Acórdão nº 07S4480 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução18 de Junho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. AA demandou, em acção com processo comum emergente de contrato individual de trabalho, proposta em 24 de Abril de 2003 no Tribunal do Trabalho de Aveiro, "P. J. F..., Lda.", pedindo a condenação desta no pagamento da quantia global de € 21.814,54 - respeitante a indemnização por rescisão do contrato com justa causa (€ 5.985,60), diferenças de subsídio de férias gozadas em 2002 (€ 748,20) diferenças salariais dos meses de Maio a 13 de Setembro de 2002 (€ 3.317,00), diferença de remuneração de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal (€ 1.593,18), proporcionais de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal do ano de 2002 (€ 1.686,63), reembolso de desconto, a título de rescisão (€ 1.541,29), e reembolso do que o Autor despendeu com a viatura 87-57-SC (€ 6.942,54) -, acrescida dos juros legais, calculados desde a citação até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que: - Foi admitido ao serviço da Ré, em 21 de Abril de 2001, para exercer o cargo de Responsável do Gabinete Técnico, mediante a retribuição mensal líquida de Esc.: 400.000$00 (equivalente a € 1.995,20), da qual apenas constava nos recibos de vencimento a importância de Esc.: 250.000$00, sendo o remanescente, Esc.: 150.000$00, pago "por fora" e não declarado oficialmente; - O contrato de trabalho que vigorava entre as partes foi pelo Autor rescindido, mediante comunicação escrita enviada à Ré em 2 de Setembro de 2002, com fundamento em justa causa, consubstanciada: i) na falta de pagamento daquele remanescente no subsídio de férias de 2002, e nas remunerações dos meses de Maio a Setembro do mesmo ano; ii) no prejuízo que lhe adveio pelo facto de, enquanto esteve de baixa, a partir de 18 de Julho de 2002, ter auferido um subsídio de doença calculado sem inclusão do mesmo remanescente; iii) na destituição do cargo de chefia para que fora contratado, que fez difundir, através de comunicado interno ("Nota de Serviço"), datado de 1 de Julho de 2002; iv) em ofensas graves à sua liberdade, honra e dignidade.

- Tendo a Ré considerado que o Autor rescindiu o contrato sem justa causa, descontou-lhe a quantia de € 1.541,29, como se tratasse de denúncia do contrato sem aviso prévio, pelo que tem direito ao seu reembolso; - O Autor despendeu, para a aquisição e manutenção da viatura 87-57-SC, que lhe foi distribuída no desenvolvimento normal da relação laboral, e que entregou à Ré, quando tal lhe foi ordenado, a importância de € 6.942,54, que deve ser-lhe devolvida, segundo as regras do enriquecimento sem causa.

Na contestação, a pugnar pela absolvição do pedido, a Ré impugnou os fundamentos de facto e de direito da acção.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi lavrado despacho em que se decidiu a matéria de facto, contra o qual o Autor apresentou reclamação de que o tribunal não conheceu, por a considerar intempestiva.

Seguiu-se a prolação da sentença que considerou: i) verificada a caducidade do direito de rescindir, com justa causa, o contrato, com fundamento na "Nota de Serviço" que difundiu a destituição do cargo que o Autor exercia; ii) não procederem os fundamentos da justa causa invocados pelo Autor para rescindir o contrato de trabalho; iii) não assistir ao Autor qualquer direito a diferenças salariais, umas por não serem devidas e outras por terem sido pagas pela Ré; iv) não haver lugar ao reembolso da importância alegadamente despendida com a aquisição e manutenção da viatura ...-...-SC, porque o Autor não provou ter efectuado as despesas; v) assistir à Ré o direito à indemnização, no valor de € 1.246,99, correspondente ao período de aviso prévio em falta.

Em consequência, foi a acção julgada parcialmente procedente e a Ré condenada no pagamento ao Autor da importância € 294,30, correspondente à diferença entre o valor descontado pela Ré e aquele a que ela tinha direito, por incumprimento, pelo Autor, do prazo de aviso prévio (€ 1.541,29 - € 1.246,99).

  1. Apelou o Autor, sem sucesso, pois o Tribunal da Relação de Coimbra confirmou integralmente a sentença.

    Ainda irresignado, o Autor interpôs o presente recurso de revista, que veio a motivar mediante peça alegatória onde formulou as seguintes conclusões: 1 - Nos termos do artigo 249.º, n.º 1 da Código do Trabalho (artigo 82.º do DL 49408, de 24 de Novembro [de 1969]) "só se considera retribuição aquilo [a] que, nos termos do contrato, das normas que a regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida da seu trabalho", conceito onde se incluem "a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou espécie".

    2 - Recorrente e Recorrida acordaram na fixação, de uma "remuneração, mensal de 400 mil escudos líquidos, dos quais 120 são, pagos até ao dia 8 de cada mês como ajudas de custo não declaradas", como resulta do doc. 1 junto com a p.i. e não impugnado.

    3 - Ainda que assim não fosse, e como resulta de extensa jurisprudência, o certo é que as ajudas de custo só o serão, se se destinarem a custear despesas que a trabalhador tenha que suportar no âmbito da execução do contrato de trabalho e só nessa medida.

    4 - Em nenhum momento a Recorrida sequer alegou que as pretensas ajudas de custo se destinavam a custear qualquer despesa extraordinária em que o Recorrente incorresse na execução da sua prestação de trabalho e não o fez porque não existem tais despesas.

    5 - Resta-nos, assim, um montante que era pago ao Recorrente com carácter de regularidade e periodicidade, o que, de per si implica a sua classificação como integrante da retribuição do trabalhador.

    6 - A decisão de não considerar as ajudas de custo como parte da retribuição foi, por isso, e com a devida vénia, proferida contra legem e sem observar o princípio do dispositivo, atenta a incapacidade da recorrida em demonstrar não serem as ajudas de custo retribuição e a capacidade probatória do recorrente em demonstrar que dela faziam parte.

    7 - Isto posto, deverão ser pagas as diferenças salariais peticionadas, designadamente, diferença de subsídio de férias pago em 2002, referente às férias gozadas nesse ano, diferenças salariais nos meses de Maio a 13 de Setembro de 2002, diferença de remuneração de férias, respectivo subsídio e de subsídio de [N]atal, vencidos em 1 de Janeiro de 2002, devendo, ainda, tal quantia ser tida em conta para efeitos dos proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de [N]atal de 2002.

    8 - Por outro lado, e igualmente essencial, é a consideração de tal falta de pagamento pontual da retribuição como fundamento para a rescisão com justa causa do contrato de trabalho, tanto mais atento o disposto no n.º 1 do artigo 3.º da Lei 17/86 de 14 de Junho.

    9 - Ainda no que se refere à retribuição, o uso pessoal e profissional, por parte do ora Recorrente, do veículo marca Mercedes, com a matrícula ...-...-SC, constitui uma prestação em espécie que integra a sua retribuição.

    10 - Não pode a Recorrida reflectir nas obrigações decorrentes, para si, do contrato de trabalho, a violação, por parte do Recorrente, de obrigações decorrentes de contrato diverso.

    11- Na verdade, estão em causa contratos distintos: por um lado temos o contrato de trabalho, nos termos do qual o Recorrente presta o seu trabalho, por conta, no interesse e de acordo com as instruções da Recorrida contra o pagamento de uma retribuição (na qual se inclui, inquestionavelmente, o valor correspondente à utilização plena da viatura); por outro temos um contrato-promessa de compra e venda, nos termos do qual a Recorrida se compromete a vender ao Recorrente a viatura, por um determinado preço.

    12 - O incumprimento das obrigações resultantes, para o Recorrente, do contrato promessa de compra e venda, não pode acarretar mais do que o seu incumprimento definitivo, com o direito da Recorrida reter as quantias pagas a título de sinal. Nenhum sinalagma poderá ser estabelecido relativamente ao contrato de trabalho.

    13 - Assim, tendo havido diminuição ilícita da retribuição, também por esta via, cfr. al. b), n.º 1 do artigo 35.º do DL 64-A/89, de 27/02, conjugado com o disposto na al. c) do artigo 21.º do DL 49 408, de 24/11/1969, assiste ao Recorrente direito a rescindir, com justa causa, o contrato de trabalho que o une à Recorrida.

    14 - Não pode proceder a excepção de caducidade do direito de rescindir o contrato com justa causa no tocante à publicação da Nota de Serviço, publicada em 15 de Junho (1) de 2002, pela qual o Autor foi destituído das funções que desempenhava.

    15 - Tal decisão estaria correcta se este fosse o único fundamento invocado pelo Recorrente, o que, como é consabido, não sucede.

    16 - Com efeito, este não é mais do que um dos fundamentos invocados pelo Recorrente, mais não é do que um elemento de um processo de maturação de uma decisão - a única ao alcance do trabalhador, como, bem, salienta o tribunal recorrido a fls. 4 a 6 do aresto em crise - extremamente difícil pela incerteza que acarreta para o trabalhador.

    17 - Sendo parte de um todo, não pode este facto, ou os demais, ser considerado isoladamente, à imagem do que pretende o tribunal a quo tanto mais que o mesmo se inscreve numa actuação continuada da Recorrida, de gravidade crescente.

    18 - Assim, só em Agosto, mediante a diminuição ilícita da sua retribuição, a manutenção da relação laboral, do ponto de vista do Recorrente, se tornou insustentável, alvo que fora, já, de incontáveis violações.

    19 - Nesta conformidade, deve a decisão que julga procedente a excepção de caducidade, e que assenta na análise parcelada dos fundamentos invocados pelo Recorrente, ser revogada e substituída por outra que declare, também com fundamento neste facto, assistir razão ao Recorrente para rescindir o contrato com justa causa, com todas as consequências daí decorrentes.

    Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas. suprirão, deve ser julgado procedente o presente recurso, com a consequente verificação da existência de justa causa para a...

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