Acórdão nº 07B4321 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Dezembro de 2007

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução04 de Dezembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA e BB intentaram, no dia 9 de Junho de 2005, contra o Baldio da Freguesia de Cortes do Meio, acção declarativa constitutiva, com processo ordinário, pedindo a declaração de terem adquirido, por acessão industrial imobiliária, a área de cento e oitenta e três metros quadrados do baldio da freguesia de Cortes do Meio, Penhas da Saúde, na qual construíram identificado prédio urbano e de serem donos e legítimos possuidores da referida parcela de terreno, bem como da construção que nela implantaram e o seu direito a registarem a seu favor a área de terreno que adquiriram bem como a construção que nela incorporaram, sob o fundamento de a edificação, construída de boa fé, valer mais do que o terreno em que está implantada.

Requereram também a notificação do réu para receber deles directamente o valor do terreno no montante de € 5 490.

O réu não contestou a acção, foram declarados assentes determinados factos, os autores alegaram, e, no dia 27 de Outubro de 2005, foi proferida sentença, por via da qual o réu foi absolvido do pedido com fundamento na caducidade do direito de accionar.

Interpuseram os autores recurso de apelação, e a Relação, por acórdão proferido no dia 5 de Junho de 2007, negou provimento ao recurso com idêntico fundamento.

Interpuseram os apelantes recurso de revista, formulando, em síntese útil, as seguintes conclusões de alegação: - a Lei nº 68/93, de 4 de Setembro, visou devolver às assembleias de compartes a gestão dos baldios, colocando na sua esfera jurídica a competência para decidir sobre eles; - o prazo do nº 2 do artigo 39º da Lei nº 68/93, de 4 de Setembro, não é de caducidade excluída da disponibilidade das partes, designadamente da assembleia dos compartes; - a assembleia de compartes é quem tem o poder de gestão dos baldios e de decidir se a construção deve ou não ser legalizada, conforme for o seu interesse, sob pena de a interpretação da lei ser desconforme com a Constituição; - ela pode usar ou não da faculdade de impedir a legalização e obter a reversão das construções conforme o seu interesse, interpretação da lei que melhor se coaduna com o espírito do legislador e a Constituição; - o acórdão violou, por deficiente interpretação, os artigos 39º, nº 2, da Lei nº 68/93 de 4 de Setembro, com as alterações da Lei nº 89/97 de 30 de Julho, 9º do Código Civil e 2º, 3º, nº 1 e 2 e 82º, nº 4, alínea b) da Constituição.

II É a seguinte a factualidade considerada no acórdão recorrido: 1. O Conselho Directivo é o Órgão Executivo do Baldio da Freguesia de Cortes do Meio, concelho da Covilhã, que vem administrando o baldio da respectiva comunidade local.

  1. A zona das Penhas da Saúde, sita na Serra da Estrela, onde existe uma zona de baldio, está integrada na área administrativa da freguesia de Cortes do Meio.

  2. A Junta de Freguesia de Cortes do Meio vinha, há mais de 100 anos, administrando toda a zona de baldios das Penhas da Saúde, administração que detinha à data da entrada em vigor da Lei nº 68/93, de 4 de Setembro, e que transferiu, após a sua constituição, para os órgãos do baldio - a assembleia de compartes e o conselho directivo.

  3. A administração de tal baldio pela Junta de Freguesia de Cortes do Meio foi objecto de reconhecimento pelo Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão proferido no dia 14 de Dezembro de 1994.

  4. Os autores construíram no dito baldio da freguesia de Cortes do Meio uma casa de habitação de pedra, tijolo, madeira e zinco, com sessenta e três metros quadrados de área coberta e logradouro de cento e vinte metros quadrados, composta de rés-do-chão, com uma divisão assoalhada, cozinha e casa de banho, que confronta a norte e nascente com terrenos da Junta de Freguesia de Cortes, do sul com CC e do poente com a via pública, não descrita na conservatória do registo predial, inscrita na matriz urbana da freguesia de Cortes do Meio sob o artigo 641º, em cuja caderneta predial consta ser a autora titular da casa.

  5. A construção mencionada sob 5 foi efectuada fora do limite da povoação de Cortes do Meio, não confronta com esta nem com outra zona urbana, e foi autorizada pela Junta de Freguesia de Cortes do Meio, na altura entidade administrante do baldio, e posteriormente, pelo Conselho Directivo do Baldio, tendo sido reconhecida a área de cento e oitenta e três metros quadrados como necessária para a implantação da edificação.

  6. Reveste as características de solidez e conforto de uma qualquer casa de habitação, e está de tal forma ligada ao terreno que passaram a formar um conjunto impossível de desligar sem a destruição e inutilização da construção.

  7. Os autores têm vindo a usar, fruir e habitar em nome próprio a referida casa, há mais de vinte anos, usufruindo-a como coisa própria sua, assim procedendo de forma pública, pacífica, continuamente, sem oposição de ninguém, de boa fé, com conhecimento anteriormente pela Junta de Freguesia de Cortes do Meio e, presentemente, pelo Conselho Directivo do Baldio de Cortes do Meio.

  8. Antes da construção eram aqueles terrenos escarpados, agrestes e irregulares, em que a própria vegetação não abundava, pobres, impróprios para culturas, não comportando mais de um ou dois dias de pastorícia por ano.

  9. A referida construção tem um valor no mínimo de vinte mil euros, e o terreno por ela ocupado não terá valor superior a € 30 por metro quadrado - € 5 490 o lote objecto desta acção - e, reportado à data construção, esse valor é inferior.

  10. É impossível repor o terreno ocupado no seu estado anterior, está absolutamente inutilizado para qualquer uso como baldio, constituindo um todo inseparável de terreno e respectiva construção, tendo o novo bem ficado com um valor superior ao que o terreno tinha antes da construção.

  11. A Junta de Freguesia de Cortes do Meio e o Baldio, este através dos seus órgãos representativos, designadamente o Conselho Directivo, sempre reconheceram os autores como donos da casa por eles construída.

    III A questão essencial decidenda é a de saber se deve ou não declarar-se terem os recorrentes adquiriram o direito de propriedade do terreno onde implantaram a casa em causa.

    Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação dos recorrentes, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática: - síntese do quadro de facto relevante; - síntese geral do regime legal dos baldios; - síntese do regime regularização das construções irregulares; - ocorrem ou não os requisitos de aquisição do direito de propriedade em causa? - caducou ou não o direito de acção dos recorrentes? - é ou não a caducidade do referido direito de acção de conhecimento oficioso? - síntese da solução para o caso decorrente dos factos provados e da lei.

    Vejamos, de per se, cada uma das referidas subquestões.

  12. Comecemos pela síntese do quadro de facto relevante no recurso.

    Autorizados pela Junta de Freguesia...

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