Acórdão nº 08P1782 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelSANTOS MONTEIRO
Data da Resolução12 de Junho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça : Em processo comum com intervenção do tribunal colectivo nº 682/05.7PALGS , do 1º. Juízo do Tribunal Judicial de Albufeira, foram os arguidos AA, BB, CC, DD e EE submetidos a julgamento , vindo , a final , a ser condenados : O AA , o BB e o CC como autores materiais de um crime de profanação ( ocultação) de cadáver , p . e . pelo art.º 254.º n.º 1 a) , do CP , na pena de 2 anos de prisão ; O EE , como cúmplice do mesmo crime , p . e p . pelo art.º 254.º , n.º 1 a) , do CP , na pena de 16 meses de prisão ; e o DD , como autor material de um crime de homicídio qualificado , p . e p .pelos art.ºs 131.º e 132.º n.º 1 , na pena de 17 anos de prisão e de profanação ( ocultação ) de cadáver , p . e p . pelo art.º 254.º n.º 1 a) , do CP, na pena de 2 anos de prisão e , em cúmulo jurídico , na pena de 18 anos de prisão .

I .Inconformados com esta decisão, dela recorreram o Ministério Público e os arguidos DD, CC, AA e BB , para o Tribunal da Relação , que decidiu : 1. Negar provimento ao recurso interlocutório interposto pelo arguido FF; 2. Conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido DD e, em consequência, revogar o acórdão recorrido na parte em que o condenou pela autoria de um crime de homicídio qualificado p. e p. pelo artigo 131º e 132º, nº 2 do Código Penal na pena de 17 anos de prisão, condenando o mesmo arguido como autor de um crime de homicídio simples p. e p. pelo artigo 131º do Código Penal na pena de treze anos de prisão, como autor material de um crime detenção ilegal de arma , p. e p . pelo art.º 6.º n.º 1 , da Lei n.º 22/97 ,de 27/6 , em 18 meses de prisão e como autor material de um crime de profanação de cadáver , p. e p . pelo art.º 254.º n.º 1 a) , do CP , em 18 meses de prisão , em cúmulo jurídico na pena única de catorze anos e nove meses de prisão; 3. Conceder provimento aos recursos interpostos pelos arguidos AA, BB e CC , revogando o acórdão recorrido na parte em que os condenou na pena de dois anos de prisão pela co-autoria de um crime de profanação de cadáver p. e p. pelo artigo 254º, nº 1, alínea a) do Código Penal, condenando cada um dos mencionados arguidos pela co-autoria de tal crime na pena de dezoito meses de prisão.

II . Irresignado , recorre o arguido DD para este STJ , sustentando nas conclusões que : Interpôs um recurso interlocutório tendo como fundamento o indeferimento em 1.ª instância de um pedido no sentido de que fosse realizada uma perícia médico-legal , invocando-se no Ac. da Relação que aquela diligência irrelevava para a qualificação jurídico-penal dos factos e doseamento da pena e ainda que não foram alegados factos necessários no sentido da utilidade daquele meio de prova .

Essa não foi , contudo , a razão explicitada para o indeferimento em 1.ª instância , mas sim a de que o pedido era tardio , inócuo do ponto de vista jurídico e atrasaria o andamento do processo .

O dito exame permitiria , no entanto , apurar como reagia o arguido face a uma situação limite como se provou e invocou .

Serviria, também , para averiguar se a emoção de que era , eventualmente , portador , teria a gravidade e o " peso " suficiente para tornar compreensível a acção subsequente à luz do agente normalmente fiel ao direito .

A Relação , mantendo a decisão recorrida , violou o disposto no art.º 160.º , do CPP e o princípio da investigação consagrado nos art.ºs 340.º n.º 1 , 323 a) e b) e 158.º , do CPP , fazendo uma interpretação inconstitucional , sendo que a melhor era a que consentiria o exame .

O M.º P.º interpôs recurso do acórdão de 1.ª instância que absolveu o arguido da prática do crime de detenção ilegal de arma proibida, porém a Relação , provendo ao recurso , condenou o arguido pela prática de tal crime defendendo que o art.º 6.º n.º 1 , da Lei n.º 22/97 , de 27/06 , pune o uso da arma independentemente de ele ser ou não acidental, desde que verificado o elemento subjectivo da infracção .

Acontece que este elemento subjectivo não esteve presente , pois se trata de uma detenção sem convicção correspectiva e instrumento de uma outra acção e intenção querida pelos agentes .

A Relação procedeu , deste modo , a uma interpretação errada do art.º 6.º da Lei n.º 22/97 .

A matéria de facto enquadra a prática de um crime de homicídio praticado em legítima defesa , se se analisarem os factos enumerados nos art.ºs 24º. a 26.º e 31.º a 33.º , pois deles resulta que na noite de 14 para 15 de Setembro de 2005 o falecido FF , por duas vezes , quis atentar contra a vida do arguido DD , agindo no mero conhecimento de situação de legítima defesa , devendo ser absolvido .

De todo o modo não é de excluir a hipótese de ter agido numa situação de excesso de legítimo defesa .

É o que resulta de o facto de o FF procurar algo de dentro da sacola que transporta consigo e onde se veio a apurar existir um revólver , não é senão este objecto que procura para o mesmo fim com que havia empunhado a pistola .

A utilização de meios mais gravosos para o agressor do que os necessários para a defesa , podendo levar a uma diminuição da culpa ou , inclusivamente , à sua exclusão , pelo que o arguido devia ser condenado por homicídio especialmente atenuado , quando se não admitisse a perturbação não censurável por erro , medo ou susto .

O mais razoável seria o concurso de uma tentativa de homicídio e homicídio negligente .

Por outro lado da autópsia resulta que a morte adveio em consequência de lesões umas produzidas pelo recorrente outras por ele com outros co- arguidos , sendo que os segundos ocorreram quando todos já julgavam que ele estava morto . Esse o sentido que ressalta dos factos provados nos n.ºs 40.º 42 .º e 43 .º .

No fundo que se trata é de um caso em que existe " dolus generalis " , um caso em que o agente erra sobre qual dos diversos actos de uma conexão produzirá o resultado almejado .

A pena de 13 anos imposta ao arguido , pelo homicídio , peca por excesso , atendendo ao facto de se não ter ponderado as exigências de prevenção do arguido , atendendo à atitude posterior tomada pelo arguido e à interiorização da culpa do arguido , violando-se o disposto no art.º 71.º n.º 1 als. c) in fine , d) e e) do n.º 2 , do art.º 71.º e c) do n.º 1 art.º 72.º , do CP.

Para mero exercício académico ( sic) admite , ainda , a alteração da sua conduta para homicídio tentado em concurso com um crime negligente consumado .

Quer a pena única quer as parcelares devem descer para níveis sensivelmente mais baixos .

II . Em 2.ª instância a Exm.ª Procuradora Geral_Adjunta defende o acerto da decisão recorrida e , neste STJ , a Exm.ª Procuradora Geral-Adjunta , após o seu visto .

III .Colhidos os legais vistos , cumpre decidir , considerando-se o seguinte acervo factual provado : 1. Os arguidos mantinham relações de amizade próxima ente si.

  1. Em Setembro de 2005, os arguidos FF, EE e AA encontravam-se a residir nos Apartamentos Turísticos da Orada, sitos em Várzea da Orada, zona conhecida por Marina de Albufeira.

  2. O arguido DD arrendou o apartamento designado por C002 em 13 de Julho de 2005, por um período de 3 meses, com início em 2 de Agosto de 2005.

  3. O arguido EE arrendou o apartamento designado por H117, em 12 de Julho de 2005, por um período de 7 meses, com início em 12 de Julho de 2005.

  4. O arguido AA arrendou o apartamento designado por H125 em 12 de Julho de 2005, por um período de 7 meses, com início em 12 de Julho de 2005.

  5. O arguido BB residia em local próximo da Marina de Albufeira, sendo que o arguido CC residia na habitação daquele.

  6. Não obstante os contratos de arrendamento dos apartamento C002, H117 e H125, serem titulados pelos aludidos arguidos, os cinco frequentavam assiduamente os três apartamentos, ali se deslocando e permanecendo a qualquer hora e por períodos de tempo indiferenciados.

  7. Para as suas deslocações os arguidos utilizavam várias viaturas automóveis, nomeadamente, uma viatura da marca BMW (modelo 316i, de cor azul escura, matrícula W.147.... e volante do lado direito, apenas com duas portas) habitualmente conduzida pelo arguido BB, uma viatura da marca PEUGEOT (modelo 3O7CC, de matrícula ....04.LBV) habitualmente conduzida pelo arguido CC, uma viatura da marca LEXUS (de cor cinza metalizada, matrícula H.551....) habitualmente conduzida pelo arguido AA , uma viatura da marca AUDI (cor amarela e matrícula GV.52....) habitualmente conduzida pelo arguido EE, uma viatura da marca CITROEN (modelo Saxo, de cor preta e matrícula ....52GVW) habitualmente conduzida pelo arguido FF, uma viatura da marca VW (tipo furgão, de cor branca e matrícula ....51.XYS), habitualmente conduzida pelo arguido BB.

  8. Ainda que habitualmente conduzidas pelos aludidos arguidos os demais arguidos utilizavam indiferenciadamente os referidos veículos.

  9. Cerca das 16h00m do dia 14.09.05, os arguidos DD, AA, CC e BB deixaram os apartamentos da Orada, indo os dois primeiros no carro conduzido pelo arguido AA (o citado BMW) para o bar Storm na Marina de Lagos, o terceiro e quarto arguidos seguiram num outro veículo (o citado Lexus) e dirigiram-se para a marina de Lagos.

  10. Algum tempo depois, e encontrando-se já os arguidos BB e CC na companhia dos arguidos DD e AA no bar Storm, onde todos ingeriam bebidas alcoólicas, foi o arguido BB contactado telefonicamente por FF, que lhe disse que iria ter com eles, a fim de ver com os arguidos o jogo de futebol que estava a decorrer (jogo em que intervinha a equipa do Manchester United), solicitando-lhes que fossem todos para um outro bar da mesma marina, uma vez que não gostava daquele estabelecimento.

  11. Na sequência disto, os arguidos dirigiram-se para o bar Lounge, excepto o arguido AA que permaneceu ainda no Storm algum tempo.

  12. No bar Lounge os arguidos e FF ingeriram bebidas alcoólicas.

  13. No intervalo do jogo de futebol referido, FF ausentou-se para afazeres pessoais e os arguidos BB, CC e DD seguiram para casa da mulher do primeiro, GG, no centro de Lagos, onde chegaram cerca...

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