Acórdão nº 06P1710 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução21 de Maio de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de JustiçaNos autos de processo comum (tribunal colectivo), com o nº 5670/92.9JDLSB da 1.ª Vara - 1ª Secção do Tribunal Criminal de Lisboa, o arguido AA, divorciado, empresário, nascido a 12.12.1959, na freguesia de Amora, concelho do Seixal, filho de J... e de ..., residente em Avenida ...., n° 00, 11 ° andar, ap. 38, Luanda, Angola, foi submetido a julgamento, na sequência de acusação deduzida pelo Ministério Público, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de burla agravada, p. e p. pelo art° 314°, a!. c), do Código Penal de 1982 _Deduziram pedido de indemnização civil contra o arguido, demandado, os seguintes demandantes: BB, dele reclamando a quantia de 45.779.000$00, acrescida de juros, a título de danos patrimoniais.

CC e DD pedindo a condenação do arguido a pagar-lhes a quantia de 10.268.078$00, acrescida de juros, a título de danos patrimoniais.

Realizado o julgamento foi proferido acórdão em 1 de Março de 2006, donde consta "Questões prévias (i) A defesa alega a prescrição do procedimento criminal aqui deduzido contra o arguido. Porém, porque tal questão foi já apreciada em primeira instância, decisão que foi impugnada e encontra-se pendente no Tribunal da Relação de Lisboa, não há que voltar a dela conhecer, mas tão só aguardar a decisão do recurso; " E, acordou o Tribunal Colectivo: "em condenar o arguido AA, como autor material de um crime de burla agravada, p. e p. pelos artigos 313°, n° 1 e 314°, aI. c), do Código Penal de 1982, na pena de prisão de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses. * Atendendo à personalidade do arguido, às condições da sua vida, às circunstâncias do crime e à ausência de antecedentes criminais, o Tribunal, ao abrigo do art° 50°, nº 1, do Cód. Penal, e por concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, acorda suspender a execução da pena em que foi condenado o arguido, pelo período de 3 (três) anos, sob condição de, no prazo de dois anos, pagar aos demandantes cíveis as quantias que vierem a ser arbitradas em sede de pedido cível, fazendo prova nos autos.

(...) " em julgar procedentes os pedidos cíveis, por integralmente demonstrados, e consequentemente em condenar o arguido/demandado AA a pagar: - ao ofendido/demandante BB a quantia de 32.540.000$00, hoje convertida em 162.308,83 € (cento e sessenta e dois mil, trezentos e oito euros e oitenta e três cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, desde a data em que o arguido recebeu o dinheiro (are 805°, n° 2, aI. b), do Código Civil); - aos ofendidos/demandantes CC e DD a quantia de 10.268.072$00, hoje convertida em 51.216,92 € (cinquenta e um mil, duzentos e dezasseis euros e noventa e dois cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, desde, relativamente aos 10.000 contos, a data em que o arguido recebeu o dinheiro e, quanto ao restante, a data em que os ofendidos pagaram ao BPA (artº 805°, n° 2, aI. b), do Código Civil); porém, importa descontar ao referido montante, as quantias que o arguido já entregou a estes ofendidos/demandantes.

Mais condenou o arguido nas custas (criminais e dos pedidos cíveis)_Inconformado, recorreu o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 399º e ss. e 432º al. d) do Código de Processo Penal, apresentando as seguintes CONCLUSÕES : A. Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão de fIs ....dos autos, na parte em não decidiu a questão prévia de prescrição suscitada pelo Arguido, mais precisamente quanto o Tribunal recorrido decidiu que tal questão foi já apreciada em primeira instância, decisão que foi impugnada.

  1. Com efeito, entende o Arguido que o Tribunal a quo, ao omitir no Acórdão recorrido decidir a referida questão prévia, violou os normativos dos artigos 311º nº 1, 338º e 368º nº 1 do CPP, pois a conjugação destes impõe que tal questão fosse apreciada pelo Tribunal Colectivo ou pelo Presidente do Colectivo.

  2. Na verdade, da conjugação dos normativos referidos, resulta que as questões prévias e/ou incidentais que possam obstar à apreciação do mérito do processo - como será o caso da prescrição do procedimento criminal - serão decididas pelo Colectivo que compõe o Tribunal, excepto se estiverem já decididas pelo Presidente do Tribunal na fase de saneamento do processo.

  3. Nestes autos, na fase de saneamento do processo - como consta do despacho de fis. 274 dos autos ¬ a questão da prescrição não foi oficiosamente decidida (nem poderia ter sido); por outro lado, a questão prévia da prescrição apenas foi equacionada nos autos como questão incidental à aplicação de uma medida de coacção, tendo sido decidida por Magistrado Judicial que não o Presidente do Tribunal a quo.

  4. Em conclusão, tal questão prévia da prescrição nunca foi decidida por quem a Lei determina que tome tal decisão, nem pelo Presidente aquando do Saneamento do processo, nem pelo Colectivo na decisão recorrida, o que viola o disposto nos artigos 311º nº 1. 338º e 368º nº 1 do CPP.

  5. Acresce ainda que a suscitada prescrição velo entretanto a obter decisão favorável, por Acórdão do TRL ainda não transitado em julgado, proferido no âmbito dos autos de processo n° 11609/05 da 3a Secção do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, G. Prescrição que, se tivesse sido conhecida pela Tribunal recorrido, teria merecido despacho favorável, visto que a jurisprudência fixada no Assento n. 10/2000 carece de fundamento lógico intrínseco e viola flagrantemente os art.s 1°, 2°, 29° n.s 1, 3 e 4 e 165° n.s 1 al. c) e 3 da Constituição da República, o que impõe a sua desaplicação.

  6. Na verdade, as expressões constantes do art. 119° n. 1 CP 1982 ("casos especialmente previstos na lei" e "o tempo em que o procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de uma autorização legal"), conjugadas com a expressão utilizada pelo art. 336° n. 1 CPP 1987 ("suspensão dos ulteriores termos do processo"), não permitem concluir pela integração da dedaração de contumácia do arguido como causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal no âmbito do CP de 1982.

    I. Por isso a revisão do CP operada pelo Dec.-Lei n.o 48/95 de 15 de Março, ajustando o CP 1982 ao CPP 1987, introduziu como causa de suspensão autónoma na alínea c) do art. 120° CP 1995, a par dos "casos especialmente previstos na lei " (art. 120º n. 1) e da referência ao "tempo em que o procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal' (art.120º n 1 al. a), referência expressa ao "tempo em que vigorar a dedaração de contumácia".

  7. Quer a análise do Dec.-Lei n. 48/95, quer a análise da Lei de Autorização Legislativa n. 35/94 de 15 de Setembro, em especial o n. 77 do art. 3°, leva a conclusão oposta à do Assento n. 10/2000, visto que o legislador é expresso de que está a proceder a uma modificação legislativa (e não a uma clarificação do regime vigente).

  8. Por outro lado, o Assento n. 10/2000 consagra interpretação do art. 119° n. 1 CP 1982. claramente inconstitucional, por violação do principio favor reo e do princípio da legalidade, consagrados intangivelmente nos art.s 1° e 2° CP e no artº 29° n.s 1, 3 e 4 CRP.

    L. Além de que a jurisprudência fixada no Assento n. 10/2000 defende, ademais, uma interpretação orgânica e formalmente inconstitucional dos arts 119° n. 1 CP 1982 e 336° n. 1 CPP 1987, visto que o artº 2° da Lei nº 43/86 de 26 de Setembro (autorização legislativa do CPP 1987), não concedeu qualquer autorização ao Governo para legislar em matéria de suspensão de prescrição do procedimento criminal e, muito menos, de alargamento das incriminações (cfr. art. 20 n. 62 da referida Lei).

  9. Outro fundamento de recurso reporta-se à impugnação da decisão proferida pelo Tribunal recorrido ao fixar como condição da suspensão da execução da pena um comportamento que materialmente, e atendendo às circunstâncias do caso, constitui uma condição impossível.

  10. A ponderação da condição de suspensão por referência aos rendimentos do Arguido permite concluir que tal condição imposta pelo Tribunal a quo, na parte em que fixa um prazo de 2 anos para proceder ao pagamento integral aos demandantes cíveis, é impossível.

  11. Com efeito, o prazo de 2 anos é de tal forma reduzido que se torna uma condição impossível, como resulta da análise dos próprios factos provados na decisão recorrida (condições familiares, profissionais e sócio-económicas do Arguido e...

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