Acórdão nº 07P894 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Fevereiro de 2008

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução13 de Fevereiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça: 1. A Caixa Geral de Depósitos (CGD), SA, interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, ao abrigo do art. 437º, nº 2 do Código de Processo Penal (CPP), do acórdão da Relação de Lisboa de 20.12.2006, proferido no proc. nº 9375/06, da 3ª Secção (certificado a fls. 2-6), invocando como fundamento o acórdão da mesma Relação de 3.10.2006, proferido no proc. nº 5029/06, da 5ª Secção (certificado a fls. 73-78).

Por acórdão de 12.9.2007 da 3ª Secção (fls. 80-81), foi decidido, em conferência, considerar verificados os requisitos formais de admissibilidade do recurso, reconhecer a oposição dos dois acórdãos, nos seguintes termos: O acórdão recorrido apreciou um caso em que, no decurso de um inquérito por crime de roubo, foram solicitadas à recorrente (e a outros bancos) determinadas informações sobre certas contas bancárias, o que foi recusado pela recorrente. Promovida pelo MP a quebra do sigilo junto do JIC, este decidiu que a recusa era ilegítima e ordenou à recorrente a prestação das informações requeridas pelo MP. A Relação de Lisboa, através do acórdão recorrido, confirmou essa decisão, por considerar que "o n° 3 do citado art. 135° do CPP visa tão-somente assegurar uma segunda instância residual para as hipóteses em que o tribunal a quo, pendendo para o reconhecimento da legitimidade formal e substancial da recusa, tenha dúvidas quanto a ela..." Por sua vez, o acórdão-fundamento, perante uma hipótese de facto idêntica (recusa da recorrente de prestar informação bancária ao MP, no âmbito de um inquérito por um crime de roubo, recusa essa quebrada por despacho do JIC, ordenando a prestação das requeridas informações), considerou legítima a recusa, revogando a decisão recorrida e ordenando que o JIC suscitasse o incidente de quebra do sigilo junto da Relação, por considerar esta a única entidade competente, nos termos do art. 135°, n° 2 e n° 3 do CPP, para proferir tal decisão.

As decisões em análise proferiram, pois, decisões opostas, baseadas em interpretações também opostas do citado art. 135°, n° 2 e n° 3 do CPP.

Consequentemente, ordenou-se o prosseguimento do recurso.

Cumprido o disposto no art. 442º do CPP, vieram apresentar alegações escritas a recorrente (fls. 88-97) e o Ministério Público (fls. 99-119).

A recorrente concluiu assim as suas alegações (transcrição): 1. Sustenta o acórdão recorrido que o n° 3 do art. 135° do CPP visa tão só assegurar uma segunda instância, residual, para as hipóteses em que o tribunal de primeira instância, embora pendendo para o reconhecimento da legitimidade formal e substancial da recusa, continue, quanto a ele, a ter fundadas dúvidas; 2. Entende ainda o dito acórdão que "compete ao Tribunal de primeira instância, verificados os respectivos pressupostos formais e substanciais, determinar a quebra do sigilo bancário"; 3. O acórdão fundamento, perante uma questão de facto idêntica (recusa da prestação de informação bancária no âmbito de um inquérito por crime de roubo, em que o JIC ordenou a prestação das requeridas informações), julgou legítima a recusa e revogando a decisão anterior ordenou que o JIC suscitasse o incidente de quebra de sigilo junto do Tribunal da Relação, por considerar ser esta a única entidade competente para tal decisão, nos termos do art°. 135°, n° 2 e 3 do C.P. Penal; 4. Entende ainda que "... não há outra forma de suprir este consentimento - face à recusa, justificada, com base no sigilo bancário, da entidade bancária - senão pela via do aludido incidente, como sempre têm vindo a decidir os tribunais superiores, nomeadamente este Tribunal da Relação, numa posição inteiramente concordante com a que vem defendida no acórdão do STJ de 6 de Fevereiro de 2003, proferido no processo 1777/02 (...)".

5. Nos termos do artigo 135°, n° 2, do Código de Processo Penal, o Juiz de Instrução Criminal tem competência para decidir pela ilegitimidade da escusa e determinar a prestação das informações ou entrega de documentos; 6. Contudo, a determinação da ilegitimidade da recusa pelo Juiz, como vem previsto no artigo 135°, n° 2, do Código de Processo Penal, única disposição legal no sistema jurídico português que lhe confere essa competência, implica que o Juiz o faça porque entende que não cabe a invocação do dever de sigilo bancário, ou seja, que no caso não existe dever de segredo profissional; 7. Seguindo tal raciocínio, a instituição bancária não pode invocar o sigilo bancário porque não existe fundamento legal para o fazer; 8. Então, uma sua recusa em prestar as informações solicitadas não tem suporte legal e, como tal, essa recusa pode ser declarada ilegítima pelo Juiz de Instrução Criminal o que implica o dever da instituição bancária em prestar as informações como vêm solicitadas. Só assim se pode entender o sentido e o alcance do preceituado no artigo 135°, n° 2, do Código de Processo Penal; 9. Não obstante, o acórdão recorrido entende que, tendo o tribunal primeira instância entendido que a escusa era ilegítima, tanto bastaria para determinar a quebra do segredo bancário, sem necessidade de se proceder ao levantamento do incidente de quebra de segredo junto do tribunal superior; 10. Para que o tribunal de primeira instância possa proceder à dispensa de sigilo bancário, considerando injustificada a recusa anterior, tem de considerar, necessariamente, sob pena de se tornar ilógico tal raciocínio, que existe lugar à sua invocação legítima. Se não existisse dever de sigilo ele não poderia ser dispensado; 11. «a recusa é legítima se o cumprimento do requisitado ou ordenado implicar violação do sigilo profissional» Acórdão de 27.01.2005 do STJ no proc. n° 04B4700 (www.dgsi.pt); 12. Ao considerar a recusa como ilegítima (pois aplica o artigo 135°, n° 2 do Código de Processo Penal e também o afirma expressamente) e, ao mesmo tempo, ao conferir-lhe carácter legítimo, pois se faz a ponderação de valores é porque há lugar à invocação (legítima) do dever de segredo, verifica-se contradição insanável e por tal motivo a primeira instância não tem competência para declarar a dispensa do dever de sigilo.

13. Nos termos do disposto no n.° 3 do artigo 135° do mesmo Código Processo Penal, a primeira instância não pode olvidar a competência do Tribunal superior para decidir da prestação de informação com quebra do dever de segredo profissional; 14. Face à legitimidade da recusa da Caixa Geral de Depósitos (o que acontece sempre que não estejam em causa os casos legalmente excepcionados), em cumprimento do disposto no n.° 3 do artigo 135.° do Código de Processo Penal deve o tribunal de primeira instância suscitar junto do tribunal superior o incidente de quebra do dever de segredo com prestação de informação; 15. Tendo em conta todo o sistema jurídico em que a norma se insere, parece que a melhor interpretação a emprestar ao art°. 135° do C.P. Penal, é a de que, se o Tribunal considerar que a escusa é legítima mas, mesmo assim, entender que, no caso concreto, a quebra do segredo profissional se mostra justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência preponderante, então e só então, tem de solicitar a intervenção do tribunal imediatamente superior; 16. Só há lugar ao aludido incidente se for ordenada a diligência com fundamento na legitimidade da escusa; 17. E há...

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