Acórdão nº 08P694 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Março de 2008
Magistrado Responsável | SANTOS CABRAL |
Data da Resolução | 12 de Março de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA veio interpor recurso da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que, pela prática do crime de tráfico agravado p. e p. pelos artigos 21º, n.º 1 e 24º, alíneas b) e c), do Decreto-Lei n.º 15/93, o condenou na pena de 10 (dez) anos de prisão; pela prática do crime de detenção de arma ilegal foi o mesmo arguido condenado na pena de doze meses de prisão. Operando o cúmulo jurídico das penas impostas foi o recorrente condenado na pena única de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão; As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que: 1. Na sua Motivação de recurso para o Tribunal da Relação o recorrente apontava 3 contradições evidentes entre factos provados e não provados no próprio texto do Acórdão de 1ªinstância, em erro notório na ponderação da prova.
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Todavia, o acórdão do Tribunal da Relação de que ora se recorre, não se pronunciou sobre essas contradições. Com manifesta OMISSÃO DE PRONÚNCIA.
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Na verdade, repete-se a alegada prova consistente nos papeis e anotações reportados a nomes de clientes e valores, apreendidos na casa do recorrente e que também aparecem no tal apartamento da R. ..... (onde foi encontrada droga).
Ora, o próprio acórdão da primeira instância. a fl. 58 dá como Não Provado que tais nomes e anotações se referissem a clientes e fornecedores de produtos estupefacientes.
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O tribunal de primeira instância, suporta-se no "facto da propriedade de grande parte dos seus bens estar inscrita em nome de terceiros".
Ora, no mesmo Acórdão dá-se como provado que a casa do recorrente, em capacidade, está em seu nome (do recorrente) e foi comprado com recurso a financiamento bancário, a qual está ainda neste momento a ser paga em prestações mensais, e por isso mesmo não foi declarado perdido a favor do Estado (fls. 58 e 70) do Acórdão de primeira instância) 5. Outra das contradições, no pr6prio texto do acórdão recorrido (primeira e segunda instância), consiste em se ter dado como NÃO PROVADO que a coarguida BB(mãe do recorrente) movimentasse com dinheiro proveniente da venda de estupefacientes as contas bancárias de que é titular (fls. 61 do Acórdão de 1 a instância).
Então se assim é, como é possível dar como provado que o cofre existente no BANIF, com avultada quantia em dinheiro, EM NOME DE BB e CC (respectivamente mãe e irmão do recorrente) fosse proveniente da venda de estupefacientes efectuado pelo recorrente? 6. No caso vertente, foi efectuada uma primeira audiência de discussão e julgamento em primeira instancia que veio, contudo, a ser ANULADA pelo Tribunal da Relação que ordenou o reenvio para novo julgamento, por virtude da anulação de um meio de prova - as transcrições das gravações de intercepções telefónicas.
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Isto é, foi entendido que o afastamento de parte da prova da acusação inquinava irremediavelmente a decisão do Tribunal Colectivo, o qual foi chamado, na repetição, a valorar a prova remanescente.
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Ora, no segundo acórdão do Tribunal da Relação, de que ora se recorre, foi também agora anulado outro meio de prova importantíssimo - aquele que se consubstanciava em declarações de um co-arguido (incriminatórias para o recorrente).
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Assim sendo, seria de esperar idêntico entendimento, isto é o reenvio para novo julgamento em 1ªinstância, sem estes dois meios de prova, a fim de ser ponderada a suficiência ou insuficiência da restante prova.
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Mas tal não aconteceu, tendo tal ponderação sido efectuada pelo próprio Tribunal da Relação. O qual, em jurisprudência unânime tem aplicado o entendimento de que não cabe ao tribunal de 2ª instancia apreciar o uso que os tribunais da 1ªinstancia fazem do principio da livre convicção.
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Se são os tribunais de 1ª instância, os únicos que podem apreciar a prova porque beneficiam da imediação, oralidade, espontaneidade, da visão do comportamento e atitude de testemunhas e arguidos, do seu nervosismo ou sangue frio, do seu timbre de voz enfim, tudo o que habitualmente vem espelhado recorrentemente nos acórdãos de segunda instância, como pode agora o Tribunal recorrido passar por cima de todos estes seus argumentos e declara-se apto a formar uma convicção apenas com uma pequena parte da prova restante?????????????? 12. A convicção do julgador, em 1 a instância, há de resultar da prova no seu conjunto, em apreciação global, sabido que o valor de um facto influencia o outro.
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Seccionada que foi novamente a prova da acusação, impõe-se nova formação de uma convicção do julgador em 1ª instância, o único que tem acesso à imediação, oralidade e espontaneidade da prova restante.
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De qualquer forma, os factos provados não permitem declarar existente a agravação a que se refere a alínea c) do artigo 24 nº1 do Dec-Lei 1.5/93, devendo condenar-se, em mera hipótese de raciocínio, sem conceder, por tráfico simples.
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As penas fixadas para o tráfico de estupefacientes (se existisse) e para a detenção de arma proibida (sem conexão com o anterior crime, conforme concluído no acórdão de lª instância) revelam-se exageradas e desadequadas ao grau de culpa.
Violaram-se os artigos: • Artigo 21 n° 1 do dec-lei 15/93, porque o recorrente não cometeu este crime.
• Artigo 24 nº 1 alínea c) do mesmo decreto, porque não se manifesta esta circunstancia.
• Artigo 410 nº 2 do C.P.P., por erro notório na apreciação da prova, resultante das contradições de factos provados e não provados nos próprios textos dos acórdãos recorridos.
• Artigo 426 do C.P.P., porquanto o Tribunal da Relação não determinou o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto (REMANESCENTE) do processo.
Respondeu o Ministério Público propondo a confirmação da decisão recorrida Nesta instância a EXªMª SrªProcuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer em que se pronuncia igualmente pelo não provimento do recurso mas admitindo uma ligeira diminuição da pena Os autos tiveram os vistos legais * Cumpre decidir Em sede de decisão recorrida encontra-se provada a seguinte factualidade: 1º) Durante período não concretamente apurado, mas pelo menos nos anos de 1999 e 2000, o arguido AA dedicou-se à actividade de compra e venda de produtos estupefacientes, auferindo elevados lucros em tais transacções; 2º) Durante período não concretamente apurado, mas pelo menos desde Abril de 2000 a Julho de 2000, que os arguidos DD e EE se dedicaram à mesma actividade de compra e venda de estupefacientes; 3º) No âmbito dessa actividade os mesmos arguidos AA, DD e EE decidiram arrendar instalações onde pudessem armazenar, além de parte do dinheiro obtido nas transacções em causa, os produtos estupefacientes, aditar-lhes produto de corte, pesá-los, dividi-los e embalá-los para o escoamento respectivo; 4º) Para o efeito, e durante o mês de Abril de 2000, o arguido DD contactou a arguida FF para que esta subscrevesse, como arrendatária, o contrato de arrendamento do apartamento sito na Avenida ......., nº ... - Cave Frente, em Lisboa, o que veio a ocorrer em 27/04/2000; 5º) Até Julho de 2000 o montante mensal da renda, de Esc. 60.000$00, foi pago por intermédio do arguido DD; 6º) Os mesmos arguidos tinham ainda registo escrito dos clientes e fornecedores, com a indicação das quantidades e valores das encomendas e dos fornecimentos respectivos; 7º) No exercício da actividade em causa, no dia 11 de Junho de 2000, o arguido EE e outro indivíduo de identidade não apurada, fazendo-se transportar na moto modelo Honda CBR, matrícula ...-...-..., pertença do primeiro e por ele conduzida, dirigiram-se à intercepção da Avenida ...... com a Rotunda do ....., onde, cerca das 01H15, o arguido EE entregou a GG e a HH um envelope que se veio a apurar conter heroína com o peso bruto de 100 gramas, recebendo do referido GG o preço respectivo; 8º) No âmbito da mesma actividade, pelas 12H15 do dia 3 de Julho de 2000 e junto à Avenida....., conforme combinado entre ambos, o arguido DD, fazendo-se transportar na sua mota CBR 600-Hornet, matrícula ...-...-..., encontrou-se com o arguido II o qual, por sua vez, se fazia transportar na viatura marca Ford Fiesta, matrícula ...-...-...; 9º) Na hora e local referido o arguido II entregou a DD um envelope, contendo dinheiro português, no montante de Esc. 400.000$00, após o que recebeu deste um embrulho contendo heroína, com o peso líquido de 61,305 gramas e que o mesmo destinava à venda ou cedência a terceiros; 10º) O arguido DD trajava colete com a inscrição nas costas "S.... S.... - Entregas Urgentes, TM .......; 11º) Tal firma já se encontrava constituída desde o ano de 1998, sendo seu sócio-gerente o arguido DD; 12º) Para além do produto estupefaciente o arguido II detinha ainda o seguinte: - 1 telemóvel Motorola modelo "Startac", da TMN, com o nº ......, com o IMEI ........, e PIN .......; - dinheiro português, no montante de 123.000$00 (cento e vinte e três mil escudos) obtido na actividade de narcotráfico; - Livrete e Título de Registo de Propriedade da viatura ...-...-..., na qual se transportava; - 2 cartões timbrados da TMN, referentes aos números de telemóvel ........ e .............; - 1 papel manuscrito com contas indexadas a "T....."; - cartões diversos e uma factura referente à estadia de 2 pessoas na "Estalagem M......", no montante de 113.300$00.
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) No mesmo dia 3 de Julho, no apartamento sito na Rua ....., nº.... - Cave Frente, em Lisboa, os arguidos AA, DD e EE detinham, para venda a terceiros: - 5 porções de heroína, com o peso total aproximado de 6,341 kgs.; - 2 porções de cocaína, com o peso bruto aproximado de 52,8 grs.; - 3 porções de haxixe, com o peso total aproximado de 4,088 kgs.; - 425 comprimidos de "Ecstasy"; Mais detinham - 490 carteiras da especialidade farmacêutica "REDRATE", produto que se destinava ao "corte" da droga, por forma a melhor rentabilizar as vendas de produto estupefaciente; - dinheiro português, no montante de 6.071.000$00 (seis milhões e setenta e um mil escudos), obtido na actividade de narcotráfico; - 1...
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