Acórdão nº 08P114 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução05 de Março de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 880/06, do 3º Juízo Criminal de Almada, AA, com os sinais dos autos, foi condenado como autor material, em concurso real, de um crime de homicídio qualificado, um crime de roubo, um crime de furto de uso de veículo e um crime de detenção ilegal de arma, nas penas parcelares de 13 anos de prisão, 3 anos de prisão, 6 meses de prisão e 8 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena conjunta de 15 anos de prisão (1).

O Ministério Público interpôs recurso.

É do seguinte teor a parte conclusiva da respectiva motivação: 1. O instituto dos "Jovens Delinquentes", consagrado pelo DL 402/02, de 23.09, apontando para uma maior e especial flexibilidade das reacções penais, facilitante da ressocialização do agente, menor de 21 anos de idade, sublinhando e evitando os efeitos, indesejáveis, estigmatizantes das penas, não descura o primado da defesa da sociedade e do Ordenamento Penal, quando a tanto conduzam motivos de prevenção (geral e especial) impostergáveis, sob pena de «ruir» a confiança que os cidadãos depositam na validade das normas, circunstância propiciadora de efeitos perversos.

  1. Cabe ao julgador, para lá de um dever geral de fundamentação (artigos 205º, CRP, 97º e 374º, do CPP), «justificar» cristalinamente, a sua opção de (in) aplicar o «Direito Penal Juvenil», para que possa convencer os destinatários (arguido e comunidade) da justeza da decisão.

  2. Deve, nessa perspectiva, alinhar com clareza «as sérias razões» que o convenceram a lançar mão desse «benévolo» regime, ou não, isto é, deve esforçar-se por demonstrar a pertinência da solução, sem onerar a comunidade com «apostas arriscadas», fora de controlo.

  3. Na hipótese em debate apurou-se que o arguido foi autor de uma pluralidade de ilícitos, um deles situado no patamar mais grave do Direito Penal, não confessou, senão parcialmente, os factos, deles não se mostro genuinamente arrependido, manteve na sua posse a arma de fogo com que abateu um jovem de 17 anos, pelo menos mais um mês, altura em que voltou a manuseá-la em assaltos a residências, por que viria a ser condenado, ao abrigo, nesse outro processo (335/06.3GDALM), do Direito Penal Especial de Jovens, e sob regime de suspensão (artigo 50º, CP), não desfruta de apoio familiar consistente (sintomaticamente ninguém dessa órbita testemunhou a seu favor!), antes o IRS o classificou de «ausente e desestruturante», tão-pouco se perspectivam projectos a esse nível ou laborais, tem processo pendentes (como se intui da leitura do seu Relatório Social), identificando-se-lhe, não desprezível, inadaptações às regras prisionais (que lhe valeram sanções disciplinares), e familiares (a quem despreza apelos), sem olvidar que, antes de maior penalmente, teve incursões na Jurisdição de Menores, com submissão a medida tutelar de internamento.

  4. «Pano de fundo» que não passou despercebido ao Colectivo, que diagnosticou acentuadas exigências de prevenção especial, mormente, para lá das prementes necessidades de prevenção geral, umas e outras motivadoras da não aplicação de penas não privativas da liberdade, aquando da ponderação judicial (artigo 70º, CP).

  5. Mais: por minoria, quando muito igualdade, de razões, não teve o Tribunal hesitação em recusar, e acertadamente, igual tratamento «bonificado» ao co-arguido Tiago, não autor do crime mais hediondo, apesar de dispor de melhor enquadramento familiar (inclusivamente, a sua mãe e irmã estiveram, a depor em julgamento) e de maior poder autocrítico (ver Relatório Social respectivo).

  6. Ao aplicar/agir com vem censurado, as Mm.ªs Juízas estenderam, desmesuradamente, com irreparáveis «custos» sociais, um Regime que o legislador concebeu para a pequena e mediana criminalidade juvenil, como se extrai do ponto 7 do Preâmbulo do Diploma, lançando um «repto» ao agente sem cuidar de atender na incapacidade de resposta, por circunstâncias endógenas e exógenas, expondo a sociedade e o Ordenamento Jurídico (Penal) a consequências inimagináveis, de que o alarme social e a descrença na eficácia das normas não são aspectos menores, dessa forma inobservando os parâmetros do artigo 4º, do DL 401/82, de 23.09.

  7. Tudo em detrimento de uma mais criteriosa, parcimoniosa, avaliação do caso concreto, cuja aplicação levaria, inevitavelmente, à preclusão do DL 401/82, de 23.09, com isso implicando um reajustamento das operações de determinação da sanção, do ponto de vista quantitativo, repondo, com o correlativo agravamento das penas, parcelares e única, a correcta actuação dos fins da punição (artigos 40º, n.º 1 e 70º/71º, n.º 1, do CP - cf. Acs. do S.T.J. 04.01.06, «in www.dgsi.pt/jstj, e 12.02.04, CJ, XII; I, 202) -, cifrando-se a nova pena unitária, na sua forma irredutível, propomos, em 20 anos de prisão (já contando com as intercalares medidas penitenciárias de flexibilidade), da mesma sorte que se restabelece a justiça relativa das penas a cada arguido, intraprocessualmente.

    * Só a assistente CC respondeu, tendo na contra-motivação apresentada formulado as seguintes conclusões: 1. Para se aplicar o Regime Penal de Jovens Adultos "importa averiguar a conduta do arguido anterior e posterior ao crime, as suas condições pessoais, familiares e profissionais, para se poder avaliar da sua inserção social, familiar e profissional e ainda conhecer a sua personalidade, para se poder aferir, além do mais, se é ou não sensível à aceitação dos valores dominantes e tutelados pelo direito penal, se é ou não dotado de capacidade de auto-censura, elementos factuais que são também imprescindíveis para o julgador se habilitar a poder ajuizar..." (Ac. do Tribunal da Relação do Porto, publicado em www.dgsi.pt, sob o n.º 10719/06-9).

  8. De todos os factos que ficaram provados em sede de audiência de discussão e julgamento, do certificado de registo criminal do arguido e, sobretudo, do Relatório Social, também junto aos autos, infere-se que não pode ser aplicado ao arguido AA aquele Regime Penal.

  9. De tudo o que consta do Relatório Social extrai-se que o arguido, desde tenra idade, manifesta dificuldade de adaptação ao cumprimento de regras, não apresenta percurso laboral regular, tem no seu CRC registo da prática de crimes contra o património, tendo sido julgado e condenado pela prática de homicídio qualificado, ceifando a vida de um jovem de 17 anos, que se provou ser pessoa alegre, calma e responsável, tendo o respeito de todos os que com ele conviviam; apesar da prática daquele crime hediondo, continuou na senda do crime, tendo sido detido em flagrante delito um mês depois de assassinar o DD, empunhando arma de fogo contra os agentes de autoridade que pretendiam detê-lo, pelo que também, nesta parte, não se justifica a aplicação do Regime Penal de Jovens Adultos, pois, "o regime jurídico para jovens delinquentes foi pensado para situações em que o cometimento do crime constitui um episódio isolado na vida do jovem" (A. Do Tribunal da Relação do Porto, publicado em www.dgsi.pt, sob o n.º 0544652).

  10. O arguido, apesar de saber que ia ser pai, não se coibiu de praticar aqueles crimes, não procurando uma melhoria das condições em termos económicos.

  11. Não pode ser aplicado ao arguido o Regime Penal dos Jovens Adultos, porquanto, também "não lhe são conhecidos quaisquer projectos no que concerne a organização familiar, continuando a ser o mesmo agregado que o viria a integrar", apesar do próprio Relatório Social aconselhar que o arguido, quando em liberdade, não regresse ao seu agregado familiar.

  12. Aliás, no próprio Estabelecimento Prisional de Lisboa, o arguido não procura emendar-se "não assumindo uma postura adequada às normas institucionais por registar sanções disciplinares", revelando, também, que não se encontra arrependido dos crimes praticados e demonstrando ausência de projectos em relação ao seu futuro, "não se vislumbrando a ocorrência de algum choque emocional provocado pela prisão, nem tão pouco uma predisposição para uma mudança pessoal e sócio-afectiva significativa...".

  13. Não deve, assim, ser aplicado ao arguido AA, o Regime Penal de Jovens Adultos, devendo a pena unitária em que foi condenado, ser substituída por outra que o condene, no mínimo, a 20 anos de prisão.

    * Igual posição foi assumida nesta instância pelo Exm.º...

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