Acórdão nº 08A1469 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelMÁRIO CRUZ
Data da Resolução24 de Junho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1) AA 2) BB intentaram acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra 1) CC e marido DD, 2) EE e esposa FF e 3) GG e esposa HH, pedindo - que sejam colocadas no lugar dos segundos RR. na aquisição do imóvel onde residem, adquirido aos primeiros réus.

Para o efeito, alegaram que são arrendatárias dos primeiros RR., os quais venderam aos segundos o prédio em questão, que foi hipotecado por estes ao terceiro R. e, embora lhes tenha sido comunicada a intenção de alienação do imóvel, não foram comunicadas as condições concretas em que a venda foi efectuada, sendo certo que as autoras nunca renunciaram à aquisição do mesmo.

Citados, contestaram os RR., adiantando todos eles, no essencial, que as AA. não quiseram exercer o direito de preferência, sendo-lhes comunicadas todas as condições essenciais do negócio, e que o direito invocado pelas AA. já caducou, tendo ainda GG e mulher, excepcionado a ilegitimidade desta, em virtude de serem casados sob o regime de separação de bens e suscitando ainda a existência de erro na forma do processo.

Após réplica das AA. e tréplica dos RR., foi proferido despacho saneador, no qual se julgou procedente a excepção de ilegitimidade da Ré HH que, em consequência, foi logo absolvida da instância, se relegou para final o conhecimento da restante matéria exceptiva e foi elaborada base instrutória.

Procedeu-se a julgamento, vindo a ser proferida sentença julgando a acção improcedente.

As AA. recorreram.

Por acórdão da Relação de Lisboa (cfr. fls. 887 a 896), foi no entanto anulada a sentença, determinando-se a ampliação da matéria de facto.

Ampliada esta, repetiu-se a audiência de julgamento, após o que se lavrou nova sentença, em que se julgou igualmente improcedente a acção.

De novo inconformadas, voltaram as AA. a interpor recurso para a Relação, mas o Acórdão da Relação voltou a julgar improcedente a apelação.

Pedem agora Revista desse Acórdão.

O recurso foi admitido, havendo as AA. apresentado as respectivas alegações.

Contra-alegou apenas o 3.º R., que pediu que se visasse também na análise do recurso a questão do abuso de direito.

Remetidos os autos a este Supremo Tribunal foi o recurso aceite com a adjectivação anteriormente atribuída Correram os vistos.

........................... II. Âmbito do recurso Tendo em conta o disposto nos arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC, vamos começar por transcrever as conclusões apresentadas pelas AA.-Recorrentes nas suas alegações de recurso, já que é por elas que deve entender-se delimitado o respectivo âmbito.

Assim: " 1°. Por carta datada de 28 de Maio de 1985, recebida em 3 de Junho de 1985, CC e marido, proprietários do imóvel sito na Rua do Poço Novo, em Cascais, comunicaram aos herdeiros de F...R...J... e aos herdeiros de A...J...O..., (os primitivos inquilinos respectivamente do rés-do-chão e 1 ° andar do imóvel sito na Rua do Poço Novo, n°. ..., em Cascais), o projecto de venda deste a EE, pelo preço de 7.500.000$00, quantia a pagar a pronto e no dia 2 de Outubro de 1985, a fim de os mesmos exercerem o direito de preferência que lhes assiste; 2°. Dos autos resulta não só que esse projecto não foi comunicado a ambos os cônjuges inquilinos do rés-da-chão e l.º andar do imóvel, 3°. Como tal projecto não se concretizou, isto é, o imóvel não foi vendido naquela data, nem no condicionalismo ali comunicado.

4°. Os autos também informam que as rendas devidas pelo inquilinos do 1.º andar e do rés-do-chão continuaram a ser pagas aos senhorios e no mesmo local, 5°. Dos autos resulta também que, por carta datada de 2 de Dezembro de 1997, EE comunicou às AA., já viúvas, que adquirira o imóvel por escritura de 21 de Novembro de 1997 outorgada no 5.º Cartório Notarial de Lisboa e indicava o novo local de pagamento das rendas de futuro.

De imediato, 6°. As AA. acederam à escritura de compra e venda, fIs. 336 e seguintes, e constataram "que no dia 21 de Novembro de 1997, M...J...V...M..., como procurador de CC e marido, venderam a EE e por sete milhões e quinhentos mil escudos, livre de ónus e encargos o imóvel".

E mais que, 7. O dito EE se confessa devedor a GG da quantia de 35.000.000$00- Trinta e Cinco Milhões de Escudos-.

8°. Conhecedoras da transacção do imóvel de que são inquilinas e nos exactos moldes que ali se contém, as AA., no prazo que a Lei lhes consente, e no exercício do direito de preferência que lhes assiste como arrendatárias, distribuíram acção para o exercício do direito de preferência na aquisição subjacente à venda efectivamente concretizada e no mesmo condicionalismo.

9°. Na escritura não se contém quaisquer "das vicissitudes" que o Julgador menciona quererem as AA. "aproveitar", vicissitudes a que comprovadamente são alheias.

10°. Resulta provado nos autos -Alínea S) que em 11 de Julho de 1985, EE, CC e marido, celebraram um contrato promessa recíproco da compra e venda, relativo ao prédio dos autos, sendo o preço acordado de esc.: 7.500.000$00 a liquidar no acto da outorga da escritura, a realizar no dia 30 de Janeiro de 1986, tendo sido entregue pelo EE a quantia de 2.500.000$00 a título de sinal. E também que, depois, é substituído o acordo atrás mencionado, 11°. Em 30 de Maio de 1986, EE e CC e marido celebraram novo contrato promessa recíproco de compra e venda relativo ao prédio dos Autos que substituía o primeiro, mantendo-se o preço acordado de Esc.: 7.500.000$00, sendo a escritura a realizar até 31 de Julho de 1986, tendo sido entregue pelo EE mais Esc.: 1.000.000$00, a titulo de sinal e comprometendo-se a pagar mais 1.500.000$00 até 30 de Junho e o restante no acto da escritura; 12°. Também está assente que, "desinteligências recíprocas", conforme o alegado pelo EE no art° 40.º da sua Contestação, motivaram este a requerer a execução específica do Contrato Promessa atrás descrito, Alínea T) da Matéria Assente; 13°. Essas "vicissitudes", afinal as "desinteligências recíprocas" a que as Recorrentes são alheias, ao invés do (que) se lê na Sentença da 1.ª Instância, se nunca as procuraram aproveitar, também as mesmas não as podem prejudicar ou justificar ser-lhes negado o direito que lhes assiste de preferir, em igualdade de condições, às consentidas ao EE, na venda do imóvel de que são, há muitas dezenas de anos, inquilinas.

14°. "As tais vicissitudes" é que teriam determinado a "delonga" na outorga da escritura que, prevista para 31 de Julho de 1986, teve lugar mais de 12 anos depois, ou seja, 21 de Novembro de 1997; 15°. E implicaram o pagamento de uma indemnização pela mora de esc.: 7.500.000$00, pagamento efectuado pelo Recorrido GG que, entretanto financiou o comprador, com a quantia de esc. 35.000.000$00, garantida por hipoteca sobre o imóvel em causa.

E porque, 16°. A comunicação de 28.05.85 é ineficaz em relação às AA., porque não foi cumprido o art. 1.463° do C.P.C., 17°. Nem tal cumprimento se presume, como se sugere no Acórdão recorrido, onde se sustenta que não é conforme a normalidade duma vida em comum ... que o cônjuge que recepcionou a comunicação não tenha do teor desta dado conhecimento ao outro cônjuge, e assim a presunção de que o marido da A. BB lhe referiu a carta que recebeu e a A. AA referiu ao marido o projecto que lhe fora comunicado, não pode consentir que se decida que aquela comunicação era eficaz e cumpria o art.º 416° n.º 1 e n° 2, o art 1.463°, o art. 47° n°. 1 do RAU.

18°. Acresce até que, para dissipar dúvidas, como a que o Acórdão em recurso coloca, no NRAU até se contém o seguinte dispositivo: (Art°. 1068°. (Comunicabilidade) "o direito do arrendatário comunica-se ao seu cônjuge, nos termos gerais e de acordo com o regime de bens vigente" 19°. Mesmo que a comunicação de 28 de Maio de 1985 tivesse sido cumprida nos termos da Lei e não foi, a verdade é que, é ao obrigado à preferência que incumbe provar que cumprira eficazmente tal obrigação.

20°. Tal transacção que na previsão do Acórdão teria sido reciprocamente comunicada, não se concretizou, mas sim a prevista no Contrato Promessa de 30 de Maio de 1986 -Alínea T), não comunicada aos inquilinos. ! 21.º Parafraseando a Sentença da 1.ª Instância, " ... da nova matéria de facto discutida em Audiência de Julgamento ... » na sequência da anulação da 1.ª Sentença para se averiguar se às AA. havia sido dado conhecimento do contrato promessa da Alínea T), nada de novo se apurou, 22°. Temos como inequívoco que aos arrendatários, primitivos ou sucessores, não foi comunicado o citado projecto expresso no contrato promessa de 30 de Maio de 1986, 23°. Nem tampouco, - diga-se - o Acordo homologado por Sentença Judicial de 22 de Maio de 1996, no qual se estipula que a escritura seria celebrada até 22 de Novembro de 1997, devendo o R. EE pagar mais a quantia de 7.500.000$00 a título de indemnização pelos danos resultantes do atraso na marcação da escritura, conforme documento de fIs. 116 e 117, Alínea R) fis. 997.

24°. Acordo esse que só chegou ao conhecimento das AA. na pendência dos autos e justificou o articulado superveniente, Acordo que, em boa verdade e em cumprimento da Lei, deveria ter sido comunicado aos arrendatários ! E assim, 25°. Não concretizado o projecto de 28 de Maio de 1985, aliás imperfeitamente comunicado aos titulares do direito de preferência, 26°. Impunha-se notificar os arrendatários do projecto da venda do imóvel titulado pelo contrato promessa de 31 de Maio de 1986, Alínea T) que substituiu o contrato promessa de 11 de Julho de 1985, Alínea S).

Ou, 27°. Mesmo o Acordo homologado por Sentença referido na Alínea R) onde os obrigados à preferência, (os proprietários do imóvel) e o R. EE, estipulam que a escritura seria celebrada até 21 de Novembro de 1997, e que aquele se obriga a ressarcir os proprietários pela mora, com a indemnização de 7.500.000$00, quantia que, comprovadamente, até não constituía preço do imóvel, nem foi pelo mesmo liquidada.

Pelo exposto: Assiste às Recorrentes o direito de preferir na transacção do imóvel, de que há muitas...

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