Acórdão nº 07S4652 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Junho de 2008
Magistrado Responsável | SOUSA GRANDÃO |
Data da Resolução | 18 de Junho de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça 1 - Relatório 1.1 AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Setúbal, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra "A... S... Ld.ª", pedindo se declare a procedência da justa causa subjacente à "rescisão" do contrato de trabalho que o ligava à Ré - fundada em atraso do pagamento retributivo, na aplicação de uma sanção disciplinar tida por abusiva e na discriminação de que diz ter sido alvo no seio da empresa - e que, por via disso, se condene a demandada no pagamento das prestações retributivas e ressarcitórias discriminadas na P.I. e se opere a anulação da sobredita sanção disciplinar.
A Ré impugnou integralmente a versão do Autor, afirmando a ilicitude da cessação contratual, em cuja qualificação fundamenta um pedido reconvencional de pagamento da pertinente indemnização: falta de observância do aviso prévio.
1.2.
Instruída e discutida a causa, veio a 1ª instância a julgar a acção parcialmente procedente e procedente a reconvenção, em consequência do que decidiu: 1- revogar a sanção disciplinar aplicada pela Ré ao Autor, condenando aquela a pagar a este a quantia de € 806,75, acrescida de juros moratórios desde a citação até integral pagamento; 2- condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 3.057,04, a título de subsídio de férias e férias relativas ao ano de 2003, proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal referentes ao ano de 2004 e comissões no período compreendido entre 15/11/03 e 15/12/03, quantia essa acrescida de juros moratórios desde a citação até completo pagamento; 3- absolver a Ré dos demais pedidos contra ela deduzidos; 4- julgar não provada a justa causa de resolução do contrato invocada pelo Autor, condenando-o, por via disso, a pagar à Ré uma indemnização no valor de € 881,22, acrescida de juros moratórios desde a data de notificação do pedido reconvencional até efectivo pagamento.
Ambas as partes apelaram da decisão para o Tribunal da Relação de Évora que, julgando improcedente o recurso do Autor e parcialmente procedente o da Ré, decidiu: A- confirmar os segmentos decisórios supra reproduzidos em 3- e 4-; B- alterar para € 805,19 o montante da quantia supra referida em 1-, mantendo, no mais, o aí decidido; C- condenar a Ré a pagar ao Autor, a título das prestações supra mencionadas em 2-, a quantia de € 4.622,32, acrescida da componente moratória, mas a cujo montante líquido será deduzido o valor de € 2.881,59.
1.3.
Desta feita, o inconformismo provém exclusivamente do Autor, que pede a presente revista, em cujas alegações convoca o seguinte núcleo conclusivo: 1- o salário do recorrente era constituído por uma parte fixa (remuneração base, muito diminuta) e uma variável (comissões relativas às vendas, que correspondiam a quase o dobro daquela remuneração); 2- o recorrente esteve, ilegalmente, suspenso preventivamente durante 47 dias, período em que não pôde realizar quaisquer vendas; 3- nesse período de 47 dias, o recorrente não tinha direito a comissões, mas ao salário base e à parte variável das comissões, no valor de € 1.347,22, que a recorrida expressamente reconheceu encontrar-se em dívida na declaração que subscreveu (al. d) da matéria assente); 4- porque se não trata de comissões, mas de salário, ele tinha de ser pago no último dia do mês a que respeitava, Novembro e Dezembro, e não foi; 5- não se pode argumentar - como faz o Acórdão recorrido - que, não tendo recebido essa verba, mas créditos de meses anteriores, ele continuou a receber o mesmo montante remuneratório; 6- é que problema não é receber mais ou menos do que os outros, mas receber no tempo certo o que lhe pertence; 7- podendo suceder, como no caso sucederia, que nos dois meses que estava suspenso e por cumprir o que estava em atraso, recebesse mais do que normalmente receberia (mas só nesses dois meses, pois daí para a frente não havia créditos vencidos por pagar); 8- e, quando retomasse o trabalho, estaria também dois meses sem auferir as comissões, pagas com 45 ou 60 dias de atraso; 9- e a remuneração média relativa a Dezembro de 2003, que tinha de ser paga até 31/12/03, só o foi em Fevereiro de 2004; 10- a falta de pagamento de retribuições por mais de 30 dias confere ao trabalhador a possibilidade de se despedir com justa causa - art.º 3º da Lei n.º 17/86; 11- também se verificou a segunda causa de pedir invocada subsidiariamente para fundamentar o pedido de indemnização, pois os factos dados como provados justificam a resolução do contrato; 12- entre esses factos avulta o não pagamento ao recorrente da quantia de € 1.347,22, quando todos os outros trabalhadores já haviam recebido as comissões antes de 4/2/04; 13- na tese do acórdão recorrido, há um atraso de 4 dias no pagamento daquela quantia, mas o facto, segundo se diz, não seria culposo; 14- porém, há uma total identificação entre o conceito de justa causa (para efeitos de rescisão, sem direito a indemnização) e um dos factos objectivos identificados nas als. B) e C) do n.º 3 do art. 441º do C.T.; 15- basta, pois, que haja um atraso de 4 dias, como houve (na perspectiva do acórdão, porque na realidade o atraso foi superior a um mês) para que o pagamento (não culposo) da retribuição não seja pontual; 16- a tese do acórdão é legalmente insustentável, quando defende que o recorrente podia ter reclamado; 17- o pagamento foi feito pela recorrida após o envio da carta de despedimento; 18- se a empresa não pagou as comissões, nem a média das remunerações, mais se exigia que fosse pontual no pagamento de prestações vencidas em Novembro e Dezembro; 19- tanto mais que todos os outros trabalhadores já tinham recebido; 20- o pagamento dá-se por transferência e nada justifica o atraso a não ser a ideia de discriminar negativamente o recorrente; 21- repete-se, todavia, que o art. 441º n.º 3 prescinde da ideia de culpa, pois a violação não culposa confere direito ao despedimento, embora sem direito a indemnização; 22- tendo o recorrente, pois, direito a despedir-se, não pode ser condenado a pagar a falta de aviso prévio; 23- todos os factos dados como provados, mesmo aqueles que não constavam da carta de despedimento, são relevantes, como factos instrumentais, porque demonstram que a entidade patronal tudo fez para que o recorrente se despedisse; 24- foram violados, por erro de interpretação, os arts. 1º e 3º da Lei n.º 17/86, 269º, 315º, 365º, 366º, 441º e 443º do C.T. e 762º do C.C.; Termos em que A) deve ser revogado o Acórdão e reconhecer-se que o recorrente se despediu com justa causa, ao abrigo dos arts. 441º 1º e 3º da Lei n.º 17/86 e 443º do C.T., pelo que tem direito à indemnização de € 12.841,92; B) se assim se não entender, deve ser decidido que o recorrente se despediu com justa causa, nos termos do art. n.ºs 1 e 2 do C.T. e, por isso, não tendo direito à indemnização, também não tem de pagar a quantia de € 881,22, a que foi condenado; C) no mais, deve manter-se o Acórdão.
1.4.
A Ré contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso e a consequente manutenção do julgado.
1.5.
No mesmo sentido se pronunciou, com a oposição expressa do recorrente, a Ex.ma Procuradora-geral Adjunta.
1.6.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
______//______ 2- FACTOS Dá-se aqui por integralmente reproduzida a factualidade acolhida pela Relação, visto que a mesma...
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