Acórdão nº 07S2898 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Fevereiro de 2008

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução06 de Fevereiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

"AA" intentou, em 6 de Junho de 2005, no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia, acção contra "Empresa-A, Lda.", pedindo que seja declarado ilícito o despedimento de que diz ter sido alvo, consumado pela Ré, em 26 de Setembro de 2004, e esta condenada a pagar-lhe: i) a quantia provisória de € 7.140,00, a título de indemnização pelo despedimento, acrescida das retribuições vencidas e vincendas desde os trinta dias anteriores à propositura da acção; ii) A quantia de € 2.677,50, a título de férias e subsídio de férias do ano de 2004; subsídio de Natal do ano de 2004 e proporcionais de férias e subsídios de férias e de Natal referentes ao ano da cessação do contrato, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, actualmente de 4%, vencidos no montante de € 16,15; iii) uma indemnização, no valor de € 5.000,00, por danos não patrimoniais.

Alegou, em síntese, que: - Trabalhou para a Ré, desde 2 de Fevereiro de 1991, como "engomadeira", no Centro Comercial denominado .....

e, tendo estado de baixa no período de 21 de Dezembro de 2002 a 25 de Setembro de 2004, cessada esta, a Ré impediu-a de retomar o trabalho, consubstanciando tal recusa um despedimento de facto; - Fez uma exposição à Ré, solicitando a reintegração no seu posto de trabalho, à qual a Ré respondeu, comunicando-lhe que deveria apresentar-se na Loja do ... ...

, por ser o único lugar disponível, ordem que a Autora recusou, por se tratar de transferência ilegal do local de trabalho; - Por carta de 22 de Dezembro de 2004, a Ré fez cessar o contrato, invocando abandono do trabalho pela Autora; - A atitude da Ré causou-lhe danos não patrimoniais.

Na contestação, a Ré disse, em resumo, que não despediu a Autora e que a cessação do contrato se deveu a abandono do trabalho, pelo que tem direito a indemnização, concluindo pela absolvição do pedido, declarando-se que o contrato cessou por abandono e relegando-se a indemnização para execução de sentença.

Houve resposta da Autora para concluir como no articulado inicial.

No despacho saneador considerou-se, sem impugnação, que "o pedido de indemnização da Ré é entendido como excepção, e não como reconvenção, uma vez que não foi como tal formulado".

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença em que se decidiu: 1.º - Declarar ilícito o despedimento da A.; 2.º - Condenar a R. a pagar à A. uma indemnização de antiguidade correspondente ao tempo decorrido desde Fevereiro de 1992 até à data do trânsito em julgado da decisão final, tendo por referência o salário correspondente a um mês, liquidando o valor da indemnização de antiguidade até à data da sentença em € 7.103,17 (sete mil cento e três euros e dezassete cêntimos), sendo a restante, desde essa data até à data do trânsito em julgado da decisão, a liquidar em fase de execução de sentença.

  1. - Condenar a R. a pagar à A. as retribuições que a A. deixou de auferir desde os trinta dias anteriores à data da propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão, que até aquela data liquidou em € 6.693,75 (seis mil seiscentos e noventa e três euros e setenta e cinco cêntimos), deduzindo-se as importâncias que a A. tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e o montante do subsídio de desemprego que a A. eventualmente tenha auferido, a liquidar em fase de execução de sentença; 4.º - Condenar a R. a pagar à A. a quantia de € 365,50 (trezentos e sessenta e cinco euros e cinquenta cêntimos), a título de proporcionais de férias e subsídios de férias e de Natal referentes ao ano da cessação do contrato, acrescida dos juros de mora, à taxa anual de 4%, desde 23.12.2004 (inclusive) até pagamento.

  2. - Absolver a R. do pedido quanto ao mais.

O Tribunal da Relação do Porto concedeu provimento ao recurso de apelação interposto pelo Ré e absolveu-a do pedido.

  1. Ambas as partes vêm impugnar o acórdão da Relação: - a Autora, mediante recurso independente, para ver repristinada a decisão da 1.ª instância; - a Ré, em via subordinada, pugnando pela declaração de que o contrato cessou por abandono do trabalho.

    Formularam, a terminar as respectivas alegações, conclusões, nos termos que, a seguir se transcrevem: Da Revista da Autora: 1 - A R. despediu a A., conforme a sentença determina.

    2 - Não existe qualquer alteração da causa de pedir, porquanto a causa de pedir funda-se sempre em dois factos jurídicos: a existência de contrato de trabalho entre as partes e o despedimento ilícito da A.

    3 - Não determina a violação do princípio da estabilidade da instância a sentença recorrida, porquanto se limita a corrigir, por intermédio do que se foi apurando ao longo dos autos, as circunstâncias que determinaram o despedimento ilícito promovido pela R.

    4 - Não se verifica assim qualquer nulidade da sentença nesta matéria, pelo que deverá ser confirmada.

    5 - Pela sequência dos factos dados como provados nos autos, bem andou a sentença de primeira instância ao entender que não se verificavam os requisitos exigidos pelo artigo 450.º do Código do Trabalho para determinar o abandono do trabalho.

    6 - A A. sempre demonstrou interesse em regressar ao seu posto de trabalho, sendo certo que sempre recusou, por entender tratar-se de uma ordem ilegal, ser transferida para outro local.

    7 - A cessação do contrato de trabalho fundada em abandono configura um despedimento ilícito, desde logo por não se verificarem os seus fundamentos e, por outro lado, por não ter sido precedido de qualquer procedimento disciplinar.

    8 - O acórdão recorrido é manifestamente contraditório na apreciação da questão da nulidade da sentença, posto que, primeiramente considera que existe o respeito pelo artigo 72.º, n.º 1 do CPT, não sendo diversa a causa de pedir, e, a final, considera existir violação do princípio da estabilidade da instância preconizada pelo artigo 268.º do CPC, alterando-se a causa de pedir apreciada e extravasando o tribunal de primeira instância as suas funções.

    9 - Deve, por isso, ser revogado o acórdão recorrido, e substituir-se por decisão que confirme integralmente a sentença de primeira instância.

    Da Revista da Ré: 1.ª - A Recorrente não despediu a Autora.

    2.ª - A sentença em recurso não fez correcta interpretação do artigo 450.º do CPT, ao considerar que o comportamento da A. é no sentido de permanecer ao serviço da R. e não o de não retomar o trabalho; 3.ª - Após a presença da PSP, no dia 28 de Setembro de 2004, no estabelecimento do "...", a Autora ausentou-se e não mais voltou a comparecer em qualquer estabelecimento da Recorrente, para trabalhar; 4.ª - A Autora esteve ausente do serviço durante mais de dez dias úteis seguidos.

    5.ª - A Recorrente disse, claramente, à Autora, em 27.09.2004, "que não se preocupasse porque estava integrada no posto de trabalho"; 6.ª - A Recorrente disse à Autora que tinha os postos de trabalho ocupados, no estabelecimento do "...", mas que a enquadraria, temporariamente, na "Loja do ...", onde deveria assumir funções a 28 de Setembro de 2004; 7.ª - A Autora, porém, a partir de 28 de Setembro de 2004, "ausentou-se e não mais voltou a comparecer em qualquer estabelecimento da ré para trabalhar"; 8.ª - Perante a ausência, a Recorrente enviou à Autora, e esta recebeu, três cartas (em 02.11.2004, 07.12.2004 e 22.12.2004; 9.ª - A Recorrente alertou a Autora de que estava em falta ao trabalho; 10.ª - A Recorrente notificou a Autora de que deveria apresentar-se no seu posto de trabalho no prazo de 5 dias, sob pena de fazer cessar o contrato de trabalho por abandono nos termos previstos no artigo 450.º do Código do Trabalho; 11.ª - A Recorrente, porque a Autora não se apresentou ao serviço, porque não obteve qualquer resposta às cartas enviadas, nem a Autora alegou nenhum motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência, entendeu que não existia da parte da Autora interesse em retomar o trabalho; 12.ª - A Recorrente não recebeu a carta da Autora de 14 de Dezembro de 2004, porque não recebeu nenhum aviso para levantar tal carta.

    13.ª - A Recorrente não recebeu a notificação de nenhum "motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência".

    14.ª - O facto continuado da ausência ao trabalho da Autora, mesmo depois de ser expressamente convocada, com prazo, sob cominação e a falta de comunicação de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência, consubstancia o "elemento subjectivo, ou animus extintivo" que pressupõe a intenção de ruptura do contrato de trabalho, por parte da Autora.

    15.ª - A Recorrente enviou carta à Autora, fazendo cessar o contrato de trabalho da Autora, por abandono, nos termos previstos no artigo 450.º do Código do Trabalho; 16.ª - Estão, pois, verificados os termos previstos na lei, para a cessação do contrato de trabalho ter ocorrido, por abandono do trabalho.

    Ambas as litigantes contra-alegaram.

    Neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se, em parecer que não suscitou reacção das partes, no sentido de ser negada a revista da Autora e de não se conhecer da revista da Ré.

    Corridos os vistos, cumpre decidir.

    II 1.

    As instâncias declararam provados, nos termos que, a seguir, se transcrevem os seguintes factos, que aqui se aceitam, por não ocorrer nenhuma das situações, previstas nos artigos 722.º, n.º 2, e 729.º n.os 2 e 3, do Código de Processo Civil (CPC), que permitam exercer censura sobre a respectiva decisão: Da petição inicial 1) A autora foi contratada em Fevereiro de 1992, para, com início na mesma data, desempenhar as funções de "engomadeira".

    2) O local de trabalho fixado foi nas instalações da ré.

    3) A autora sempre prestou trabalho sob as ordens, instruções e fiscalizações da ré, e da sociedade a quem esta adquiriu o estabelecimento.

    4) Recebendo dos seus legais representantes orientações sobre a organização de trabalho e a forma de o executar.

    5) As tarefas concretamente desempenhadas traduziam-se em engomar e lavar vestuário...

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