Acórdão nº 07B4123 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Dezembro de 2007

Magistrado ResponsávelALBERTO SOBRINHO
Data da Resolução18 de Dezembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório Empresa-A- CONSTRUTORA, LDª, intentou, a 5 de Novembro de 2004, por apenso ao processo de falência, a presente acção declarativa, com processo sumário, contra - a massa falida da sociedade Empresa-B, LDª; - Empresa-C, SA,; - BANCO Empresa-D, SA; - BANCO Empresa-E, SA; - BANCO Empresa-F, SA; e - AA, pedindo que se reconheça que: - a falida Empresa-B, LDA não cumpriu a obrigação de lhe vender doze fracções autónomas, outorgando e assinando a escritura notarial de venda e ou transmissão do direito de propriedade de todas e cada uma dessas fracções; - goza do direito de retenção sobre todas e cada uma dessas fracções autónomas e que esse direito de retenção lhe garante, em alternativa, quer o direito à execução específica quer, no caso de essa execução lhe não se reconhecida, o pagamento do direito de indemnização a que alude o art. 442° do C.Civil; - esse direito de retenção subsiste, no primeiro caso, até ao registo definitivo da aquisição da propriedade das fracções a seu favor e do cancelamento dos ónus inscritos sobre as mesmas, e, no segundo caso, até ao pagamento da indemnização; - decretar-se a execução específica, a seu favor, como promitente compradora, do contrato promessa invocado e, em consequência: a) declarar-se transmitido para si o direito de propriedade de todas e cada uma das fracções autónomas identificadas ou, tão só declarar-se essas fracções vendidas a seu favor; b) verificar-se e declarar-se a separação ou exclusão dessas fracções da massa falida; c) determinar-se o cancelamento das inscrições C-l e F-l; sobre todas e cada uma das referidas fracções.

subsidiariamente - ser-lhe reconhecido o direito a ser reembolsada, a título indemnizatório pelo não cumprimento do contrato promessa, e receber da massa falida, o dobro do valor pago por cada uma das fracções autónomas, no total global de € 2.249.578,50; - ser o crédito a essa quantia reconhecido, graduado e pago pelo produto da venda das referidas fracções, no respeito pelo privilégio e/ou preferência inerente ao seu direito de retenção e, pelo valor que eventualmente exceda aquele produto, pelo produto dos demais bens atento o lugar que aí lhe competir; - para o caso de se vir a decidir que não lhe assiste o direito a receber em dobro as quantias mencionadas, deve então a massa falida ser condenada a pagar-lhe as mesmas quantias em singelo, no total global de € 1.124.789,25, nos mesmos termos e condições referidas; - sempre e em qualquer caso deve reconhecer-se-lhe o direito de recusa de entrega das fracções e de se manter na sua posse e detenção até ao trânsito da sentença que vier a recair sobre este pedido e ao seu integral cumprimento, com o pagamento das quantias fixadas nos termos peticionados.

Para fundamentar a sua pretensão invoca, no essencial, a celebração de um contrato-promessa com a falida tendo por objecto doze fracções autónomas, contrato que depois a falida se recusou a cumprir.

Contestaram os réus Banco Empresa-D, Empresa-C e Banco Empresa-E, alegando, em síntese, não existir na esfera jurídica da autora um direito de crédito decorrente de contrato-promessa e que a autora nunca exerceu qualquer direito sobre as fracções prediais, pelo que não lhe podia ser reconhecido direito de retenção sobre elas.

Replicou a autora para manter a posição inicialmente assumida e ampliar o pedido no sentido de, a improceder totalmente a acção, ser declarada a resolução de permuta por si invocada na petição, ampliação esta não admitida.

Saneado o processo e seleccionados os factos que se consideraram assentes e os controvertidos, prosseguiu o processo para julgamento.

Na sentença, subsequentemente proferida, foi a acção julgada parcialmente procedente e condenada a massa falida a pagar à autora a quantia de € 1.124.789,25 e a reconhecer que este montante está garantido pelo direito de retenção, graduando-se e pagando-se pelo produto da venda das fracções em causa e, pelo valor que exceda aquele produto, pelo produto dos demais bens, como crédito comum, mantendo-se o direito de retenção até à obtenção do pagamento daquela quantia.

Inconformados quanto ao assim decidido, apelaram os réus contestantes, bem como a massa falida e, subordinadamente, a autora, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra confirmado a sentença recorrida, com remissão para os seus fundamentos, mas mantendo a posse retentória apenas até à sentença de graduação de créditos.

De novo irresignados, recorrem agora de revista os réus Banco Empresa-D, Empresa-C e Banco Empresa-E para este Tribunal, continuando a pugnar pela improcedência da acção.

Contra-alegou a autora em defesa da manutenção do decidido.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir II. Âmbito do recurso A- De acordo com as conclusões com que rematam as suas alegações, o inconformismo dos recorrentes radica, em síntese, no seguinte: recorrentes Banco Empresa-D e Banco Empresa-E (ainda que apresentando alegações separadamente elas coincidem totalmente) 1- Ao reconhecimento de um direito de retenção impõe-se que o seu titular use e frua do bem, e que o utilize em seu benefício, em função da sua finalidade ou utilidade.

2- Os factos provados não preenchem os pressupostos exigíveis legalmente para o reconhecimento do direito de retenção.

3- E a entrega das chaves de um imóvel representa apenas uma entrega simbólica, não podendo esta consubstanciar quaisquer actos materiais de posse.

4- Com a figura do direito de retenção pretendeu a lei acautelar o promitente-comprador isolado, incauto e de boa-fé que, em face do incumprimento do promitente vendedor, se via desprotegido em face dos credores hipotecários.

5- No caso concreto o autor foi alertado para os riscos do negócio efectuado, prevendo-se, inclusivamente, no contrato a entrega de garantias bancárias que lhe poderiam conferir protecção, sendo certo que o mesmo não as veio a exigir.

6- Os contratos-promessa celebrados, face ao seu teor, não configuram a existência de um verdadeiro contrato-promessa de compra e venda, nos termos constantes do art° 410.° e segts. C.Civil.

7- Além serem nulos por preterição de formalidade essencial que a lei prescreve, nos termos do disposto no art. 410°, nº 3 do C.Civil, porquanto as assinaturas não se encontram reconhecidas notarialmente, não contendo também a indicação da existência de construção.

8- O acórdão recorrido violou as disposições legais contidas nos art. 754° e segts., 442.°, 410.° e segts, nomeadamente o Art.° 410, n° 3, 1263.° e 371.°, todos do Código Civil.

recorrente Empresa-C 1- A situação fáctica retratada revela que a falida Empresa-B, Ldª, era a única, legítima e exclusiva titular do direito de propriedade sobre os prédios em questão.

2- A ora recorrente constituiu e registou as suas garantias quando se verificava total ausência de ónus ou encargos sobre o prédio denominado como Lote n° 4, partindo do pressuposto de que a escritura de compra e venda retratava a vontade das partes, não imaginando que a mesma tinha subjacente uma "vontade simulada".

3- Atento o princípio da tutela dos terceiros de boa fé à luz do registo predial, não deveria ao crédito da autora ser reconhecido o direito de retenção, o qual lhe confere prioridade relativamente aos créditos da ora recorrente.

4- Mesmo admitindo que a autora detém sobre a falida um crédito, tal crédito não resulta de incumprimento de um qualquer contrato-promessa, mas sim do preço resultante da compra e venda dos lotes de terreno.

5- É que, não obstante autora e falida terem denominado o contrato como "promessa de compra e venda", a realidade é que nem a autora pretendia comprar, nem a falida pretendia vender, tanto mais que não houve qualquer troca de dinheiro.

6- Além do mais, não era intenção da autora fazer ingressar na sua esfera jurídica as fracções em causa, mas apenas receber o produto da venda das mesmas à medida que a falida fosse realizando as escrituras com os (verdadeiros e reais) promitentes-compradores.

7- Desta forma, não tem aqui aplicação o disposto na al. f) do art° 755° do Código Civil, norma esta que tem o seu âmbito limitado às situações de incumprimento de contrato promessa de compra e venda, havendo tradição do objecto do contrato e, no caso em apreço, está em causa a falta de pagamento do preço da compra e venda.

8- E um entendimento de tal forma extensivo da norma contida na aludida al. f) é claramente inconstitucional porque violador do princípio da igualdade ínsito no art° 13° da Lei Fundamental.

9- Mostram-se assim violados os arts. 755°,al. f) C.Civil, 7º C.R.Predial e 13º Constituição da República.

B- Face ao teor das conclusões formuladas, delimitativas do âmbito do recurso, a verdadeira questão controvertida que delas emerge reconduz-se, essencialmente, a averiguar se os factos provados preenchem ou não os pressupostos exigíveis para o reconhecimento do direito de retenção.

Mas a decisão desta questão passa pela apreciação prévia da seguinte problemática: - existência de contrato-promessa; - validade deste contrato; - tradição da coisa para o promitente-comprador; - inconstitucionalidade da norma vertida na al. f) do nº 1 do art. 755º C.Civil.

  1. Fundamentação A- Os factos No acórdão recorrido deram-se como assentes os seguintes factos: 1. A autora tem como objecto social o exercício da actividade de construção civil e industrial, urbanizações, loteamentos, compra e venda de terrenos, empreendimentos turísticos e hoteleiros e sua comercialização.

    1. A falida dedicava-se à actividade de construção civil, designadamente de habitações para posterior revenda.

    2. A autora era proprietária dos seguintes lotes destinados a construção, situados nas Ruas da ... e ..., na cidade, freguesia e concelho de Oliveira de Azeméis: --LOTE UM: com a área de 520 m2, a confrontar do norte com lote nº 2, sul e nascente com acesso comunitário e poente com a Rua António Pinto de Carvalho, inscrito na matriz urbana sob o artigo nº 3645 e descrito na Conservatória do Registo Predial...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT