Acórdão nº 08P2043 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelARMÉNIO SOTTOMAYOR
Data da Resolução19 de Junho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA, identificado nos autos, foi julgado pelo tribunal colectivo do 1º Juízo da comarca da Covilhã e condenado, como autor material de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, p. e p. pelos arts. 131º e 132º nºs 1 e 2 al. i) do Código Penal, cometido na pessoa de BB, na pena de 21 anos de prisão. Foi ainda condenado na pena de 10 meses de prisão pela prática de um crime de ofensas à integridade física simples, do art. 143º nº 1 do Código Penal, em que foi ofendida a referida BB. Em cúmulo, foi aplicada ao arguido a pena única de 21 anos e 6 meses de prisão.

Inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, de facto e de direito. Na sua motivação, dando cumprimento ao disposto no nº 4º do art. 412º do Código de Processo Penal declarou manter interesse nos dois recursos interlocutórios interpostos no debate instrutório, a fls. 1049 e 1051, no recurso interposto da decisão instrutória e nos recursos interpostos nas actas de audiência de discussão e julgamento dos dias 26 e 27 de Fevereiro de 2007, motivados pelo requerimento apresentado em 15 de Março de 2007.

Respondeu o Ministério Público, pronunciando-se pela improcedência dos recursos.

Por acórdão de 5 de Março de 2008, a fls. 2546-2585, o Tribunal da Relação de Coimbra julgou todos os recursos improcedentes.

Mantendo-se irresignado, o arguido recorre ao Supremo Tribunal de Justiça, suscitando as seguintes questões: - a problemática da distribuição do inquérito com vista à prática de actos jurisdicionais; - a realização de perícia médico-legal à sua personalidade por quem havia sido seu médico; - o indeferimento da junção de um carta escrita pelo arguido aoseu médico psiquiatra; - a intenção de matar; - a integração, ou não, do comportamento do arguido na alínea i) do nº 2 do art. 132º do Código Penal.

O Ministério Público no Tribunal da Relação de Coimbra, em resposta, defendeu a improcedência do recurso.

Remetidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, o Ministério Público limitou-se a apor visto.

Não tendo sido requerida a realização da audiência para discussão oral da temática do recurso, este será julgado em conferência.

  1. Nas conclusões 1 - 18, o recorrente suscita a questão do que designa como sendo inexistência de distribuição para efeitos de interrogatório judicial de arguido detido, circunstância que teria determinado a inexistência ou nulidade de todos os actos jurisdicionais praticados no inquérito.

    Esta questão constituiu objecto de recurso interlocutório, que o arguido, no ponto 51 das conclusões de recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, identificou do seguinte modo: O recurso interposto no debate instrutório a fls. 1051 sobre a decisão proferida que julgou improcedente a arguida inexistência ou nulidade de todos os actos jurisdicionais praticados nos autos face à inexistência de distribuição dos mesmos autos E as conclusões 19 - 43 incidem sobre a validade das perícias realizadas pelo Centro Hospitalar da Cova da Beira, na Covilhã, e pelo Instituto de Medicina Legal, em Coimbra, bem como sobre o indeferimento relativo à junção duma carta escrita pelo arguido, em 3 de Outubro de 2006, ao perito médico Dr. V... S... e ao Director do Departamento de Psiquiatria daquele Centro Hospitalar, aspectos que foram também objecto de recursos interlocutórios dirigidos ao Tribunal da Relação de Coimbra, a que o arguido, no ponto 51 das conclusões do recurso da decisão final, se referiu pela seguinte forma: Os recursos interpostos nas actas de audiência de discussão e julgamento dos dias 26 e 28 de Fevereiro de 2007 quer no que diz repeito á arguidas irregularidades das perícias quer á nulidade das mesmas bem como à não admissão da junção aos autos, pelo arguido, de um documento, todos eles motivados pelo requerimento feito juntar aos autos no dia 15 de Março de 2007.

    O acórdão do Tribunal da Relação julgou improcedentes ambos os recursos.

    Para tanto considerou, quanto ao primeiro, que a substituição do Mmº Juiz do 1º Juízo, aquando do 1º interrogatório judicial do arguido, não determina a inexistência ou a nulidade de todos os actos jurisdicionais praticados, por não constituir qualquer nulidade insanável ou dependente de arguição (valendo em processo penal o princípio de numerus clausus em matéria de nulidades). E, ainda que de irregularidade se tratasse, tendo o arguido e a sua defensora estado presentes no acto, ficou a mesma sanada, porque não arguida no prazo previsto no art. 123º, n.º 1 do CPP.

    Quanto ao segundo, julgou "devidamente fundamentada a Perícia e o Relatório do IML de Coimbra, relatório que também foi elaborado de acordo com o disposto no art. 157º do CPP. E, tendo-se concluído pela validade da Perícia e Relatório realizados na Covilhã, não ficaram a Perícia e o Relatório do IML de Coimbra inquinados com algumas referências que tenham feito àqueles." Considerou ainda que "dispondo o arguido de duas perícias médico-psiquiátricas válidas, realizadas em estabelecimentos diferentes, não se vislumbra da necessidade de realização de uma terceira, que a acontecer teria de pertencer à circunscrição médico-legal de Coimbra, e não ao INML de Lisboa ou do Porto, como seria pretensão do recorrente." E entendeu quanto à carta que, "Como salienta o Magistrado do MP na sua resposta "No decurso destas perícias o examinado disse o que quis, apresentou tudo o que entendeu (de forma verbal e escrita, podendo apresentar a carta em causa que já tinha escrito antes da perícia da Covilhã), e teve possibilidade de se fazer acompanhar de pessoa de família, ou por pessoa que sobre ele pudesse prestar declarações, para entrevistas subsidiárias". Na verdade, como resulta de fls. 1577, foi o arguido notificado para, querendo, comparecer acompanhado na Delegação de Coimbra do IML.

    (sublinhado nosso).

    Dada a natureza das questões, a decisão da Relação, no que à parte transcrita refere, tomada em recurso, não pôs termo à causa, uma vez que não se pronunciou sobre a questão substantiva que é o objecto do processo, tendo, por outro lado, absoluta autonomia relativamente às demais questões suscitadas no recurso. É, por consequência, irrecorrível, conforme estabelece a alínea c) do nº 1 do art. 400º, por referência à alínea b) do art. 432º, ambos do Código de Processo Penal, sendo indiferente para efeito da recorribilidade a forma como o recurso foi processado e julgado pela Relação, isto é se o recurso foi processado autonomamente ou se a decisão se encontra inserida em impugnação da decisão final (cfr., neste sentido, o ac. do ST.J, de 09-01-2008 - proc. n.º 2793/07-3, bem como o ac. de 21-05-2008 - proc. nº 414/08-5, este último com o mesmo relator).

    Tal entendimento, além de respeitar a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição, encontra-se em perfeita sintonia com o regime traçado pela Reforma de 1998, e mantido na Reforma de 2007, para os recursos para o Supremo Tribunal de Justiça. Sempre que se trate de questões processuais ou que não tenham posto termo ao processo, o legislador pretendeu impedir o segundo grau de recurso, terceiro de jurisdição, determinando que tais questões fiquem definitivamente resolvidas com a decisão da Relação.

    Respeitando o recurso do recorrente, nesta parte, a decisões irrecorríveis, tem de ser rejeitado neste segmento, conforme determinam as disposições combinadas dos arts. 400º nº 1 al. c) e 417º nº 6 al. b) do Código de Processo Penal, o que se decide.

  2. Nas três últimas conclusões da sua motivação, a que atribuiu os nºs 44 a 46, que a seguir se transcrevem, encontram-se sintetizadas as questões directamente respeitantes à prática do crime de homicídio, acerca das quais, na óptica do recorrente, o Supremo Tribunal de Justiça se deve pronunciar: 44 - ... o douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra aplica erradamente a alínea i) do nº 2 do art° 132° do C. Penal; 45 - Efectivamente, não só, como resulta da matéria dos autos e fundamentalmente dos relatórios periciais - tendo estes os vícios que têm, o que sem conceder se refere - não houve intenção de matar bem como, da matéria de facto dada como provada não se pode concluir a existência de qualquer reflexão sobre os meios empregados; 46 - Não pode resultar da existência de uma faca e de pão na mala do carro do arguido que este reflectiu sobre a faca como meio para tirar a vida à infeliz vítima. 4.

    Previamente à apreciação do recurso, importa conhecer a matéria de facto fixada pelas instâncias: Factos Provados; 1.- O arguido viveu maritalmente, durante cerca de um ano, com BB. Dessa relação existe uma filha chamada CC, nascida a 08.05.2003.

  3. - A relação marital entre o arguido e BB cessou em Setembro de 2003, em virtude de agressões sofridas por esta levadas a cabo pelo arguido. Foi então regulado o poder paternal relativo à menor CC. Por acordo de ambos, homologado judicialmente, a menor ficou à guarda e cuidados de sua mãe. No entanto, o arguido não aceitou de bom grado a separação, tendo pressionado a BB para voltarem a viver em conjunto, o que ela não aceitou.

  4. - Na noite de 30 para 31.03.2005, o arguido conseguiu que a BB o deixasse dormir na sua residência, sita na Av.ª General Humberto Delgado, n.º ..., 6.º B, em Belas, concelho de Sintra. Cerca das 8,30 Horas, o arguido levantou-se à casa de banho e reparou que a...

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