Acórdão nº 06S4470 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Setembro de 2007

Magistrado ResponsávelMÁRIO PEREIRA
Data da Resolução26 de Setembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - O autor AA pede com a presente acção de processo comum intentada contra o réu Instituto das Estradas de Portugal (ex- ICERR) que seja declarado ilícito e nulo o seu despedimento, assim como que é trabalhador do R., desde o dia 1 de Dezembro de 2001, ao abrigo de contrato de trabalho sem termo e, ainda, que o R. seja condenado a reconhecer e a reintegrar o A. no seu posto de trabalho, com a sua categoria, antiguidade e demais consequências legais, isto sem prejuízo de poder vir a optar pela indemnização a que legalmente tem direito.

Alegou, em síntese : Foi admitido ao serviço do extinto ICERR no dia 1 de Dezembro de 2001, para exercer funções de apoio na área de engenharia civil, no Departamento de Planeamento e Controlo.

Em 21 de Fevereiro de 2002, por imposição do R., assinou um contrato de trabalho escrito, a termo certo, pelo período de 6 meses, com a menção de que o motivo da contratação era ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 41º da LCCT, sem descrever qualquer realidade factual que materializasse essa previsão, sendo, aliás, que tal motivo não era verdadeiro.

Em 7 de Novembro de 2002, o A. recebeu do R. uma carta registada em que este lhe comunicou a não renovação do contrato, fazendo-o cessar em 30 de Novembro de 2002; A partir do dia 2 de Dezembro de 2002, o A. passou a exercer as mesmas funções, nos mesmos termos e condições em que o fazia antes, mediante contrato designado como de prestação de serviços, cuja assinatura o R. lhe impôs, também.

E, em 4 de Setembro de 2003, de novo por imposição do R., o A. subscreveu um contrato de trabalho temporário com a sociedade Empresa-A, Lda, com a finalidade de execução de um contrato de utilização de trabalho temporário celebrado entre essa sociedade e o R..

Defende que logo em 01.12.2001 foi admitido ao serviço do R. por contrato sem termo, sendo nulo o contrato a termo depois assinado em 21.02.2002.

E que, em qualquer caso, este contrato omitiu a indicação dos motivos concretos da contratação a termo, sendo que a sua razão não foi o acréscimo temporário ou excepcional da actividade do R.

Tudo razões que levariam à conversão do contrato em contrato sem termo.

O R. contestou.

Excepcionou a renúncia do A. a qualquer crédito emergente da anterior relação laboral, com a celebração do contrato de prestação de serviços, incluindo a eventual nulidade da estipulação do termo ou a possibilidade legal de conversão desse contrato em contrato sem termo.

Impugnou factos da p.i..

Concluiu pela improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.

O A. respondeu, defendendo a improcedência da matéria de excepção e concluindo como na p.i..

O A. veio a optar pela indemnização de antiguidade, em vez da sua reintegração.

Saneada, instruída e discutida a causa, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, declarou que o despedimento do A. é ilícito, não produzindo quaisquer efeitos, e condenou o R. a reconhecer a existência de um contrato de trabalho sem termo, entre as partes, com efeitos reportados a 1 de Dezembro de 2001 e a pagar-lhe a quantia de quatro mil oitocentos e setenta e dois euros a título de indemnização de antiguidade, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a citação ( 20/11/2003 ), até integral e efectivo pagamento.

Da sentença apelou o R., pedindo a sua revogação, com a improcedência da acção e consequente absolvição do pedido.

Por seu douto acórdão, a Relação de Coimbra confirmou a sentença, "excepto quanto aos juros moratórios, que apenas são devidos desde a data da sentença (31.10.2005), negando quanto ao mais provimento ao recurso".

II - Novamente inconformado, o R. interpôs a presente revista em que apresentou as seguintes conclusões: 1ª. A administração rodoviária em Portugal surgiu em 1927, com a criação da Junta Autónoma das Estradas (JAE), pelo Decreto n°. 13 969, de 20 de Julho de 1927, estando, desde sempre, o seu pessoal abrangido pelo regime da relação jurídica de emprego na Administração Pública.

  1. O DL 237/99, de 25/6, extingue a JAE e cria três institutos para a gestão da administração rodoviária, um dos quais o Instituto Para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR), sendo "institutos públicos dotados de personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira e património próprio" (nº. 1) e regiam-se "pelo presente decreto-lei, pelos respectivos estatutos anexos ao presente diploma e, subsidiariamente, pelo regime jurídico das empresas públicas" (n°. 2).

  2. Os Estatutos referidos na conclusão anterior sujeitavam-no ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, com as especificidades previstas nos presentes estatutos e no diploma que o aprova (n°. 1 do art°. 13°), as condições de prestação e disciplina de trabalho são definidas em regulamento próprio do ICERR, a aprovar pelo Conselho de Administração (n°. 2 do art°. 13°) e o n°. 1 do art°. 8° dispunha que os funcionários da JAE tinham o direito de optar pela celebração de um contrato individual de trabalho com o ICERR.

  3. O ICERR, nos termos do n°. 2 do art°. 5° do mesmo DL 237/99, representava "o Estado como autoridade nacional de estradas em relação às infra-estruturas rodoviárias nacionais não concessionadas, competindo-lhe zelar pela manutenção permanente de condições de infra-estruturação e conservação e de salvaguarda do Estatuto da Estrada, que permitam a livre e segura circulação", sendo, de acordo com os respectivos estatutos anexos ao DL 237/99, "uma pessoa colectiva de direito público dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio".

  4. Ao abrigo da alínea t) do n°. 1 do artigo 165° da Constituição, é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre a matéria relativa às "bases do regime e âmbito da função pública".

  5. No que respeita ao regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na função pública, os princípios fundamentais - bases constitucionais - constam dos Decretos-Lei nºs 184/89, de 2 de Junho, e 427/89, de 7 de Setembro, sendo certo que eles incluem no seu âmbito os institutos públicos" (Acórdão do Tribunal Constitucional n°. 129/99).

  6. Aqueles diplomas apenas prevêem, taxativamente, duas modalidades de contratação (contrato administrativo de provimento e contrato de trabalho a termo certo), ao abrigo do âmbito institucional definido em volta dos serviços e organismos da Administração Pública, incluindo os institutos públicos (art°. 2°. do DL 184/89), sendo vedado aos institutos públicos a constituição de relações de emprego com carácter subordinado por forma diferente das previstas nos citados diplomas, 8ª. A sujeição ao regime do contrato individual de trabalho, definida pelos seus Estatutos, colide com o princípio da taxatividade das formas de constituição da relação de emprego na Administração Pública, instituído pelos DL´s 184/89 e 427/89, 9ª. Pelo que, integrando-se as citadas normas dos Estatutos do ICERR - n°.1 do art°. 8° e n°. 1 do art°. 13º - em diploma editado pelo governo - DL 237/99 - sem precedência de autorização legislativa, padecem de inconstitucionalidade orgânica, por violação do disposto no art° 165°, n°, 1, alínea t) da Constituição da República Portuguesa.

  7. Admitindo-se a conversão do contrato a termo em contrato sem termo, a constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública viola o princípio constitucional de acesso igualitário e não discricionário à função pública e a regra do concurso (art°. 47°, n°. 2 da Constituição).

  8. Retira-se do artigo 47°, n°. 2 da Constituição, como concretização do direito de igualdade no acesso à função pública, um direito a um procedimento justo de recrutamento e selecção de candidatos à função pública, que se traduz, em regra, no concurso.

    Para respeito da igualdade no acesso à função pública, o estabelecimento de excepções à regra do concurso não pode estar na simples discricionariedade do legislador, a qual é justamente limitada com a imposição de tal princípio. Caso contrário, este princípio do concurso - fundamento do próprio direito de igualdade no acesso à função pública (e no direito a um procedimento justo de selecção) - poderia ser frustrado. Antes tais excepções terão de justificar-se com base em princípios materiais, para não defraudar o requisito constitucional (Acórdão do Tribunal Constitucional n°. 683/99), o que não aconteceu no caso dos autos.

  9. Aplica-se aos presentes autos - independentemente da interpretação que seja dada ao artigo de "salvaguarda de regimes especiais" - DL's 184/89 e 427/89 - a jurisprudência dos Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 683/99 e 368/00 do Tribunal Constitucional, no que respeita ao acesso à "função pública", em função das exigências do n°. 2 do art°. 47° da Constituição.

  10. Tendo como pressuposto que o ICERR - Instituto Público - se integra no conceito constitucional de "função pública", nos termos e para efeitos do n°. 2 do art°. 47° da Constituição.

  11. Os art.ºs 2°. do DL 184/89 e do DL 427/89 - expressam as bases gerais do regime e âmbito da função pública - bem como a Lei n°. 114/88, art°. 15°, al. c) e a Resolução do Conselho de Ministros n°. 77/2002, de 18/5, incluem no âmbito da função pública os institutos públicos, logo o Recorrente.

  12. O ICERR é uma pessoa colectiva de direito público, - "instituto público" - sujeito à tutela e superintendência do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, tendo por missão representar o Estado como autoridade nacional em relação às infra-estruturas rodoviárias nacionais não concessionadas (autoridade nacional de estradas), no exercício das suas funções detém poderes de suspender ou fazer cessar actividades e encerrar estabelecimentos; determinar a imediata remoção de ocupações indevidas de bens do domínio público; embargar e ordenar a demolição de construções, autorizar a instalação de equipamentos e...

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