Acórdão nº 07S2904 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução02 de Abril de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. AA e BB instauraram, no Tribunal do Trabalho de Guimarães, acções emergentes de contrato individual de trabalho contra "V. S. C.", agremiação desportiva com sede em Guimarães, pedindo que se reconheça a justa causa para a rescisão dos seus contratos de trabalho, nos termos do artigo 441.º do Código do Trabalho e da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, e se condene a Ré a pagar-lhes, respectivamente, as quantias totais de € 89.412,13 e de € 122.068,91, quantias essas acrescidas dos respectivos juros de mora, à taxa legal, até efectivo pagamento.

Para tanto, alegaram, essencialmente, que fizeram cessar os seus contratos individuais de trabalho com justa causa, em 10 de Agosto de 2004, por não lhes ter sido pago o salário de Junho de 2004, que prestaram trabalho suplementar que não foi remunerado e que a Ré lhes causou relevantes danos não patrimoniais para cuja reparação reclamam indemnização.

Em ambas as acções, a Ré contestou, por excepção, invocando a caducidade do direito dos Autores de rescindirem os respectivos contratos de trabalho nos termos do artigo 441.º, n.º 1, do Código do Trabalho, por terem decorrido mais de 30 dias após o conhecimento de que o salário de Junho estava em atraso; e, por impugnação, recusando a existência de justa causa e imputando a alegada falta de pagamento dos salários a culpa exclusiva do autor BB com a conivência do autor AA. Reconheceu, porém, dever-lhes algumas quantias referentes a créditos laborais e pediu a condenação de cada um dos Autores no pagamento da indemnização por não terem respeitado o prazo de aviso prévio, devendo tal indemnização ser compensada com os créditos dos Autores.

Os Autores responderam às contestações defendendo a improcedência das excepções.

  1. Ordenada a apensação das acções, realizou-se a audiência de discussão e julgamento conjunta, finda a qual foi decidida a matéria de facto em litígio e foi proferida sentença que declarou improcedente a excepção da caducidade e, julgando as acções parcialmente procedentes, decidiu: [...] I - Declar[ar] extinto, por resolução imediata sem justa causa provada pelos autores, o contrato individual de trabalho entre cada um deles e a ré; 11 - Conden[ar] a ré, "V. S. C.", a pagar ao autor AA a quantia total de € 8.452,60, relativa a créditos salariais deste e depois de operada a compensação ou de deduzido o montante devido por este àquela nos termos a seguir melhor indicados, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até integral e efectivo pagamento; III - Conden[ar] a ré, "V. S. C.", a pagar ao autor BB a quantia total de € 4.436,01, relativa a créditos salariais deste e depois de operada a compensação ou de deduzido o montante devido por este àquela nos termos a seguir melhor indicados, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até integral e efectivo pagamento; IV - Conden[ar] o autor AA a pagar à mesma ré a quantia de € 5.332,00 e o autor BB a pagar à mesma ré a quantia de € 6.298,00, relativas à indemnização por resolução ilícita ou irregular, já deduzida no valor do pedido de cada autor acima julgado procedente; V - Absolv[er] a ré do demais peticionado pelos autores.

    [...] Esta decisão foi impugnada por Autores, em recurso de apelação independente, e pela Ré, em recurso subordinado.

    O Tribunal da Relação do Porto decidiu "conceder provimento parcial ao recurso dos autores, revogando a sentença na parte em que determinou a compensação de créditos, ficando a ré condenada a pagar aos autores os montantes aí já determinados e absolvendo os autores de pagar à ré, respectivamente, as quantias de euros 5.332,00 e de euros 6.298,00, no mais se mantendo o decidido naquela sentença".

    Vieram os Autores pedir revista, terminando a respectiva alegação com as conclusões assim redigidas: 1. O Tribunal da Relação considerou equilibrada a matéria de facto apurada, salientando os Recorrentes que a generalidade dos factos trazidos pelos Recorrentes, nas suas pi's, resultaram provados.

  2. O Tribunal da Relação considerou que os Recorrentes não indagaram junto da Recorrida sobre as razões do não pagamento do salário de Junho/04.

  3. Embora os Recorrentes não concordem com essa posição, pois em 3/8/2004 perguntaram se os seus salários eram para pagar ou não, conforme, aliás, confessa a Recorrida na sua contestação, e acima melhor explicado, a verdade é que entendem os Recorrentes que nem lhes era exigível tal comportamento, atenta a matéria provada sob os itens 19, 20, 21 e 22 4. Ou seja, no dia 13/7/2004, os recorrentes mais outra funcionária, foram chamados pelo Presidente da Direcção (CC) individualmente, para os informar a cada um deles de que a recorrida não podia pagar-lhes o salário auferido, atentas as suas dificuldades, e disse-lhes que nem um gerente bancário ganhava tal salário e que ninguém podia receber acima da tabela salarial da Liga de Clubes.

  4. Nessa mesma reunião questionou ainda o Presidente, cada um deles, sobre a possibilidade de uma redução salarial, sem lhes referir qualquer valor e acrescentou que, caso não concordassem na redução do salário, a Ré teria de decidir entre manter o salário ou convidá-los a sair com uma contrapartida.

  5. [O] A. AA não aceitou qualquer redução. Relativamente ao BB, o Tribunal considerou provado que este deixou em aberto a possibilidade de redução salarial (com a discordância acima exposta, pelo motivo de que questionada a testemunha DD sobre este assunto, disse: "Relativamente ao AA lembro-me que ele não aceitava e para isso preferia fazer as contas.

    O BB sinceramente não me lembro. Não me recordo desse pormenor.

    ").

  6. Ao contrário da Recorrida que, pelo menos, desde 4-8-2004, sabia que os salários de Junho/04 não estavam pagos e nada fez para contactar os Recorridos.

  7. Refere o acórdão que não pode concluir-se, como pretendem os Recorrentes, que não foram contactados pela Recorrida desde 4-8-2004, para resolver a situação, pois, os depoimentos das testemunhas inquiridas não apontam nesse sentido, tendo, inclusive, a testemunha EE nomeadamente afirmado que antes de 11/8 tentaram contactar o BB, mas não conseguiram.

  8. Esta interpretação dada pelo tribunal não tem qualquer correspondência nem com o alegado pela Recorrida na sua contestação, nem com o depoimento da testemunha EE, e nem com os factos dados como provados.

  9. O que está dado como provado (itens 26 e 27) é que "no dia 11/8/2004, a ré assinou os cheques relativos ao salário do mês de Junho de 2004 dos AA. e da colega DD e que nesse mesmo dia, a ré tentou, sem êxito, o contacto telefónico com os AA., com vista a dar-lhe conhecimento do facto acima transcrito".

  10. Em parte alguma, dos factos provados, se diz que a ré tentou contactar os AA., antes de 11/8/2004, apesar destes estarem presentes nas instalações da Recorrida, estando, a este propósito, provado que no dia 4/8/2004, a Ré autorizou o pedido do autor BB no sentido de gozar férias nos dias 5 e 6 de Agosto e nos dias 6 a 17 de Setembro (item 56); no dia 9/8/2004, a ré autorizou a dispensa do BB durante o período da tarde, por alegadamente, este se sentir indisposto. E no dia 10/8/2004, este autor saiu mais cedo da parte da tarde e não voltou mais a trabalhar na ré (itens 62 e 63).

  11. Ou seja, o BB trabalhou todo o dia 4 (4ª feira) 5 e 6 esteve de férias, 9 e 10 esteve, ainda que parcialmente, no local de trabalho a trabalhar.

  12. O Recorrente AA esteve ao trabalho ininterruptamente até ao dia 10-8-2004.

  13. E se é verdade que foi dado como provado que a Recorrida, tentou contactar os Recorrentes no dia 11-8-2004 (quando estes já tinham rescindido), pelo menos, desde o dia 4-8-2004 que a Recorrida sabia que os salários de Junho/04 não haviam sido pagos aos Recorrentes, houve omissão deliberada ou intencional da Recorrida em não pagar o salário do mês de Junho/04 aos Recorrentes! E isso o Tribunal não sancionou! 15. O TRP considerou que na rescisão efectuada pelos Recorrentes, nos termos do artigo 441.º, e apesar de se verificar[em] os elementos objectivo e subjectivo, o comportamento da Recorrida, ao não pagar os salários de Junho/04 (e ainda o subsidio de férias ao AA), não tornou pela sua gravidade e consequências, imediata e praticamente impossível a relação laboral.

  14. Antes, porém, da apreciação [dessa] questão de direito importa salientar que, para além dos motivos de rescisão indicados pelo TRP (pág. 15), existe[m] ainda outros dois: a retirada das chaves de acesso ao local de trabalho ao funcionário mais antigo (BB) - cfr item 35 - e retirada de funções ao BB (cfr. carta de resolução).

  15. Conforme alegado pelos Recorrentes e dado como provado (itens 54 e 71), estes sentiram-se, após a reunião de 13-7-2004, tristes e nervosos, sentimentos perfeitamente normais para quem se vê, em pouco de mais de um mês (o tempo em que a nova Direcção esteve em funções), avaliado pelo trabalho e consequente remuneração efectuado ao longo [de] 17 e 18 anos de dedicado e zeloso serviço, como a própria Recorrida deixou reconhecido.

  16. Caso os Recorrentes não concordassem na (ilícita) proposta de redução do salário, a Recorrida teria de decidir entre manter o salário ou convidá-los a sair com uma contrapartida (item 21).

  17. Perante estas duas soluções, não se vê como era possível manter uma sã e pacífica relação laboral com os Recorrentes, caso estes, mantivessem a decisão de não aceitar qualquer redução salarial, que até seria legalmente impossível, mesmo com o acordo dos trabalhadores.

  18. Por isso, à Recorrida restava apenas e só a solução da saída dos Recorrentes e para isso exerceu pressão sobre os mesmos. E foram pressionados, humilhados e vexados quando lhes disseram: Que nem um gerente bancário ganhava o salário por eles auferidos.

    Que ninguém podia receber acima da tabela salarial da Liga de Clubes.

    Que caso não concordassem com a redução salarial teriam de ser convidados a sair.

    Foi ainda o BB, pressionado e desconsiderado também quando não lhe entregaram as chaves de acesso ao seu local de trabalho (item 35)...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
35 temas prácticos
35 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT