Acórdão nº 07B4805 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Janeiro de 2008
Magistrado Responsável | SALVADOR DA COSTA |
Data da Resolução | 29 de Janeiro de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA intentou, no dia 25 de Outubro de 2004, contra a Mútua dos Pescadores-Sociedade Mútua de Seguros, SA acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a indemnização de € 798 076,64, acrescida de juros de mora vincendos, com fundamento na perda da sua embarcação JR por afundamento em resultado de fortuna do mar e em contrato de seguro com ela celebrado. Na contestação, a ré impugnou parcialmente a versão dos factos alegada pela autora e as consequências jurídicas pretendidas, afirmando a exclusão da cobertura do seguro por virtude de a tripulação embarcada não respeitar a lotação de segurança fixada para a embarcação, e a barataria do mestre e do chefe de máquinas da embarcação e a exclusão da cobertura do seguro por virtude de o afundamento se ter ficado a dever ao facto dos segundos não terem adoptado uma única providência para o evitar eficazmente, e o autor, na réplica negou a falta de segurança e a barataria.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, no dia 7 de Abril de 2006, por via da qual a ré foi absolvida do pedido, sob o fundamento da falta de prova da ocorrência do sinistro por causa fortuita e por a negligência do mestre da embarcação excluir a responsabilidade contratual da primeira pelos danos em causa.
Apelou o autor, impugnando também a decisão da matéria de facto, e o relator da Relação, por despacho proferido no dia 27 de Fevereiro de 2007, rejeitou, por falta de especificação, o recurso da decisão da matéria de facto com fundamento na prova testemunhal e, quanto ao artigo terceiro da base instrutória, com fundamento na prova documental não especificada, e ordenou a remessa do processo ao tribunal da primeira instância para se pronunciar sobre a arguição da nulidade da sentença, pronúncia que ocorreu.
O apelante reclamou para a conferência do despacho do relator que rejeitou o recurso da decisão da matéria de facto, e a Relação, por acórdão proferido no dia 14 de Junho de 2007, manteve aquele despacho, alterou a decisão da matéria de facto e negou provimento ao recurso.
Interpôs o apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - o acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação na medida em que se limitou a reproduzir a sentença, não considerando os fundamentos alegados pelo recorrente sustentados na prova documental e testemunhal quanto à não estanquicidade das portas do navio, violando o artigo 158º do Código de Processo Civil; - o acórdão recorrido está afectado de erro na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais da causa por falta de fundamentação da decisão, violando os artigos 721º e 722º do Código de Processo Civil; - a conclusão do relatório da Navalárea no sentido da imputação do afundamento da embarcação a actuação humana voluntária não foi alegada nem provada; - a entidade que subscreveu o referido relatório, funcionário da recorrida diz desconhecer a causa do afundamento, pelo que o acórdão recorrido, ao concluir pela barataria do mestre, violou o artigo 664º do Código de Processo Civil; - deverá ser revogado o acórdão por virtude da sua nulidade e condenar-se a recorrida no pedido, por estar provado não se saber a causa do sinistro marítimo, remetendo nos termos das cláusulas gerais da apólice para a mera fortuna do mar prevista no artigo 605º do Código Comercial.
Respondeu a recorrida, em síntese de conclusão de alegação: - o fundamento específico do recurso interposto pelo autor não é a violação da lei substantiva, mas as nulidades processuais, pelo que deve ser rejeitado; - o acórdão recorrido, na perspectiva da matéria de facto e das questões jurídicas tratadas está cabalmente fundamentado, pelo que não ocorre a nulidade invocada pelo recorrente; - o alegado erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso, porque o recorrente não invoca a violação de alguma norma que exija certa espécie de prova para a existência de algum facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova; - a fundamentação de facto e de direito revela tratar-se de um caso de barataria do capitão, nos termos do § 1º do artigo 604º do Código Comercial, o que exclui a responsabilidade da recorrida por constituir causa contratual de exclusão da cobertura do seguro.
II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. A propriedade sobre a embarcaçãoJR, com a matrícula nº VC-000-C esteve registada na Capitania do Porto de Vila do Conde, a favor do autor, entre 30 de Novembro de 2000 e 19 de Abril de 2004.
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O navioJR tinha 14 anos de idade, situando-se a vida útil de navio como ele, em Portugal, entre os vinte e os vinte e cinco anos, e, à data, tinha certificado de navegabilidade válido até 26 de Abril de 2004.
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As fiadas de chapa de maior espessura - 10 milímetros - localizam-se na zona do fundo do navio, e a zona da casa da máquina é dotada de maior reforço estrutural e travamento pela presença das estruturas do fixe do motor principal, as caixas de fundo são construídas em chapa ainda mais espessa do que a do fundo -12,5 milímetros - e o porão do pescado era o maior volume alagável do navio abaixo do convés.
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Abaixo do convés principal, entre as balizas nºs 6 - antepara de ré do porão nº 2 e do túnel do veio - e 34 - antepara de vante da casa da máquina -, os compartimentos susceptíveis de serem isolados em benefício da subdivisão estanque, a saber, a casa da máquina e o conjunto túnel do veio/porão nº 1 e o porão nº 2 encontravam-se em comunicação, passando, por via disso, a constituir um compartimento único.
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O autor, por um lado, e representantes da ré, por outro, declararam celebrar entre si o contrato de seguro do ramo marítimo/casco, tendo por objecto a embarcação JR, com capital seguro total de € 798 076,64, entre 1 de Dezembro de 2003 e 30 de Novembro de 2004, titulado pela apólice n.º 88/000000000, que consta a folhas 110, constituído pela proposta de seguro, condições gerais, especiais e particulares da apólice e respectivas actas adicionais que constam a folhas 105 a 122.
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As cláusulas particulares do contrato mencionado sob 2 reportam-se a ... casco, máquinas e pertences; perda total absoluta ou construtiva por sinistro marítimo, incêndio ou explosão.
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As condições gerais do mencionado contrato envolvem-no, artigo 5º - coberturas - o presente contrato cobre os riscos expressamente referidos nas condições especiais e particulares; artigo 6º - exclusões, artigo 6.1, ficam expressamente excluídas das garantias prestadas por esta apólice as perdas ou danos directa ou indirectamente resultantes de: d) quaisquer factos resultantes da infracção ou inobservância dos regulamentos gerais de navegação e especiais dos portos, capitanias ou outras autoridades marítimas ou de quaisquer outras disposições legais nacionais e internacionais; e) dolo, fraude ou barataria do capitão.
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A porta de comunicação interna entre esses dois porões - estanque à intempérie - estava aberta, e a porta que dava acesso do corredor dos alojamentos para o parque de pesca - estanque à intempérie - estava aberta.
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Acima do convés principal, existia outro compartimento único, desde o limite de ré do volume entre conveses e a baliza nº 39 (antepara de vante dos alojamentos) porque a porta de acesso ao parque de pesca - estanque à intempérie - encontrava-se aberta.
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Os espaços acima e abaixo do convés principal encontravam-se também em comunicação, uma vez que as escotilhas dos porões e a porta estanque de acesso à casa da máquina encontravam-se abertas.
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As escotilhas dos porões - estanques à intempérie - encontravam-se abertas, e os porões - de congelado e empanado - tinham sido lavados e esgotados e as respectivas escotilhas, no parque de pesca, encontravam-se abertas.
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Existia uma porta de comunicação entre o denominado porão de "empanados" - pequeno porão a ré do porão principal - e o porão principal, e também estava aberta e nem o mestre nem o chefe de máquinas deram quaisquer ordens para mandar fechar as portas entre porões, as escotilhas dos porões, a porta do parque de pesca para os alojamentos e...
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