Acórdão nº 07P4560 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Janeiro de 2008
Magistrado Responsável | RAUL BORGES |
Data da Resolução | 23 de Janeiro de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
No processo comum colectivo nº 134/01.4GACSC do 4º Juízo de Competência Especializada Criminal de Cascais foram submetidos a julgamento os arguidos AA, BB, e ainda, acusados em processo apenso, o referido AA, CC e DD.
Por acórdão de 4 de Dezembro de 2003 foram absolvidos os arguidos acusados no apenso; e, no que respeita ao processo principal foi deliberado: 1 - Absolver: 1. 1 - O arguido BB da prática de um crime de roubo, p. p. pelo artigo 210º, nº 1 do Código Penal, relativamente aos factos descritos na alínea A da acusação; 1. 2 - Os arguidos AA e BB, no que respeita ao crime de burla para obtenção de serviços, imputado na acusação sob a alínea C; 2 - Condenar cada um dos arguidos AA e BB, como co-autores materiais de: 2. 1 - Um crime de furto qualificado, p. p. pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea e), do Código Penal, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão; 2. 2 - Um crime de roubo agravado, p. p. pelo artigo 210º, nº 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº 1, alínea b) e nº 2, alínea f) do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.
Operando o cúmulo jurídico destas penas foi cada um dos arguidos condenado na pena única de 4 anos de prisão.
Foi ordenada a passagem de mandados de detenção contra o arguido BB e de condução do mesmo a Tribunal para notificação do acórdão.
O arguido AA recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, que por acórdão de 26-05-2004, negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida.
Entretanto, resultaram infrutíferas as diligências de notificação do acórdão ao arguido BB, pois que o arguido não esteve presente no julgamento, procedendo-se ao mesmo nos termos do artigo 331º, nº 2, do CPP.
Após emissão de mandado de detenção europeu, o arguido foi detido em Espanha em 21 de Setembro de 2007, sendo entregue e apresentado em Tribunal em 8 de Outubro de 2007.
Nesse dia foi notificado do acórdão - fls. 867.
No mesmo dia teve lugar interrogatório, explicando o arguido as razões por que não cumpriu a obrigação de apresentação semanal que lhe foi imposta quando foi substituída a anterior medida de coacção de prisão preventiva a que esteve sujeito.
Foi então determinado que ficasse a guardar os termos do processo em prisão preventiva.
O arguido interpôs recurso, apresentando a motivação de fls. 911 a 926, que remata com as seguintes conclusões: 1 - O arguido foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena de 4 anos de prisão, resultantes de um ano e três meses de prisão, por um crime de furto qualificado, previsto e punível pelo n.º 1 do artigo 203.° e pela al. e) do n.º1 do artigo 204.° do Código Penal, mais três anos e seis meses de prisão por um crime de roubo agravado, previsto e punível pelo n.º 1 do artigo 210.° e pela al. b) elo n.º 2 do mesmo preceito, com referência à ali. b) do n.º 1 do artigo 204.° e à ali. f) do n.º 2 do mesmo preceito, todos do Código Penal.
2 - Com o devido respeito, que é todo e salvo mais apurada sensibilidade jurídica, o Tribunal "a quo" violou: 2.1 - O Princípio da proporcionalidade da pena, conforme previsto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 40° do Código Penal.
3 - Pelo que a aplicação do Princípio patente na sede legal referida em 2.1 deve conduzir a uma atenuação especial da pena que expressamente aqui se requer, suspendendo a execução da pena a aplicar - em obediência ao disposto no n.º 1 do artigo 50.°, reformado pela Lei n.º 59/2007 de 4 de Setembro, que se impõe por força do princípio do tratamento penal mais favorável ao arguido, que se manifesta no n° 4 do artigo 2.° do Código Penal - ou reduzindo a desproporcional medida de 4 anos de prisão.
4 - A idade do arguido, a ausência de antecedentes criminais, quer à data da prática dos factos, quer posteriormente aos mesmos e a sua inserção familiar e social, deverão resultar na especial atenuação da pena a aplicar.
5 - Por se ter constatado o inverso, foram violados os preceitos constantes dos artigos 70.°, 71.° e 72.° do Código Penal.
6 - A especial atenuação da pena que deverá conduzir à suspensão da execução da pena de prisão ou a uma redução do tempo de prisão efectiva a cumprir, apoia-se na expectativa de que o arguido, em face da condenação materializada, tomará consciência da necessidade de fazer uma inversão de comportamento de modo a não incorrer, de futuro, na prática de novos crimes.
7 - Este mesmo princípio encontra suporte em jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.
8 - Assim, diz o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão proferido no processo n.º 2792/02-5.ª Secção, em que foi relator o Excelentíssimo Senhor Conselheiro Simas Santos: "(..) devem atender-se a todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, atendendo somente às razões de prevenção especial. E sendo essa conclusão favorável, o tribunal decidirá se a simples censura do facto e a ameaça da pena bastam para satisfazer as finalidades da punição, caso em que fixará o período da suspensão".
9 - Um outro aspecto há a sublinhar do vertido no acórdão supra referido, que reforça a tese, por nós defendida, da especial atenuação da pena a aplicar ao arguido: "O Supremo Tribunal de Justiça tem doutrinado que, por via de regra, não será possível formar o juízo de prognose favorável de que se falou, em relação ao arguido, não primário, na ausência de confissão aberta onde possam ser encontradas razões da sua conduta e sem arrependimento sincero em que ele pode demonstrar que rejeita o mal praticado por forma a convencer de que não voltará a delinquir se vier a ser confrontado com situação idêntica".
10 - A especial atenuação da pena, tem aplicação dificultada nos casos em que o arguido é já reincidente, porquanto lhe é exigida confissão que convença o julgador, do sincero arrependimento e determinado comprometimento do arguido em não reincidir no comportamento criminoso.
11 - É pois uma posição que tem o seu sentido na depreciação da credibilidade que o arguido sofre, aos olhos de quem o julga, quando aquele já reincidiu, e que, por isso, lhe é exigida uma "prova de crédito", que o faça merecer uma punição especialmente atenuada: 12 - Ora, no caso em apreço, o arguido BB era, à data dos factos, e posteriormente aos mesmos, agente primário, pelo que não terá de passar, necessariamente, por esse mesmo "crivo de credibilidade", para que seja habilitado a uma medida de pena especialmente atenuada.
13 - Ainda que, obviamente, o arrependimento expresso do arguido tenha sempre relevância na determinação de pena, independentemente de ser primário ou não! 14 - Contudo, a nosso ver, a violação do Princípio da proporcionalidade não se esgota no vertido nos pontos 2º a 13º destas Conclusões.
15 - Na realidade, é nosso entendimento que a violação do Princípio se manifestou também nas medidas de pena que foram aplicadas, respectivamente, aos arguidos BB e AA.
16 - De facto, ao contrário do arguido BB, o arguido AA reincidiu em quatro ocasiões posteriores à data dos factos que o condenaram a ele e àquele, em co-autoria material.
17 - Porém, o douto acórdão de que ora recorremos, aplicou a ambos os arguidos, em cúmulo jurídico, a mesma pena de prisão efectiva de 4 anos.
18.1 - O arguido AA reincidiu, e desse modo mostrou falta de consciência quanto à necessidade de adequar o seu comportamento ao Direito e a uma vida socialmente incensurável.
18.2 - O arguido BB não reincidiu, e desse modo mostrou consciência quanto à necessidade de adequar o seu comportamento ao Direita e a uma vida socialmente incensurável.
19 - Ora, e salvo melhor sensibilidade jurídica, é nosso entendimento que, sendo distintas as posições, respectivamente, de um e outro arguido, também necessariamente a pena a aplicar a cada um deveria ser distinta, se esse facto tivesse tido relevância na determinação das penas oferecidas a cada um.
20 - Pois se assim tivesse acontecido, seguramente a arguida BB teria sofrido uma medida sancionatória menos gravosa do que a que se aplicou ao arguido AA, 21 - Uma vez que, entre outros pressupostos a ter em conta, ter-se-ia de fazer a distinção de personalidades respectivamente de um e outro arguido.
22 - Em nosso entender, e com o devido respeito pelo Tribunal "a quo", este ao não ter procedido dessa forma, e consequentemente, ter aplicado a mesma medida penal a ambos os arguidos, acabou por determinar, para o arguido BB, uma pena desproporcional ao seu caso concreto.
23 - Finalizando as conclusões aqui trazidas, impõe-se referir que o arguido era primário, quer à data dos factos, quer posteriormente aos mesmos, está inserido familiar e socialmente, pois tem uma ocupação profissional em Espanha, onde vive com a sua companheira, e que esta evidente reintegração social, manifestada pelo arguido, se perderá se o mesmo não for devolvido à liberdade.
24 - Perdendo-se, desse modo, o objectivo re-socializante visado na aplicação das penas, conforme preceitua o n.º1 do artigo 40.º do Código Penal.
suspendendo a execução da pena de prisão a que o arguido foi condenado ou reduzindo a medida concreta da mesma, condicionando a requerida suspensão de execução, se assim entenderem ser o caso, a deveres, regras de conduta e regime de prova, atento o disposto nos artigos 51.°, 52.° e 53.° do Código Penal.
O Mº Pº apresentou a resposta de fls. 941/2, dizendo nada ter a opor à pretensão do recorrente e concluindo: 1 - O recorrente, que foi condenado na pena de 4 anos de prisão, pretende a suspensão da execução da pena, face às recentes alterações introduzidas pela lei 59/2007, de 4 de Setembro, no que tem razão e o MºPº nada tem a opor.
2 - Aliás, se tivesse deixado transitar o acórdão da 1ª instância, poderia obter exactamente o mesmo resultado com a reabertura da audiência, nos termos da norma do art. 371-A do CPP introduzida pela lei 48/2007, de 28 de Agosto, e porventura com maior...
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