Acórdão nº 07P3296 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Novembro de 2007

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução08 de Novembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

O Tribunal Colectivo da 9ª Vara Criminal de Lisboa (2.ª Secção, proc. nº 1469/02.4JFLSB) decidiu por acórdão de 24.5.2007, com um voto de vencido: - Condenar o arguido AA pela prática de um crime de burla qualificada na forma continuada dos art.ºs 30.º, 217.º e 218.º, n.º 2, al. a) do C. Penal na pena de 6 anos de prisão; - Julgar procedente o pedido de indemnização civil apresentado pelo Ministério Público e, em consequência, condenar o arguido a pagar à demandante A Direcção-Geral de Protecção Social aos Funcionários Públicos e Agentes da Administração Pública, a quantia de 3.921.198,00 €, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados a partir da data da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.

Recorreu o Ministério Público suscitando a questão da qualificação jurídica da conduta: crime continuado ou concurso de crimes, e pedindo a alteração da punição em função da alteração decorrente.

Respondeu o arguido, concluindo pela manutenção da qualificação jurídica efectuada, sem prejuízo da matéria do seu próprio recurso.

Inconformado recorre também o arguido, que impugna a medida da pena, a condenação no pagamento da indemnização e o perdimento dos bens a favor do Estado.

Respondeu o Ministério Público que concluiu pela improcedência de tal recurso.

Distribuídos os autos neste Supremo Tribunal de Justiça, teve vista o Ministério Público.

Colhidos os vistos, teve lugar a audiência. Nela o Ministério Público junto deste Tribunal acompanhou o recurso do Ministério Público, concluindo como nele e pronunciou-se pelo improvimento do recurso do arguido. A defesa reafirmou a posição assumida na motivação de recurso e defendeu o improvimento do recurso do Ministério Público.

Cumpre, assim, conhecer e decidir.

2.1.

E conhecendo.

É a seguinte a factualidade apurada.

Factos provados Missão e Funcionamento da Direcção-Geral de Protecção Social aos Funcionários Públicos e Agentes da Administração Pública (ADSE) 1º - A Direcção-Geral de Protecção Social aos Funcionários Públicos e Agentes da Administração Pública, que se passará a designar apenas por ADSE, é um serviço do Ministério das Finanças integrado na administração directa do Estado, dotado de autonomia administrativa.

  1. - A ADSE tem por missão, além do mais, assegurar a protecção aos seus utentes nos domínios da promoção da saúde, prevenção da doença, tratamento e reabilitação.

  2. - São beneficiários da ADSE os funcionários ou agentes do sector público administrativo ou do sector público empresarial ou trabalhadores do sector privado, no activo ou em situação de aposentação (beneficiário titular), ou respectivo familiar ou equiparado, inscritos na ADSE, destinatários dos benefícios de protecção geridos por este serviço.

  3. - Existem diversos tipos de beneficiários da ADSE, identificados pelas siglas a seguir enumeradas: · AA - Aposentado dos Açores; · AM - Aposentado da Madeira; · AC - Beneficiários titulares no activo e/ou familiares, cujos encargos com a saúde, com excepção da comparticipação de medicamentos, são suportados pelos orçamentos dos serviços processadores aos quais os beneficiários titulares pertencem através do pagamento à ADSE de uma capitação por beneficiário inscrito; · AP - Aposentados e respectivos familiares, cujos encargos são suportados pelo Orçamento do Estado; · CA - Corpo Administrativo, beneficiários titulares no activo e/ou familiares, cujos encargos com a saúde, com excepção da comparticipação de medicamentos, são suportados pelos orçamentos das autarquias locais; · AO - Organismo autónomo, beneficiários titulares no activo e/ou familiares, cujos encargos com a saúde, com excepção da comparticipação de medicamentos, são suportados pelos orçamentos dos serviços processadores aos quais os beneficiários titulares pertencem; · RA - Beneficiários titulares no activo da Administração Pública regional dos Açores e respectivos familiares; · RM - Beneficiários titulares no activo da Administração Pública regional da Madeira e respectivos familiares; · SS - Serviços Simples, os beneficiários dos serviços da administração directa do Estado, cujos encargos são suportados pelo Orçamento do Estado, através da ADSE.

  4. - A ADSE prossegue a sua missão estabelecendo dois tipos de regimes com outras entidades: · Regime Livre - Entidades, singulares ou colectivas, do sector privado, com as quais a ADSE não celebrou qualquer convenção, acordo ou contrato, e que prestam cuidados de saúde a beneficiários da ADSE.

    O beneficiário paga directamente à entidade a totalidade da despesa, sendo posteriormente reembolsado pela ADSE até um determinado montante; · Regime Convencionado - Convenções, acordos ou contratos celebrados entre a ADSE e entidades, singulares ou colectivas, do sector privado, cujo objecto é a prestação de cuidados de saúde nas áreas neles fixadas a beneficiários da ADSE.

    Os encargos relativos aos cuidados de saúde prestados pelas entidades convencionadas a cargo da ADSE são facturados directamente pela entidade convencionada a este serviço.

  5. - A facturação do regime convencionado é mensalmente, entregue, por todos os convencionados do país nas instalações da ADSE sitas na Praça de Alvalade, nº ..., em Lisboa.

  6. - Depois de recepcionada, a facturação é remetida à Direcção de Serviços de Prestadores de Cuidados de Saúde, localizada nas mesmas instalações da Praça de Alvalade, os quais, efectuam o tratamento de toda a facturação, em termos informáticos.

  7. - De acordo com esse tratamento, fazem constar no ficheiro de cada beneficiário a data da consulta ou do tratamento/exame, excepto relativamente aos beneficiários SS e AP.

  8. - A comparticipação destes últimos é paga pelo Orçamento Geral do Estado e a introdução dos dados é efectuada num único ficheiro, conhecido como "beneficiário fictício" e não individualmente em ficheiro de cada beneficiário.

  9. - No que diz respeito a estes beneficiários (SS e AP) os serviços da ADSE verificam apenas a validade formal dos documentos em suporte de papel, nomeadamente, se, 11º - Os documentos relativos às consultas ( Modelos 14) se encontram integralmente preenchidos (nome do médico, especialidade, data e local da consulta, encargos, nome e número de beneficiários) e se estão assinados pelo médico e beneficiário.

  10. - Quanto aos exames a comparticipar, verificam se a respectiva prescrição médica está integralmente preenchida e assinada pelo médico prescritor e, se no verso, contém as assinaturas do beneficiário e do médico que realizou o exame prescrito, bem como se consta a data do exame e montante a suportar pela ADSE e pelo beneficiário.

  11. - Quanto aos tratamentos de fisioterapia, verificam se a prescrição está integralmente preenchida (nome e número de beneficiário, tratamentos e assinatura do médico prescritor) e se, no verso da prescrição médica, constam tantas assinaturas do beneficiário quanto o número de tratamento prescritos, data dos tratamentos e o nome do médico prescritor.

  12. - Bem como os códigos dos tratamentos e montantes a suportar pela ADSE e pelo beneficiário.

  13. - Se todos estes elementos estiverem formalmente correctos, os elementos neles constantes são aceites como verdadeiros e os dados são informaticamente lançados no ficheiro "beneficiário fictício".

  14. - Deste modo, não é efectuado, nem possível, o controlo individual das despesas médicas e de meios complementares de diagnóstico apresentadas por um determinado beneficiário (SS ou AP) ou por um determinado estabelecimento ou médico convencionado.

  15. - Assim, mesmo que, em nome de um beneficiário (SS ou AP), fossem apresentados para comparticipação um número muito elevado e invulgar de consultas, exames ou tratamentos de fisioterapia, ou ocorresse um aumento invulgar de facturação de um convencionado, o funcionamento dos serviços da ADSE não permitiam, entre 1998 a 2002, detectar esta situação.

  16. - De igual modo, relativamente aos outros beneficiários, os serviços da ADSE apenas efectuavam o tratamento informático e documental das prescrições remetidas para comparticipação.

  17. - Depois de efectuado o referido tratamento informático, é dada a ordem de pagamento, que é remetida para a Direcção de Serviços de Gestão Financeira e Patrimonial, direcção encarregue dos pagamentos aos convencionados.

  18. - Esse pagamento é efectuado por transferência bancária para uma conta titulada pelo convencionado.

  19. - O modo do processamento do pagamento do regime convencionado era do conhecimento genérico das pessoas que se relacionavam com a ADSE.

  20. - No período compreendido entre Janeiro de 1998 a Julho de 2003, o arguido AA e sua mulher BB, eram sócios/gerentes e concessionários de diversos estabelecimentos de prestação de cuidados de saúde e/ou de meios complementares de diagnóstico, nomeadamente das seguintes clínicas: - Empresa-A , Ldª; - Empresa-B, Ldª; - Empresa-C, Ldª; - Empresa-D, Ldª; - Empresa-E-Centro de Medicina Física e de Reabilitação, Ldª - Empresa-F, Ldª, e; - Clínica de Medicina Física e de Reabilitação Dr. Empresa-G, Ldª.

  21. - No âmbito dos quais, o arguido AA, quer na qualidade de médico quer de gerente, bem como a BB, na qualidade de gerente, celebraram com a ADSE diversos acordos de adesão a contratos para prestação de cuidados de saúde nas modalidades de consultas, radiologia e fisioterapia.

  22. - Tais contratos permitiam ao arguido AA e BB, como gerentes das supra referidas clínicas, prestar cuidados de saúde e meios complementares de diagnóstico, no regime convencionado da ADSE, a beneficiários daquela.

  23. - Bem como permitia ao arguido AA, na qualidade de médico, prestar consultas, de pediatria, no regime convencionado da ADSE.

  24. - Dado que o arguido AA tinha conhecimento dos procedimentos da ADSE atrás referidos, em data não concretamente apurada, mas pelo menos durante o ano de 1997, decidiu actuar, de forma organizada, reiterada e planeada, com o objectivo de obter proventos económicos à custa da ADSE, proventos esses a que sabia não ter direito.

  25. - Tal...

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