente errada Na verdade, o que o art.. 491° do Código Civil prevê são as situações em que o incapaz causa danos a...

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