Acórdão nº 07S922 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelMARIA LAURA LEONARDO
Data da Resolução03 de Outubro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, na secção social, do Supremo Tribunal de Justiça: I - AA e BB, melhor identificados nos autos, intentaram contra CC e Empresa-A, W. A.

a presente acção emergente de acidente de trabalho, pedindo que estas sejam condenadas a pagar: A) - À primeira autora: (i) uma pensão anual e vitalícia e (ii) uma indemnização por despesas de funeral e transportes; B) - Ao segundo autor uma pensão anual até 14 de Setembro de 2000.

Alegam que tais prestações são devidas por morte de DD, que era dos autores, respectivamente, marido e pai, morte que ocorreu em Portugal em 5 de Outubro de 1997 e que foi consequência dum acidente de trabalho ocorrido no dia 14 de Agosto de 1981, quando aquele, em execução do seu contrato de trabalho com a ré CC, prestava serviço a bordo do navio Italian Express que se encontrava ancorado no posto de Brest - França.

As rés, nas respectivas contestações (a fls 458 e 473), defenderam a incompetência internacional dos tribunais portugueses para julgar a presente acção, estribando-se na inexistência de factores de conexão que lhes possam atribuir a competência.

A primeira ré sustenta que não tem representação em Portugal e que o contrato de trabalho que a ligava ao sinistrado foi celebrado na Holanda e se regia pela lei holandesa, sendo neste país que ela, ré, tem a sua sede. Além disso, as funções do malogrado DD eram para ser exercidas na Holanda, o seu salário era pago em moeda holandesa, estava inscrito como beneficiário da Segurança Social Holandesa e foi indemnizado por esta aquando do acidente.

Os autores responderam à excepção da incompetência internacional dos tribunais portugueses afirmando que tal questão já estava resolvida nos autos por despacho proferido na fase conciliatória e referindo que a ordem jurídica portuguesa integra um conjunto de direitos subjectivos, concretizáveis através de uma acção que decorre nos tribunais, a quem incumbe a aplicação do direito. Invocam, de todo o modo, que o sinistrado tinha nacionalidade portuguesa e residência habitual na Nazaré e enquadram a competência dos tribunais portugueses na alínea d), 2ª parte, do artigo 65º do CPC. Concluem pela improcedência da excepção.

No despacho saneador (a fls 554 e sgs), considerou-se o Tribunal de Trabalho de Leiria competente em razão da nacionalidade com fundamento em que tal questão - da incompetência internacional dos tribunais portugueses - já fora apreciada e decidida, na fase conciliatória, por despacho judicial transitado em julgado.

Agravando as rés da decisão, foi dado provimento ao recurso, no entendimento de que tal decisão não resolveu em termos definitivos a questão.

O tribunal de 1ª instância conheceu da excepção, mas julgou-a improcedente, declarando a sua competência internacional para conhecer do pedido.

Interposto recurso de agravo da decisão, o Tribunal da Relação julgou a excepção procedente e absolveu as rés da instância.

É deste acórdão que vem interposto o presente agravo.

Nas suas alegações, os autores formulam as seguintes conclusões: 1ª) - No caso sub judice, não obstante a existência de outros elementos, há que considerar os seguintes factos, que consubstanciam factores de conexão relevantes: (a) DD tinha nacionalidade portuguesa; (b) residia habitualmente em Portugal (na Nazaré); (c) esteve em coma vigil durante 16 anos em Portugal; d) o seu falecimento ocorreu em Portugal; 2ª) - O artº 11° do Código de Processo do Trabalho de 1981 consagra o critério da coincidência entre a competência internacional e a competência territorial, o que nos remete para o artº 16° do mesmo Código; 3ª) - A atribuição de competência internacional à jurisdição portuguesa decorre do nº 3 deste último preceito, dado que o sinistrado tinha domicílio fixado na Nazaré (artº 82° do CC aplicável ex vi do artº 52 da Convenção de Bruxelas) e a participação foi apresentada nos tribunais portugueses; 4ª) - A competência internacional dos tribunais portugueses também decorre do artº 65°-1-d) do CPC, à luz do critério da necessidade, já que não pode ser exigido aos autores a propositura da acção na Holanda; tal facto resulta das limitações linguísticas, económicas e sociais dos mesmos; 5ª) - Considerar os tribunais portugueses internacionalmente incompetentes acabaria por representar uma denegação de Justiça intolerável num Estado de Direito moderno; 6ª) - O artº 3° da Convenção de Bruxelas admite que uma pessoa seja demandada fora do país onde tenha fixado domicílio, remetendo para as regras especiais da mesma convenção, nomeadamente o artº 5°; 7ª) - As acções emergentes de acidente de trabalho alicerçam-se numa causa de pedir complexa, abarcando não só o facto gerador de responsabilidade mas também os danos; 8ª) - No caso vertente, é facto assente que um dos danos ocorreu em território nacional: a morte de DD; assim sendo, tal facto é suficiente para atribuir competência internacional à jurisdição portuguesa; 9ª) - Toda a jurisprudência aponta nesse sentido: ac. RP de 24/04/1990, in BMJ, 396/432; ac. RC de 23/10/1990, in CJ/1990, 4, 83; ac. S.T.J. de 14/01/1993, in CJ-STJ/1993, 1, 57; ac. STJ de 05/03/2002, in www.dgsi.pt JSTJ00042878/ITIJ/Net; 10ª) - Por fim, o artº 18° da Convenção de Bruxelas determina a competência internacional do Tribunal de Leiria pelo facto dos réus terem comparecido perante a entidade jurisdicional supra referida e essa comparência não se ter limitado a arguir uma eventual incompetência da mesma; 11ª) - «I - A prorrogação tácita da competência internacional a que alude o artº 18° da Convenção de Bruxelas é uma convenção tácita de competência, devendo entender-se que quando aí se refere que "é competente o tribunal de um Estado Contraente perante o qual o requerido aí compareça" significa" ... perante o qual o requerido conteste no prazo da contestação. II - ( ... )» (ac. RP de 03/02/2000, in CJ/2000, 1, 212); 12ª) - Por tudo quanto se aduziu, o acórdão recorrido violou os artºs 11º e 16º do CPT de 1981, o artº 65º do CPC e interpretou erroneamente os artºs 3º, 5º e 18º das Convenções de Bruxelas e de Lugano.

Conclui pedindo se dê provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido e substituindo-se o mesmo por outro que julgue improcedente a excepção de incompetência internacional dos tribunais portugueses e ordene a continuação da lide.

As rés apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

A Exª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer suscitando a questão de ser este um caso em que se justifica o reenvio prejudicial para o TCE colocando-lhe o problema de saber se, em matéria de acidentes de trabalho, designadamente mortais, serão de aplicação os artºs 2º e 3º da Convenção de Bruxelas (o último com a declaração referente aos artigos do CPC e do CPT como sendo não invocáveis) e 5º-1-2, segunda parte, ou se não serão antes de aplicação os artºs 99º e ss do CPT, sendo de remeter a resolução da questão para o direito interno dada a especificidade do problema.

Em todo o caso, pronunciou-se no sentido de que o recurso merecia provimento.

As partes foram notificadas do aludido parecer e não se pronunciaram sobre o mesmo.

II - Questões A questão fulcral objecto do recurso, consiste em saber se os tribunais portugueses têm competência internacional para conhecer da presente acção, sendo que o caso "sub judice" tem elementos de conexão com diferentes ordenamentos jurídicos: (a) os autores são portugueses e residem em Portugal; (b) as rés são sociedades holandesas com sede na Holanda; (c) o sinistrado tinha nacionalidade portuguesa e residência habitual neste país; (d) o acidente ocorreu em França; (e) a morte do sinistrado veio a ter lugar em Portugal; (f) o contrato de trabalho que o sinistrado executava ao serviço da ré CC quando sofreu o acidente foi celebrado na Holanda; (g) o local convencionado da execução do contrato era a Holanda ou outro local em que navegassem os navios pertencentes ou fretados pela primeira ré.

Coloca-se também a questão de saber se se justifica o reenvio prejudicial para o TJCE.

III - Factos 1.

Entre 1973 e 14 de Agosto de 1981 vigorou entre DD e CC um contrato de trabalho, nos termos do qual aquele exercia funções de engenheiro chefe nos navios desta empresa ou por ela fretados.

  1. DD foi contratado pela ré CC na Holanda, onde esta tem a sua sede (....).

  2. As funções cometidas ao DD eram para serem exercidas na Holanda ou no local por onde navegassem os navios da ré CC ou os navios por ela fretados.

  3. Todas as estipulações contratuais foram redigidas em língua holandesa, tendo o DD aceite as condições gerais que constam do documento de folhas 472, cuja tradução se encontra a folhas 542.

  4. DD recebia as suas remunerações em moeda holandesa e as mesmas eram-lhe pagas na Holanda.

  5. No dia 14 de Agosto de 1981, DD sofreu um acidente de trabalho quando se encontrava a bordo do navio Italian Express que se encontrava ancorado no posto de Brest - França.

  6. Em 8 de Janeiro de 1982, DD foi transportado, em coma vigil, de Brest para o Hospital da Cruz Vermelha onde permaneceu em coma durante 16 anos.

  7. DD faleceu em Portugal no dia 5 de Outubro de 1997, em consequência do acidente de trabalho.

  8. Ambas as rés têm domicílio na Holanda, não possuindo estabelecimento ou representação em Portugal.

  9. O sinistrado tinha residência habitual na Nazaré, Portugal.

  10. A participação que deu origem aos presentes autos deu entrada em 18.09.1998.

    IV - Apreciando 1. Como referimos, a questão fulcral objecto do recurso, consiste em saber se os tribunais portugueses têm competência internacional para conhecer da presente acção.

    As instâncias tiveram posições divergentes.

    O acórdão recorrido ancorou a declaração da incompetência internacional dos tribunais portugueses, essencialmente, nas seguintes razões: - as convenções internacionais a que Portugal se vinculou prevalecem sobre as normas internas; - as Convenções de Bruxelas e de Lugano estabelecem, como regra geral, que "as pessoas domiciliadas no território de um Estado Contratante devem ser...

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