Acórdão nº 06P2165 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Setembro de 2007

Magistrado ResponsávelSORETO DE BARROS
Data da Resolução12 de Setembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

O Ministério Público junto do Tribunal da Comarca de Matosinhos interpôs recurso do acórdão de 17.01.06, proferido no proc. n.º 430/05, que, em síntese, decidiu 'condenar o arguido AA, como autor material de um crime de tráfico de menor gravidade, p. p. pelo artº 25º al. a) do DL nº 15/93 de 22/1, com referência à Tabela I-C do Anexo, e com a atenuação especial prevista nos artºs 72º e 73º do Código Penal, na pena de quatro meses de prisão'.

  1. 1 O recorrente termina a motivação com as seguintes conclusões : 1 - O arguido AA vinha acusada da prática de um crime de tráfico de estupefacientes no interior de estabelecimento prisional p. e p. pelas disposições combinadas dos arts. 21° e 24° al. h), ambos do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro.

    2 - O Tribunal não poderia, tal como o fez, convolar o crime p. e p. pelos arts. 21° e 24° al. h) do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro pelo qual o arguido vinha acusado para aqueloutro do art. 25° do mesmo diploma; 3 - Na verdade, as circunstâncias agravantes do art. 24° referem-se à ilicitude do facto e são de funcionamento automático bastando para a sua verificação que o Tribunal considere como provado o crime base do art. 21°, cometido naquelas circunstâncias; 4 - Por outro lado, as circunstâncias previstas no art. 25°, que são meramente exemplificativas, também elas se referem à ilicitude do facto. Trata-se de um privilegiamento do ilícito base atenta a verificação de determinadas circunstâncias que, em concreto, podem levar a uma diminuição da pena em consequência da diminuição do grau de censura do facto; 5 - Assim sendo, operando taxativamente e de forma vinculativa as circunstâncias agravantes do crime de tráfico, não pode o Tribunal considerar que a actuação do agente se inclui num tipo legal que consagra uma diminuição da ilicitude do facto; 6 - Ou seja, não podem as circunstâncias atenuantes de aplicação não automática afastar as circunstâncias agravantes vinculativas de funcionamento automático pelo que, 7 - Cometendo o agente o crime de tráfico de produtos estupefacientes no interior do estabelecimento prisional, o mesmo tem de ser punido pelo crime base, agravado pelo local da prática dos factos ( previsto no art. 24° al. h) do já citado Decreto-Lei ); 8 - Por tudo o exposto, ao proferir o acórdão recorrido nos termos em que o fez, o Tribunal violou o preceituado nos arts. 21°,24° e 25° do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro; 9 - Pelo que deve a decisão ser revogada e substituída por outra que condene o arguido, nos exactos termos em que vinha acusado, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelas disposições combinadas dos arts. 21° e 24° al. h) do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro.

    Termos em que, dando provimento ao presente recurso nos termos supra expostos, farão V. Exas.

    Justiça. (fim de transcrição) 1.2 O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, com efeito suspensivo. (fls. 144) 1.

    3 Respondeu o arguido, a defender que a sua conduta - que o Tribunal subsumiu à previsão do art.º 25.º, do Dec. Lei n.º 15/93 - o deve ser à do art.º 26.º, do mesmo diploma . (fls. 148 a 151) 1.

    4 Os autos foram enviados para o Tribunal da Relação do Porto, que os remeteu ao Supremo Tribunal de Justiça .

  2. 5 Neste Tribunal, o Ministério Público requereu que, havendo lugar a alegações, elas fossem produzidas por escrito .

  3. 6 Em alegações, o Ministério Público pronunciou-se pelo acerto da 'qualificação jurídica dos factos feita pelo douto acórdão recorrido' (fls. 168 a 188) e o recorrido defendeu que 'deverá improceder o recurso interposto pela Digna Magistrada do Ministério Público do Tribunal a quo' . (fls. 189 a a 191) 2. Realizada a conferência, cumpre decidir .

  4. 1 A matéria que o Tribunal de Matosinhos deu como assente é a seguinte : "No dia 31 de Janeiro de 2005, cerca das 19.00 horas, na cela nº ... do pavilhão B, do Estabelecimento Prisional do Porto, em Custóias, Matosinhos, onde se encontrava recluído BB, foi efectuada uma revista por guardas prisionais; na mesma cela estava, naquele momento o arguido.

    No decurso dessa revista foi encontrada e apreendida uma substância com o peso líquido de 21,450 g, a qual, submetida a exame laboratorial revelou ser Canabis (resina), substância incluída na tabela I-C do Anexo ao citado Decreto - Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, pertencente ao arguido.

    O arguido, consumidor de haxixe desde a adolescência, destinava aquela substância ao seu consumo, sem prejuízo de ceder parte dela a terceiros, de entre os quais o recluso BB, sendo que, imediatamente antes da revista se preparavam para consumir os dois parte daquele haxixe.

    O arguido agiu livre e conscientemente, conhecendo as características estupefacientes daquele produto, sabendo que o seu consumo, aquisição, detenção, venda ou cedência a qualquer título são actos proibidos e punidos por lei.

    O arguido provém de uma agregado familiar constituído pelos pais e um irmão, marcado pelo relacionamento conflituoso dos pais, que conduziu ao abandono da família por parte da mãe, quando o arguido tinha cerca de 6 anos de idade, abandono motivado pelo alcoolismo e agressões do marido. Com 14 anos de idade faleceu o pai do arguido e passou a ser ele o responsável pelo sustento da casa, tendo trabalhado durante 8 anos como ourives. Também por volta dessa idade passou a consumir haxixe, hábito que manteve. Completou o 9º ano de escolaridade no regime nocturno. Abandonou a actividade de ourives passando a trabalhar como vigilante durante 3 anos, depois como serralheiro durante 2 anos, regressando à actividade de vigilante que manteve mais 2 anos até ficar desempregado com a falência da empresa, situação em que se encontrava quando foi detido.

    Desde a data da apreensão do haxixe, supra referida, o arguido abandonou o consumo de estupefacientes, e desde 24/08/2005 trabalha na biblioteca.

    Manifesta firme intenção de se manter afastado do consumo de estupefacientes e de trabalhar, e confessou os factos descritos.

    FACTOS NÃO PROVADOS Nada mais se provou, e, designadamente, não se provou que o arguido destinasse todo o estupefaciente encontrado na sua posse à venda ou à cedência a terceiros, nem que tivesse a finalidade de obter lucros.

    (fim de transcrição) 2.

    2 E, perante esta factualidade, explicitou o seguinte raciocínio de qualificação : "Atentos os factos que acima se descrevem consideramos que o arguido cometeu um crime de tráfico de menor gravidade, p.p. pelo artº 25º al. a) do DL nº 15/93 de 22/1, com referência à Tabela I-C do Anexo, ao qual, em abstracto, é aplicável a pena de prisão de 1 a 5 anos.

    Não se considera que a conduta deste arguido integre o crime de tráfico p.p. pelos artºs 21º nº 1 e 24º al. h), do citado Decreto-Lei, devido à pequena quantidade de droga encontrada, porque não se demonstrou que o arguido fosse conhecido como vendedor de estupefacientes e porque também não se demonstrou que destinasse à venda e à obtenção de lucros económicos todo o estupefaciente que foi encontrado na sua posse.

    A circunstância agravante de o estupefaciente ser distribuído no interior do estabelecimento prisional não é de aplicação automática, antes, há que ser apreciada, caso a caso, em função da culpa e da ilicitude da conduta do agente.

    Aliás, e em rigor, salvo o devido respeito, esta circunstância só se verifica nos casos em que, dolosa e intencionalmente se pretendem auferir lucros fazendo entrar nos estabelecimentos prisionais estupefacientes para aí serem vendidos e/ou cedidos. Todavia, esses traficantes, os que verdadeiramente se aproveitam da debilidade própria da reclusão para auferirem chorudos lucros, nunca ou raramente são detectados, processados e julgados.

    Antes, o caso habitual, de que este Tribunal é cenário diário nos julgamentos, porque há dois grandes estabelecimentos prisionais na área da comarca, é o infeliz toxicodependente, que por o ser, passa uns pacotes no interior do estabelecimento prisional. Desta forma consegue garantir o seu consumo, e, eventualmente, fazer face a despesas necessárias, tais como café, produtos de higiene, tabaco e um ou outro alimento mais favorito.

    Ora, tratando-se de um toxicodependente, o apelo à droga é inexorável, irresistível e todo esta conduta acaba por ser a única previsível para pessoas em idênticas circunstâncias. O que não é admissível é que não haja vigilância no interior dos estabelecimentos prisionais para garantir que as drogas não entram lá dentro, ou então, somo forçados a concluir como muito injusto que, este tipo de cidadãos, porque está recluído, é muito...

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