Acórdão nº 07P3222 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução31 de Outubro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO Na 2ª Vara Criminal do Porto foram os arguidos AA e BB julgados, o primeiro acusado de um crime de homicídio qualificado do art. 132º, nº 2, d), e o segundo de um crime de favorecimento pessoal do art. 367º, nº 1, vindo, a final, o primeiro a ser condenado por um crime de homicídio simples do art. 131º, todos do CP, na pena de 11 anos de prisão, e o segundo condenado, pelo crime que lhe era imputado, na pena de 1 ano de prisão, suspensa por 2 anos.

Deste acórdão recorreu o MP, concluindo assim a sra. Procuradora da República a sua motivação: 1. Realizado o julgamento decidiu o colectivo julgar improcedente a acusação formulada contra o arguido na parte em que lhe imputava a prática de um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos artigos 131° e 132° nº 1 e 2, al. d) do CP, julgando-a procedente apenas pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de homicídio p. e p. pelo artigo 131° do CP e como tal condená-lo na pena de 11 (onze) anos de prisão.

  1. Resulta dos factos dados como provados que o arguido AA apercebeu-se que o CC ou o DD lançou um piropo à sua namorada.

  2. Por isso tal arguido abeirou-se do CC e do DD e perguntou-lhes se precisavam de óculos, estes pararam a sua marcha e perguntaram-lhe o que é que ele queria.

  3. Nessa altura o arguido AA pegou numa tábua com a dimensão aproximada de 50 por 30 centímetros e avançou em direcção aos mesmos empunhando-a no ar, os quais levantaram os braços para se defenderem da eventual agressão.

  4. Então o arguido AA largou a tábua antes de concretizar qualquer agressão e entrou no restaurante Solar do Marquês ali ao lado, onde pegou numa faca com 24 cm de comprimento de lâmina, com cabo preto em plástico, fina e afiada, que estava no interior do balcão do restaurante.

  5. Momentos após, o arguido AA saiu do mencionado restaurante com a faca empunhada, dirigindo-se ao CC e ao DD, que recuou um passo, ao mesmo tempo que puxava o CC por um braço para o mesmo efeito mas sem lograr fazê-lo recuar.

  6. Nesse momento o arguido AA espetou a faca que empunhava na região clavicular direita do CC, causando-lhe a morte; logo após, o arguido AA entrou de novo no restaurante Solar do Marquês e aí depositou a faca cheia de sangue no balcão do mesmo estabelecimento; de seguida saiu dali a correr acompanhado da namorada.

  7. O arguido AA agiu conscientemente e quis tirar a vida ao CC, por se ter enervado em razão do piropo dirigido pela vítima ou pelo seu mais próximo acompanhante à sua namorada.

  8. Prescreve o artigo 131° do CP que quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos.

  9. Por sua vez o art. 132°, n° 1 do mesmo código agrava a moldura penal prevista para o crime de homicídio, punindo-o com pena de prisão de 12 a 25 anos quando a morte seja produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente.

  10. O nº 2 deste artigo estatui que "É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior entre outras a circunstância de o agente d) ser determinado por avidez, pelo prazer de matar, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil".

  11. O tribunal concluiu que a motivação por parte do arguido pode e deve ser enquadrada como motivação pouco relevante mas não de molde a poder ser considerada "motivo torpe ou fútil" por não se verificar o exigível maior desvalor da atitude susceptível de o qualificar como tal e por isso desqualifica o crime de homicídio.

  12. Entendeu o colectivo que o motivo da facada não foi meramente o piropo - este sim seria um motivo fútil - mas também o "conflito" subsequente.

  13. Mas que conflito? A resposta da vítima ou acompanhante à interpelação do arguido "o que é que queres"? A vítima e acompanhante nem sequer tiveram tempo ou oportunidade de agir. Foi o arguido que logo pegou numa tábua, de seguida a largou e foi buscar a faca com a qual matou a vítima.

  14. Diz ainda o acórdão que se a vítima e também o seu referido acompanhante, com excepção do mencionado recuo, em nada contribuiu para o agravamento da situação também nada fez para o evitar. E então é a vítima culpada do seu próprio homicídio.

  15. Segundo orientação jurisprudencial uniforme, as circunstâncias enunciadas no n° 2 do art. 132º, meramente exemplificativas, não são elementos do tipo mas da culpa, como índices de uma intensa culpa o que significa, por um lado, que outras circunstâncias não descritas podem revelar especial censurabilidade ou perversidade.

  16. A definição de "motivo fútil" é objecto de consenso jurisprudencial no sentido de que é aquele que não tem relevo, insignificante, que não chega a ser motivo, que não pode razoavelmente explicar, e muito menos justificar, a conduta do agente, motivo notoriamente desproporcionado, do ponto de vista do homem médio, traduzindo egoísmo, intolerância.

  17. Entendemos desde logo verificar-se a qualificativa do n° l do artº 132 do CP, já que a actuação do arguido no circunstancialismo que ficou provado em julgamento é reveladora de uma culpa agravada.

  18. O arguido matou a vítima na sequência de uma breve troca de palavras que nem discussão foi, cuja actuação só pode ser entendida como uma ausência de valores sociais, uma personalidade perversa sem respeito pelo supremo valor vida.

  19. Acresce que, tendo o arguido actuado nos termos descritos sem nunca antes ter visto, cruzado ou conversado com o malogrado CC e sem ter havido entre ambos qualquer discussão, já que eles não se conheciam, um piropo à namorada ou um "que é que queres?" não constituem motivo ponderoso ou atendível que justificasse a conduta do arguido ao espetar uma faca no corpo de outrem insensível, ao valor da vida humana.

  20. Entendemos assim estar preenchida também uma das qualificativas exemplificativas previstas no nº 2 do art. 132° do CP - a alínea d) - motivo fútil.

  21. Neste contexto, encontram-se reunidos os pressupostos da qualificação do homicídio tanto por força do n° 1 do art. 132º, como do nº 2, alínea d) do mesmo preceito e como tal deve o arguido ser condenado na pena de 18 anos de prisão.

  22. Sem prescindir do anteriormente alegado, a pena concretamente aplicada está desajustada, ponderada a culpa, o grau de ilicitude, a condição social do arguido e as exigências de prevenção de futuros crimes.

  23. A factualidade dada como provada no acórdão recorrido, a repercussão social do crime cometido pelo arguido e correlativos fins das penas, não é compatível com a pena aplicada, que se fixou abaixo dos comandos ínsitos no art. 71º do CP.

  24. Deveria ainda o Tribunal relevar que a sua confissão foi apenas parcial e como tal desprovida de arrependimento sincero, que foi condenado por acórdão de 15/03/2006 por um crime de roubo e que anteriormente havia cumprido um ano de internamento em regime semi-aberto, por roubo, no Centro Educativo de Santo...

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