Acórdão nº 07A4160 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Dezembro de 2007
Magistrado Responsável | FONSECA RAMOS |
Data da Resolução | 13 de Dezembro de 2007 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA e BB intentaram, em 6.4.2004, pelas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa - 4ª Vara - acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra: - F....-C.... de C.... Ldª.
- O.... P.....-C..... e I..... de V....., U..... Ldª.
Pedindo a condenação das rés a entregar aos autores uma viatura nova ou a indemnizá-los em quantia equivalente, bem como no pagamento do montante de € 7.500,00, a título de danos não patrimoniais.
Alegam, em síntese, que, em 09.10.00, adquiriram, novo, na ré "F....", o veículo de marca Opel, modelo Frontera, com a matrícula ...-...-QJ, pelo preço de € 29.149,58.
Essa viatura, considerada topo de gama, apresentou vários defeitos desde a data da sua aquisição, o que originou imensos transtornos.
De todos esses defeitos a ré "O..." só reconheceu a deficiência na bóia do combustível.
Os autores perderam a confiança em tal viatura, o que muito veio a afectar as suas vidas, sendo que chegaram a ficar parados no meio da via, devido à imobilização súbita do veículo em questão, necessitando de chamar um reboque.
Enquanto a sua viatura estava a ser reparada, as rés nem sempre forneceram outro veículo de substituição. Os autores tiveram muitos incómodos com toda esta situação. O autor começou a ficar muito nervoso, o que afectou a harmonia do casal.
Em contestação, a ré "F...." defende-se por excepção, sustentando que os autores não voltaram a aparecer nas suas oficinas, reclamando a reparação de avarias, a partir de 25.05.01, passando a deslocar-se à "L..., U.... de A.... S.A.", o que determinou a caducidade do direito que invocam.
Por impugnação, refere que o veículo em questão não é considerado topo de gama, sendo um "todo-o-terreno" de gama alta.
As anomalias invocadas pelo autor foram devidamente reparadas.
Em contestação, a ré "O...P...." arguiu a nulidade da produção antecipada de prova, por não se ter verificado o contraditório, bem como, a nulidade da petição inicial no que concerne aos factos atinentes a tal prova.
Impugnando os factos articulados pelos autores, refere que as reclamações apresentadas pelos autores carecem de fundamento. Só a bóia de combustível é que estava avariada e, por isso, foi substituída.
Verificou-se apenas desgaste do material decorrente da utilização do dito veículo.
Na réplica, os autores defendem a inexistência das excepções invocadas pelas rés e pedem a condenação da ré "F...." como litigante de má-fé, em multa e indemnização.
Por despacho, transitado em julgado, foi julgada procedente a referida nulidade suscitada pela ré "O.... P...." sendo, consequentemente, inoponível a esta ré a aludida produção de prova.
Foi proferido despacho saneador, com selecção da matéria de facto assente e da que constitui a base instrutória, tendo sido relegada para final o conhecimento da excepção da caducidade.
*** A final foi proferida sentença, julgando-se procedente, por provada, a excepção da caducidade, relativamente à ré "F...", pelo que se absolveu esta ré do pedido.
Julgou-se a acção improcedente, por não provada, e, consequentemente, absolveu-se a ré "O... de P...." do pedido.
*** Inconformados, os AA.
recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por Acórdão de 19.4.2007 - fls. 380 a 410 - negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida.
*** De novo inconformados recorreram para este Supremo Tribunal e, nas alegações apresentadas, formularam as seguintes conclusões: 1. De acordo com a prova produzida nos autos dúvidas não podem subsistir que se discutem na presente causa defeitos de origem que nunca foram devidamente sanados, mas sempre foram reclamados, tanto perante a O....P..... como perante a F.....
-
A falta de reparação adequada, que permita ao veículo funcionar e circular sem apresentar problemas como se estivesse nas condições normais de aquisição de um veículo novo, em termos práticos equivale a uma falta de reparação.
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Os Autores reclamaram os defeitos da viatura desde o início, que são precisamente os mesmos relativamente aos quais foi intentada a acção ora recorrida.
Diga-se que se os Autores vieram requerer a entrega de uma viatura equivalente e não a reparação da viatura constante dos autos, tal deve-se ao facto dos defeitos desde sempre denunciados, ou seja, originais de fabrico, nunca terem sido devidamente sanados, ainda que as Rés tenham procedido à reparação da viatura por diversas vezes.
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A venda de coisa defeituosa vem regulada especificamente nos artigos 913° e ss do Código Civil, consagrando a chamada garantia edilícia, que protege o comprador contra os defeitos essenciais da coisa vendida.
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Os Autores apenas subsidiariamente e perante a constatação inequívoca da inadequada reparação solicitaram a entrega de um veículo novo em substituição do adquirido.
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Foram feitas várias diligências infrutíferas pelos Autores junto das Rés no sentido da resolução dos problemas originais.
Acresce que a reclamação que data de 29 de Abril de 2001 mais não é que um acto de desespero dos Autores no sentido de ultimar de uma vez por todas a resolução consensual do assunto, que até ao momento não tinham logrado obter, sendo esta reclamação escrita uma advertência para a via judicial, tendo as Rés procedido ainda a reparações no veículo, que se materializou numa Produção Antecipada da Prova, a qual deu entrada no Tribunal em 12 de Julho de 2002.
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Necessário é salientar que se os Autores não intentaram antes a acção, tal deveu-se ao facto das Rés sempre terem reparado a viatura e de se terem vindo a verificar sucessivas falhas no que respeita às reparações efectuadas, ou seja, os defeitos da viatura nunca foram solucionados pelas Rés.
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Contrariamente ao alegado pelas Rés e que o douto Tribunal considera provado, a denúncia dos defeitos foi oportuna e tempestivamente efectuada junto das Rés em várias datas, algumas anteriores à de 29 de Abril de 2001, outras posteriores, foram feitas várias reparações da viatura e depois dessas reparações a viatura voltou a evidenciar os mesmos problemas devendo ser, por isso, a excepção da caducidade deduzida considerada improcedente.
-
Saliente-se que o Relatório Pericial apenso aos autos não foi devidamente valorado na decisão da causa, sendo que não foi contestado por qualquer meio idóneo admissível, nomeadamente contra peritagem. Refiram-se, assim, as conclusões apresentadas de forma inequívoca no ponto 3 de onde se ressalva "... em termos gerais, os peritos podem concluir que o O.P. (objecto de perícia) se encontra defeituoso pois apresenta deficiências intoleráveis para uma viatura deste tipo, preço e idade, adquirido directamente de um concessionário de marca, em estado novo (...) "considerando todos os incómodos já causados ao comprador e a falta de confiança do proprietário do veículo em apreciação seria desejável que as Rés, procedessem à substituição imediata do veículo, por outro igual ou congénere, ou que os AA. fossem adequadamente indemnizados, de algum modo, pelos prejuízos, inconvenientes e incómodos a que foram sujeitos pelas sucessivas avarias.".
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Ao decidir conforme decidiu o Tribunal "a quo" não aplicou devidamente os preceitos legais no que se refere à venda de coisas defeituosas (artigo 913° e ss do Código Civil).
Termos em que deve ser reconhecido provimento ao presente recurso, sendo, em consequência, revogada a douta sentença recorrida.
A "F..." contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão.
*** Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos: 1) - Os autores celebraram, no dia 09.10.00, um contrato de compra e venda do veículo de marca Opel, modelo Frontera, com a matrícula ...-...-QJ, no valor total de € 29.149,58; 2) - O autor escreveu à Opel Alemã, uma carta, datada de 29.04.01, mencionando que tinha adquirido a dita viatura e que teve logo problemas com o computador de bordo, pois vinha avariado, o que o obrigou a três deslocações à ré "F...", para descobrirem o problema; posteriormente, o motor passou a verter óleo pela cabeça e pela junta do cárter; os faróis metiam água no interior; o vidro da porta esquerda fecha mal; o velocímetro por vezes não funciona; a pintura do capot está defeituosa; o fecho do capot abre mal; existem pontos de ferrugem por debaixo da viatura; termina exigindo um veículo novo; 3) - A ré "O... P....", por carta de 17.05.01, escreveu ao autor, informando-o de que não existe qualquer fuga de óleo pela junta da cabeça do motor, existindo uma humidade derivada da condensação do próprio óleo, sendo uma humidade viscosa; 4) - Por fax, de 21.05.01, o autor escreveu à ré "O... P...", solicitando o parecer escrito do técnico relativamente à dita ferrugem; 5) - Por fax, de 04.04.02, o autor escreveu à ré "F...." solicitando o envio, por escrito, de todas as intervenções e reparações que a dita viatura tivera; 6) - Por fax, de 05.04.02, o autor escreveu à ré "O... P...." reclamando uma viatura nova, em substituição da mencionada, face aos defeitos encontrados; 7) - Por fax, de 07.04.02, o autor escreveu à "L....." informando-a de que, por duas vezes consecutivas, e após a dita viatura sair das instalações daquela, parou em plena via, uma das vezes por falta de ligação dos tubos do depósito e na outra, porque os tubos estavam ligados ao contrário; 8) - Por fax, de 07.04.02, o autor escreveu à "L...." mencionando que existe uma falha no computador do dito veículo, o desembaciador traseiro não funciona, no cinto de segurança do condutor a mola "pasmou", os faróis de longo alcance ainda não funcionam, o motor continua a verter óleo, os vidros fecham mal, o rádio está avariado, o velocímetro está estragado; 9) - Por carta de 20.06.02, a ré "O.... P....." escreveu à Sr.ª Advogada do autor comunicando-lhe que este havia apresentado sucessivas reclamações, algumas das quais sem qualquer fundamento técnico, como sejam as relacionadas com a humidade nos faróis, ferrugem no ferrolho da bagageira, ferrugem nas borrachas das portas, valvolina...
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