Acórdão nº 07B2739 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelSANTOS BERNARDINO
Data da Resolução04 de Outubro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA e mulher BB intentaram, em 16.09.2003, no Tribunal Judicial da comarca de Ílhavo, contra CC e mulher DD e EE, L.da, acção com processo ordinário, alegando, em síntese, que são donos de um prédio rústico, composto de terreno de cultura e eucaliptal, sito em Ervosas - Ílhavo, confinante com um prédio rústico, pertencente aos primeiros réus, sendo ambos os prédios de área inferior à unidade de cultura e destinados a utilização agrícola, tendo os primeiros réus, por escritura pública de 13.06.2003, vendido à ré sociedade, pelo preço de € 35.000,00 e sem prévio conhecimento aos autores, o seu referido prédio, depois de o haverem transformado em prédio urbano, por declaração para inscrição na matriz, apesar de tal prédio se inserir em zona interdita à construção e pertencente à Reserva Agrícola Nacional (RAN).

Com base em tais factos, pedem os autores que seja declarada nula e de nenhum efeito a alteração da natureza do prédio alienado - de rústico para urbano - feita pelos primeiros réus, e que lhes seja reconhecido o direito de preferência na alienação do mesmo, e o direito de o haverem para si, mediante depósito do respectivo preço, sisa, despesas notariais e outras, condenando-se a ré sociedade a entregar-lho, livre de pessoas e bens.

A ré sociedade contestou, alegando, com interesse, para além da ilegitimidade da autora mulher, que adquiriu o prédio para o destinar a construção urbana, assim estando identificado na respectiva matriz predial e na escritura de aquisição, e não se achando ele integrado na RAN, sendo admitida a sua utilização para fins diferentes da agricultura, designadamente para construção urbana. Acrescentou que na data da venda já o prédio tinha a natureza urbana, pelo que inexistia o invocado direito de preferência do autor, a quem, ademais, foi perguntado se estava interessado na aquisição, tendo ele respondido negativamente.

Replicaram os autores; e, seguindo o processo a sua normal tramitação, veio a ser efectuada a audiência de julgamento e a ser proferida sentença, que julgou a acção procedente, declarando nula e de nenhum efeito a alteração da natureza do prédio alienado e reconhecendo aos autores o direito de preferência na alienação desse prédio e a haverem para si o direito de propriedade sobre ele, substituindo-se à ré sociedade na posição de compradores, sendo a esta devido o depósito do preço, sisa, despesas notariais e outras, e condenando-a a entregar o prédio aos autores, livre de pessoas e bens.

Da sentença interpôs a ré sociedade o pertinente recurso de apelação.

Não logrou, porém, grande êxito, pois a Relação de Coimbra apenas julgou procedente o recurso na parte em que a sentença recorrida declarou nula e de nenhum efeito a alteração da natureza do prédio alienado, declarando o tribunal materialmente incompetente para conhecer desse pedido e absolvendo, nessa parte, os réus da instância, mas confirmando, quanto ao mais, a dita sentença.

De novo inconformada, a EE traz agora a este Supremo Tribunal o presente recurso de revista, finalizando as respectivas alegações com a enunciação das seguintes conclusões: 1ª - Decorre da decisão da Relação que o prédio alienado é e se mantém um prédio urbano e que foi assim e por isso que a recorrente o adquiriu; 2ª - Daí resulta que o interesse da recorrente na aquisição do prédio e o destino que pretendia e pretende dar-lhe não é o de cultivo ou de exploração agrícola; 3ª - Não está demonstrado que a recorrente não possa edificar naquele terreno; 4ª - Não cabia nem cabe à recorrente o ónus de demonstrar ser possível construir nesse terreno; 5ª - De qualquer modo, o que releva para a verificação do impedimento estabelecido na al. a), 2ª parte, do art. 1381º do Código Civil ao exercício do direito de preferência é que o destino dado ao prédio seja diferente da exploração agrícola, não sendo necessário que o destino dado ao mesmo seja a construção; 6ª - No caso é patente que a recorrente não adquiriu o prédio para exploração agrícola, e também que o não destina a esse fim - sendo possível uma infinidade de aplicações lícitas diferentes da construção e da exploração agrícola; 7ª - Não se verifica um dos requisitos essenciais do direito de preferência - o da reciprocidade - dada a natureza e utilização, desde há largos anos, do imóvel alienado; 8ª - É patente que os autores não pretendem adquirir o prédio para aumentar a sua exploração agrícola, mas para, pelo aumento de área, valorizarem o seu próprio terreno para fins urbanos, que é, fatalmente, o destino de ambos os terrenos, na zona em que se inserem; 9ª - Assim, desvirtuando completa e clamorosamente o fim social e económico que dá justificação ao direito que pretendem exercer, os autores actuam em claro abuso de direito, nos termos do art. 334º do Cód. Civil; 10ª - O acórdão recorrido violou o disposto nas normas legais citadas; 11ª - A entender-se que a matéria de facto provada não permite as conclusões que antecedem, há que ter em conta que a recorrente alegou, na sua contestação, factos que não foram submetidos a julgamento, com manifesto interesse para esclarecimento daqueles pontos no sentido ora pretendido, e que enumerou na sua reclamação da base instrutória, os quais podem ser oficiosamente considerados, por ocorrer insuficiência da matéria de facto; 12ª - Esses factos - referidos nos arts. 54º, 55º, 66º, 69º, 75º, 76º, 78º, 82º, 83º, 86º a 88º, 91º, 92º, 96ºa 98º, 100º a 102º, 106º a 109º, 122º a 124º, 127º a 131º, 133º, 136º a 139º, 141º a 148º, 151º, 154º e 155º da contestação - permitirão demonstrar, se submetidos a julgamento, que o destino dado pela recorrente ao prédio que adquiriu não é o de exploração agrícola, que este há muito a isso não é destinado, que não existe a reciprocidade do direito de preferência e que, ao pretender exercê-la, os autores actuam em abuso de direito.

Em contra-alegações, os autores pugnam pelo não provimento do recurso, e pela manutenção do acórdão recorrido.

Corridos os vistos legais cumpre agora conhecer do mérito do recurso.

  1. É o seguinte o complexo factual que vem provado: 1) - O autor é dono e legítimo possuidor do prédio rústico "terra de cultura e eucaliptal, sito em Ervosas, freguesia e concelho de Ílhavo, que confronta de Norte com .. (actualmente com o Réu CC), nascente com caminho, sul com ... e poente com a estrada, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 7255"; 2) - Por escritura pública lavrada em 13 de Junho de 2003, a folhas cento e dezoito a cento e dezanove, do livro de notas para escrituras diversas número 268-F, do 2° Cartório Notarial de Aveiro, os réus BB e mulher, DD, declararam vender à 2ª ré "EE, Lda.", que declarou aceitar esta alienação, o seguinte prédio: "parcela de terreno para construção urbana, sito em Ervosas, freguesia e concelho de Ílhavo...

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