Acórdão nº 07S3905 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução23 de Abril de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. AA demandou, em acção com processo comum emergente de contrato individual de trabalho, proposta em 2 de Agosto de 2005, no Tribunal do Trabalho de Águeda, "BB, Lda.", pedindo a condenação desta no pagamento da quantia global de € 21.533,78, acrescida das retribuições vincendas até à data da sentença, com juros de mora.

Em síntese, fundou a sua pretensão na alegação de que foi admitido ao serviço da Ré, em 2 de Janeiro de 1982, para o exercício das funções de instrutor de condução, actividade que prestou de forma continuada até ao dia 31 de Março de 2005, data em ela lhe comunicou a intenção de o despedir, por extinção do seu posto de trabalho, alegando motivos económicos, de mercado e estruturais relativos à empresa, sem que tivesse adoptado o adequado procedimento administrativo e sem pôr à disposição do Autor a compensação prevista no artigo 401.º do Código do Trabalho, e, ainda, sem que lhe tivesse sido instaurado processo disciplinar, sendo, por conseguinte, ilícito o despedimento.

  1. Na contestação, a Ré invocou a caducidade do contrato e, à cautela, impugnou os factos articulados pelo Autor, alegando que, na sequência de uma cessão de quotas, sendo os novos titulares das participações sociais pessoas habilitadas ao exercício das funções desempenhadas pelo Autor, dada a idade avançada deste e a desconfiança, em relação a ele, de alguns clientes, a Ré negociou com o Autor a possibilidade de cessação do contrato por mútuo acordo, passando pela entrega ao Autor de uma compensação monetária e da documentação bastante para que pudesse também aceder ao subsídio de desemprego, nomeadamente uma carta de despedimento e o modelo 346, devidamente preenchido e assinado pela Ré.

    Acordado o valor da compensação, e entregue a referida documentação ao Autor, este, no dia seguinte ao da conclusão das negociações, quando o sócio da Ré, CC, se prontificava para lhe entregar a quantia combinada, o Autor afirmou que já não estava interessado no acordo, que iria para Tribunal reclamar a indemnização por despedimento sem justa causa, para o que utilizaria os documentos que lhe haviam sido entregues no dia anterior.

    O Autor respondeu à contestação.

  2. Realizada a audiência de discussão e julgamento, finda a qual se decidiu sobre a matéria de facto em litígio, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, resolveu: [...] a) Declarar inexistente a cessação do contrato de trabalho por despedimento ilícito ou por qualquer outro fundamento, subsistindo tal contrato; b) Absolver a ré dos pedidos de condenação no pagamento da indemnização por antiguidade e dos proporcionais de férias e subsídios de férias do ano da cessação; c) Condenar a ré a pagar ao autor as retribuições vencidas entre 31 de Março de 2005 e o trânsito em julgado da sentença, incluindo os subsídios de férias e de Natal, mas levando-se em conta o que o autor, entretanto, tenha recebido.

    [...] Esta decisão foi impugnada pela Ré, em recurso de apelação, ao qual o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu conceder provimento, absolvendo a apelante da condenação a que respeita a alínea c) do dispositivo da sentença.

    Veio o Autor pedir revista, terminando a respectiva alegação com as conclusões assim redigidas: I - O Tribunal de 1.ª instância decidiu, o que não foi posto em causa por nenhuma das partes, pela manutenção do contrato de trabalho.

    II- Significando, assim, que o ora recorrente não deixou de ser trabalhador da recorrida desde 31 de Março de 2005.

    III - Partindo desta premissa o Tribunal condenou a então Ré ao pagamento das retribuições vencidas desde aquela data até ao trânsito da sentença, com a dedução do que o Autor entretanto tenha recebido, inclusive a título de subsídio de desemprego, o que consta da alínea c) da sentença.

    IV - O Tribunal a quo revogou essa parte da decisão, absolvendo a recorrida do pagamento daquelas retribuições.

    V - A nosso ver ao fazê-lo violou o conceito de retribuição e respectivos princípios decorrentes quer do art.º 249.º do Código de Trabalho, quer dos restantes preceitos que o delimitam.

    VI - Com efeito, o carácter sinalagmático do contrato de trabalho determina para o trabalhador não a efectiva prestação de trabalho, mas a disponibilidade para o mesmo.

    VII - Esta concepção, que se encontra aliás espelhada em várias normas laborais, por exemplo de faltas justificadas, implica que à inactividade do trabalhador (mesmo à originada por factos a este respeitantes) nem sempre pode corresponder a ausência de retribuição. Inactividade, para a qual na situação em causa concorreu também a conduta da entidade patronal.

    VIII - Ora, mantendo-se a situação laboral, o trabalhador embora não tenha prestado efectivamente trabalho, nem por isso deixou de estar vinculado à prestação de trabalho, pelo que lhe são devidas, com as necessárias deduções, as retribuições desde 31 de Março de 2005.

    IX - Mais, estando-se perante uma situação de vigência do contrato de trabalho e não se verificando, no caso em apreço, nenhuma causa que legitime o não pagamento daquelas retribuições, a absolvição da entidade patronal do respectivo pagamento ofende os princípios decorrentes do conceito de retribuição, nomeadamente da indisponibilidade, continuidade, irredutibilidade, etc, derivados da natureza alimentícia do salário.

    X - No acórdão da Relação considera-se que a decisão da 1.ª instância, carece de falta de fundamentação de direito e que condenou em objecto/pedido diverso do peticionado e numa causa de pedir diferente da invocada.

    XI - Para que se verifique a situação prevista no art.º 668.º, n.º 1, b), é necessário que a decisão padeça de absoluta falta de fundamentação, quer referente aos factos ou ao direito, não bastando uma fundamentação insuficiente ou errada.

    XII - Acontece que a sentença de 1.ª instância, para além da identificação das partes, do objecto em litígio, das questões a resolver e dos factos provados, especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão efectuando a respectiva subsunção, observando, assim, o art.º 659.º do Código de Processo Civil.

    XIII - Na realidade, face aos factos provados, conclui-se que as partes simularam um despedimento por extinção do posto de trabalho, quando o que queriam era revogar o contrato de trabalho. Pelo que, havendo simulação o negócio é nulo. Nulidade de conhecimento oficioso, de acordo com o disposto no art.º 240.º do Código Civil.

    XIV - Considera-se, ainda, nos termos do art.º 241.º, n.º 1, do citado Código, que não é possível a conversão do negócio atendendo à natureza formal da revogação que exige documento escrito assinado pelas duas partes para a sua validade.

    XV - Face à inexistência de qualquer forma válida de cessação do contrato de trabalho, o Tribunal de 1.ª instância conclui pela subsistência da relação laboral. Sendo a partir desta premissa, bem como da...

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