Acórdão nº 08B1850 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA ROCHA
Data da Resolução07 de Março de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

"AA" intentou a presente acção, com processo comum sob a forma de processo ordinário, contra a "".

Pede que se condene a ré a pagar-lhe € 76.000,00, acrescidos de juros vencidos e vincendos às taxas legais, desde 8-3-2005 e até pagamento.

Para tanto, e em síntese, alega ser titular de conta de depósito na ré e ter-se o seu motorista apropriado, indevidamente, de três cheques dessa conta, falsificando, grosseiramente, a assinatura daquele e obtendo o pagamento da quantia de € 76.000,00, de que se mostra desapossado.

Regularmente citada, contestou a ré, dizendo, que as assinaturas são semelhantes; que o motorista do autor efectuou, por diversas vezes, o levantamento de cheques, tendo acesso àqueles e ao saldo da respectiva conta.

Conclui, pedindo a absolvição do pedido.

A autora replicou.

Saneado, instruído e julgado o processo, foi preferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 38.000,00, acrescida de juros de mora.

Inconformados, tanto o autor como a ré recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa.

O autor agravou, ainda, do despacho que indeferiu parcialmente a prova pericial às assinaturas apostas nos cheques.

Este tribunal superior, por acórdão de 8.1.2008, negou provimento ao agravo e à apelação da ré, mas julgou totalmente procedente a apelação do autor, tendo condenado a ré a pagar àquele a quantia de 76.000,00 €.

Irresignada, a ré pede revista, tendo concluído a alegação do recurso pela seguinte forma: Inexiste culpa do Banco no que concerne ao pagamento do cheque de 72.000,00 € a BB; Efectivamente, foi o comportamento negligente do autor que possibilitou o pagamento daquele cheque; O autor confiou no seu motorista, que iniciara a respectiva relação laboral há um mês, confiando-lhe tarefas que exigem um grau de confiança elevado (o levantamento dos seus cheques pessoais, o acesso à assinatura que usava nos cheques), grau esse que não pode existir - pelo menos à luz das regras de experiência comum do homem médio -, quando o empregado em causa tinha tão pouco tempo de funções; No Acórdão em crise, não foi ponderada - e devia tê-lo sido, para determinar a responsabilidade do autor - a circunstância de o motorista deste, não obstante ter tão pouco tempo de serviço, poder aceder ao conhecimento da assinatura que o autor usava nos seus cheques, sendo certo que esta circunstância se verificou independentemente de se não ter apurado se o autor manteve ou não a bom recato quer os seus cheques quer os restantes elementos de informação bancária relacionados com a conta (v.g. os seus extractos com a informação do saldo médio), atendendo a que o autor confiava ao seu motorista a tarefa do levantamento dos cheques; O acesso por parte do motorista do autor à assinatura deste permitiu-lhe proceder à falsificação da mesma com um grau de precisão, que foi suficiente para iludir o funcionário bancário, que efectuou a conferência das assinaturas; Também se verificou incúria e negligência por parte do autor, porquanto, não obstante ter regressado de França a 30.06.2002, e de o seu motorista se ter ausentado para parte incerta do Brasil logo em 01.07.2002, não cuidou de verificar imediatamente se algo se passava com a sua conta bancária, atendendo a que o dito motorista era quem procedia, por diversas vezes, aos levantamentos dos seus cheques; Com efeito, só muito mais tarde, quando foi consultar o seu saldo, em 16.07.2002, é que detectou o débito do cheque de 72.000,00 €, sendo certo que se tivesse tido o cuidado de verificar o seu saldo logo que ocorreu o desaparecimento do seu motorista, teria tido hipótese de avisar o Banco e este teria igualmente a hipótese de cancelar o pagamento do cheque; Pelo seu lado, o Banco cumpriu com os deveres que decorrem do contrato de cheque, tendo procedido à análise comparativa entre a assinatura constante do cheque de 72.000,00 € e a assinatura constante da respectiva ficha de cliente e concluído que eram semelhantes; Não se afigura curial concluir - como o fez o Acórdão aqui impugnado - que existia uma divergência de tal forma notória entre as assinaturas, que, à vista desarmada, permitisse concluir pela existência da falsificação, atendendo a que, se assim fosse, nem sequer teria sido necessária a produção de prova pericial a esse respeito, o que não foi o caso; Acresce que não decorre nem consta no relatório do exame pericial que a divergência era de tal forma notória que era visível à vista desarmada; Por outro lado, o juízo constante do dito relatório tem subjacente a análise de elementos documentais que não estavam (nem é suposto estarem) à disposição do funcionário do Banco que efectuou a análise das assinaturas, tais como as duas folhas de autógrafos assinadas e redigidas pelo autor, elaboradas expressamente para o fim tido em vista com este exame pericial, bem como os 25 fac símiles de cheques disponibilizados também para esse fim, sendo igualmente certo que o juízo pericial a emitir nestes casos é sempre um juízo póstumo relativamente à ocorrência dos factos e quando já existe um litígio e uma dúvida instalada relativamente à autenticidade de assinaturas; Por outro lado, é um facto consabido que ninguém consegue fazer a assinatura duas vezes da mesma forma e que a escrita varia até consoante o estado de espírito em que a pessoa se encontra, quando está assinar; não é preciso estar doente nem ser idoso para efectuar uma assinatura trémula, basta que se esteja nervoso para a assinatura sair tremida, pouco consistente, sem um traçado preciso. Se a pessoa estiver sob comoção na altura de firmar a sua assinatura, esta não lhe sairá certamente com o mesmo grau de firmeza e de precisão que sairia se não estiver sob esse estado de espírito, o mesmo se passando se a pessoa estiver com pressa, ou se não efectuar a assinatura sobre uma superfície plana, ou ainda se utilizar esta ou aquela caneta, etc.

Também não vinga a conclusão avançada no Aresto em crise de que o funcionário do Banco deveria ter efectuado um telefonema a certificar-se da genuinidade da assinatura do cheque em causa. Desde logo, porquanto este se convenceu que a assinatura do cheque era semelhante à da ficha e, depois, porque não existe nenhum dever, nem legal nem contratual, de contactar o cliente titular da conta para o questionar sobre a veracidade e genuinidade das assinaturas. Nem tal prática sequer se compadece com o comércio bancário hodierno, como, aliás, tem vindo a ser jurisprudencialmente e doutrinariamente reconhecido; Subsidiariamente, para o caso de...

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