Acórdão nº 08A1067 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelURBANO DIAS
Data da Resolução22 de Abril de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - Relatório AA e marido, BB, CC, DD, EE, FF e GG intentaram, no Tribunal Judicial da comarca de Vila Nova Gaia, acção ordinária contra AR e Cª Lª, pedindo a sua condenação na reparação do locado ou, em alternativa, a pagar-lhe o valor dos danos causados a liquidar em incidente.

Para tanto, invocaram danos causados por um incêndio, de origem desconhecida, num prédio seu, sito na Rua ..., nºs 000/007, Vila Nova de Gaia, e que é ocupado pela R., sua actual arrendatária.

Contestou a R., pedindo a improcedência da acção, fazendo notar que o locado estava degradado e que os AA. nunca cumpriram as suas obrigações correspondentes ao asseguramento do gozo do locado para a sua finalidade.

Replicaram os AA. a sublinhar que o incêndio não foi causado pelas más condições do edifício.

Em audiência preliminar, o processo foi saneado e condensado, seguindo, depois, para julgamento, após o qual foi proferida sentença a julgar a acção improcedente.

Apelaram os AA., sem qualquer êxito, para o Tribunal da Relação do Porto.

Continuaram, em face desta decisão, inconformados e, por isso mesmo, pediram revista do aresto proferido a coberto da seguinte síntese conclusiva.

- A condensação do processo deve ter em mente a obtenção da justiça, devendo todos os actos ser conformados em ordem ao direito que as partes pretendem ver acautelado com a decisão; Por tal facto, cabe a quem dirige o processo, ao seleccionar a matéria de facto, acautelar que nessa condensação se consideraram todos os factos de cuja prova depende a verificação do direito que as partes pretendem acautelar.

- Nos presentes autos, não havia na base instrutória qualquer facto cuja prova impendesse sobre os AA., que tivesse o condão de alterar a decisão que veio a ser proferida a final nos autos, razão pela qual, na sua actividade de conformação, ao julgador cabia desde logo, nos termos do artigo 508º do Código de Processo Civil alertar a parte para a necessidade de trazer aos autos novos factos, porquanto se entendia que os alegados levariam a que soçobrasse a acção.

- Ao assim não proceder, o que resultava para as partes era que na demanda, os factos alegados, a serem dados como provados, seriam os suficientes para a procedência ou improcedência de demanda.

- Por tal facto a decisão em causa nos presentes autos, e com os argumentos aduzidos, traduz-se numa decisão surpresa, de todo não prevista pelas partes, considerando os factos levados à base instrutória e seleccionados para prova.

- A presente demanda tem por base uma relação jurídica controvertida que foi trazida aos autos desta forma singela: - A R. exerce uma actividade perigosa; - Exerce tal actividade sem ter protecção adequada contra o risco de incêndio; - Exerce a referida actividade em desobediência à ordem de cessação da entidade administrativa competente; - No fim de um dia normal do exercício dessa actividade, ocorreu um incêndio nas instalações da R., e na sequência do qual, o edifício ficou destruído; - As causas concretas do incêndio não foram apuradas, mas este teve lugar nas instalações que a R. utilizava para o exercício da actividade perigosa, e em contravenção com as ordens da autoridade administrativa competente; - Que por tal facto, se presume culpado pela produção do evento nos termos do artigo 493º, nº 2, do Código Civil.

- Ora, salvo o devido respeito, os AA. provaram esta relação assim trazida aos autos, razão pela qual a acção deveria ter sido julgada como procedente, para os devidos e legais efeitos.

- O exercício da actividade em concreto como actividade perigosa, não se reporta apenas ao período de actividade, mas sim a todo o conjunto da actividade em causa, compreendendo esta os tempos mortos de trabalho, dado que em tal período, a actividade não deixa de ser exercida.

Toda a organização de factores se mantém, como se mantém o armazenamento das mercadorias, a guarda das máquinas, dos materiais inflamáveis, etc., e que determinam assim a manutenção do factor de risco acrescido.

- Com efeito, é precisamente para proteger os cidadãos dos factores de risco acrescidos do exercício de determinadas actividades, que se instituiu o regime de presunção de culpa previsto no artigo 493º, nº 2, do Código Civil.

- Com efeito, quando perante actividades perigosas, a lei estabelece uma presunção de culpa pelo exercício da actividade, cabe ao lesante demonstrar a relevância negativa da causa virtual como forma de exoneração da sua responsabilidade, ou seja, o que estabelece em concreto a presunção de culpa é o exercício da actividade perigosa, no caso, da indústria exercida pela R., sem protecção pelo risco de incêndio, e contra a ordem da autoridade pública que determinou a cessação da actividade.

- Aliás, o que sucedeu nos autos, foi apenas e só que o risco que pretendia ser prevenido pelas autoridades, veio a...

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