Acórdão nº 07A3570 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Outubro de 2007
Magistrado Responsável | URBANO DIAS |
Data da Resolução | 30 de Outubro de 2007 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - Relatório FJVGBS intentou no Tribunal Judicial de Felgueiras, acção ordinária contra AMVGBMR casada com AEMR, pedindo que: - Seja habilitado como único herdeiro de MVPPGSB em todos os bens móveis e imóveis situados nas freguesias de Lagares e Pombeiro do concelho de Felgueiras; - Seja declarado que os bens descritos nos arts. 34º a 36º desta petição, fazem parte da herança que se abriu por óbito de MVPPGSB; - Seja declarado extinto o usufruto sobre estes prédios descritos no artigo 34º a 36º da petição; - A R. seja condenada a reconhecer o que se pede nas alíneas anteriores; - Sejam cancelados todos os registos de transmissão existentes e que incidam sobre os prédios descritos no art. 36º da petição.
Fundamentou a sua pretensão na interpretação dada ao testamento cerrado deixado por MVPPGSB, lavrado no Cartório Notarial de Mirandela no passado dia 06 de Março de 1953.
A R. contestou, por excepção e por impugnação, de uma forma ziguezagueante, ora por impugnação, ora por excepção, pugnando pela improcedência da acção e, concomitantemente, requereu a intervenção principal de MTVGBLS e marido FMLS, deduzindo contra estes e contra o A. pedido reconvencional, pedindo a sua condenação solidária a: - Reconhecerem-na como única e legítima legatária e proprietária dos bens móveis e imóveis melhor identificados no artº 6º da contestação-reconvenção, - Absterem-se de praticar quaisquer actos que, por qualquer forma, impeçam ou perturbem o exercício do seu direito como legatária e também de propriedade sobre os bens referidos em c), bem como lhos devem entregar ou restituir com todas as benfeitorias e partes integrantes que neles existam ou que neles tenham sido feitas, com todas as construções neles feitas, anteriores ou posteriores ao testamento, e bem assim com as aquisições posteriores que se tenham integrado nas mesmas unidades, e, ainda, a Restituírem-lhe definitivamente a posse dos bens referidos em c) e/ou o A./reconvindo, a Interveniente/Reconvinda e o Interveniente/Reconvindo serem solidariamente condenados a entregarem-lhe definitivamente os bens referidos em c), - Serem declarados extintos os usufrutos sobre os bens melhor identificados no art. 6º da contestação-reconvenção, - O A./reconvindo, a Interveniente/Reconvinda e o Interveniente/Reconvindo serem solidariamente condenados a pagar-lhe a quantia não inferior a € 1.251,68 (mil duzentos e cinquenta e um euros e sessenta e oito cêntimos) a título de indemnização pelos danos e encargos que foi possível liquidar até ao momento e ainda na indemnização que vier a ser liquidada em execução de sentença pelos danos sofridos em consequência dos factos supra descritos nos artºs 116º a 125º da reconvenção e que ainda não se encontram determinados, embora sejam previsíveis, nos termos alegados no artº 122º da reconvenção, acrescidas essas verbas de juros legais, à taxa de 4% ao ano, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
O incidente de intervenção foi admitido e acção seguiu a sua tramitação normal até ao saneador onde foi julgada totalmente procedente a pretensão do A. e improcedente a da R..
Mediante apelação interposta por esta última, o Tribunal da Relação de Guimarães confirmou o julgado.
Ainda irresignada a R. pede revista a coberto da seguinte série conclusiva, a qual olvida por completo a função das conclusões tal como está desenhada no nº 1 do art. 690º do CPC ("o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual concluirá, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão"): 1 - O acórdão recorrido afirma que MB deixou testamento cerrado e, nesse testamento declara que... "nomeio herdeiro e proprietário de todos os bens acima referidos, situados nas freguesias de Pombeiro e Lagares do concelho de Felgueiras, o filho legítimo do sexo masculino que primeiro atingir a idade de vinte e um anos, do meu segundo sobrinho J, filho de meu sobrinho JB - Médico. No caso deste meu segundo sobrinho J não ter filhos legítimos do sexo masculino, será chamada a linha legítima feminina nas mesmas condições. E se este meu dito segundo sobrinho J não tiver filhos que satisfaçam as condições exigidas, passará a herança nas mesmas condições às suas irmãs por ordem de idade. E, termina aqui, afirmando que este é o facto 10!!! 2 - Porém, o facto 10 acrescenta no final a seguinte frase muito importante, a saber:... A começar nas mais velhas.
3 - Já no despacho saneador-sentença se afirmou que a irmã do meio da ora recorrente, MAVGBME, faleceu em 08/11/1953, quando não foi junta aos autos nenhuma certidão de óbito a atestar este facto, nem podia porque a referida pessoa se encontra, ainda hoje, viva! 4 - O acórdão recorrido interpreta esta disposição testamentária no sentido de que "O herdeiro não era o segundo sobrinho mas sim o seu filho. A disposição testamentária avança um grau. Nas mesmas condições refere-se pois ao descendente masculino das irmãs (por ordem de idade) que primeiro completasse 21 anos... ". No entanto, não explicou a razão deste seu entendimento, isto é, não forneceu as regras básicas da sua teoria na interpretação do testamento, o que constitui uma nulidade, nomeadamente, nos termos do disposto no art. 668°, al. b) do Código de Processo Civil, o que ora se invoca com todas as consequências legais.
5 - É Jurisprudência corrente e pacífica (vd. a propósito Ac. STJ de 14/1/1997 in Revista nº 136/96, de 17/7/1999, in Revista n° 421/99, de 23/1/2001, in CJ 2001-1-83 e de 29/11/2002, in www.dgs.pt, com o nº convencional JSTJ 1000) que a interpretação do testamento, bem como a determinação da vontade do testador feita apenas com base nos termos do testamento ou a verificação daquele mínimo de correspondência entre a vontade real e o contexto do testamento é matéria de direito, logo é da competência deste Supremo Tribunal de Justiça, porque as normas legais reguladoras da interpretação dos testamentos são de direito substantivo e, a sua violação constitui objecto de recurso de revista, nos termos dos arts. 721 ° e 722° do CPC, pelo que este Tribunal pode sempre exercer censura sobre o modo como foram aplicadas.
6 - Seguindo de perto os pareceres juntos aos autos pela recorrente com o seu requerimento remetido pelo correio em 26 de Abril de 2004 da Doutora em Teoria da Literatura e Literatura Comparada pela Faculdade de Filologia da Universidade de Santiago de Compostela MHGSCP, Professora Universitária (Universidade Fernando Pessoa e Instituto Superior da Maia) e do Doutor em Literatura Portuguesa JAO, Professor Catedrático da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (aposentado) e da Universidade Católica Portuguesa (Pólo de Viseu) e Sócio da Academia das Ciências de Lisboa, Classe de Letras (vd. http://www.acad-ciencias.pt/htmIlmenuacademia/letras_c.html) - a qual, como se sabe, é uma autoridade em Língua Portuguesa e, é o órgão consultivo do Governo Português em matéria linguística, segundo os seus Estatutos (arts. 5° e 20°) -, aos quais aderimos na íntegra, porque também neste sentido vai a interpretação que a recorrente dá à referida disposição testamentária, ler o que está escrito é, antes de mais, analisar as palavras que compõem o texto. Tratar o documento é codificá-lo.
7 - Depois de citar as diversas teorias que versam sobre este assunto a Doutora MHGSCP conclui que as condições de produção do discurso e do sistema linguístico utilizado são as componentes de uma estrutura profunda e inerente a cada texto e que se analisa a partir de estruturas de superfície.
8 - Assim: Dois enunciados têm a mesma interpretação semântica se: - Forem paradigmaticamente próximos um do outro (condição de proximidade semântica); - Se estiverem ligados por dependências funcionais idênticas a dois outros enunciados, eles próprios próximos um do outro.
9 - Para clarificar os processos de produção é necessário «definir os pontos de ancoragem do corpus», isto é, os domínios semânticos. Entra aqui em jogo a proximidade de conteúdo dos enunciados.
Analisemos, então, os elementos constantes do testamento em causa nos presentes autos.
Paratextos: Abertura, Averbamento n° 1, Data e encerramento, Assinatura.
Título: - Testamento cerrado Texto.
10 - Passemos, em seguida, para a análise da estrutura do discurso: 2ª parte lógica: Dispõe da raiz dos bens sitos em Pombeiro e Lagares: «Nomeio herdeiro e proprietário... o filho legítimo do sexo masculino que primeiro atingir a idade de vinte e um anos, de meu segundo sobrinho José, filho de meu sobrinho JB - médico ... » Como se pode depreender existem, na estruturação do discurso, um conjunto de disposições, condições que o testador, sujeito do enunciado, pretende ver cumpridas e por isso lhes dá expressão, lhes dá forma: 1ª Disposição: «Nomeio herdeiro e proprietário...» 2ª Disposição: «No caso deste meu segundo sobrinho J não ter filhos legítimos do sexo masculino, será chamada a linha legítima feminina nas mesmas condições».
Atente-se no discurso, nas palavras ditas: é necessário que se cumpra esta disposição.
11 - À falta desta, surgem as três irmãs.
Em que condições são chamadas as três irmãs? O discurso volta a ser explícito: «nas mesmas condições», condições estas delineadas pelo próprio testador: filho legítimo que atinja a idade de vinte e um anos.
12 - É a estrutura lógica do discurso que nos permite acentuar estas condições. O testador dá expressão à sua vontade quando quer chamar a linha feminina, quando quer, à falta desta linha, passar para as irmãs do segundo sobrinho, e quando quer definir as condições.
13 - Assim, reiterando a nossa leitura do texto, verifica-se o seguinte: 1º - Há uma vontade expressa em excluir o segundo sobrinho como herdeiro ou legatário dos bens da herança; 2º - Há uma vontade implícita em salvaguardar a sua protecção; 3° - Há uma vontade expressa em preservar o património na pessoa de um só possuidor; 4° - Há uma vontade expressa em que o possuidor (herdeiro e proprietário)...
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...669, Lebre de Freitas, na ob. cit. pag. 297; e os acórdãos do STJ de 13-10-2007, 17-04-2007, 24-01-2008, 10-04-2008 e 08-01-2009, Procs. n.º 07A3570, 07B956, 07B3813, 08B396 e 08B3510, respectivamente, todos disponíveis no [7] Cfr. Acs. do STJ de 19/10/04, Proc. 04B2638, 3/02/05, Proc. 04B4......
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...que cita variada jurisprudência no mesmo sentido (acórdãos do STJ de 13-10-2007, 17-04-2007, 24-01-2008, 10-04-2008 e 08-01-2009, Procs. n.º 07A3570, 07B956, 07B3813, 08B396 e 08B3510, respectivamente, todos disponíveis no ITIJ), e Doutrina (Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, Coim......
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