Acórdão nº 07P2601 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Setembro de 2007

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução12 de Setembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: No processo comum colectivo nº 702/06.8GCALM, da 6ª Vara Criminal de Lisboa - 1ª secção, foi submetido a julgamento, com outro, o arguido AA, filho de BB e de CC, nascido em 25/01/83, natural de Lisboa, solteiro, servente de pedreiro, residente na rua Rainha Dª Catarina, ..., .., Bairro da ..., Lisboa, actualmente detido no EP de Lisboa.

Por deliberação do Colectivo foi AA condenado pela prática: a) em co-autoria material, na forma consumada e como reincidente, de um crime de furto de uso de veículo, p. p. pelo art.208º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão; b) em co-autoria material, na forma consumada e como reincidente, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão; c) em co-autoria material, na forma consumada e como reincidente, de um crime de roubo, p. p. pelo art. 210º, nº1, do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão; d) em autoria material, na forma consumada e como reincidente, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291º, nº 1, al. B), do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; e) em autoria material, na forma consumada e como reincidente, de um crime de condução de veiculo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº 1 e 2, do Dec. - Lei nº 2/98, de 03/01, na pena de 1 ano de prisão; f) em autoria material, na forma consumada e como reincidente, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347º do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão.

Em cúmulo jurídico das penas referidas foi o arguido condenado na pena única de 8 anos de prisão.

De tal acórdão interpôs o arguido AA recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, apresentando a motivação de fls. 897 a 925, que rematou com as seguintes conclusões: 1ª - Quanto ao furto do veículo, o mesmo destinou-se apenas e exclusivamente para a prática dos factos que consubstanciaram os crimes de roubo.

  1. - O uso do veículo correspondeu ao modo de execução dos crimes de roubo, que já estará devidamente ponderado na medida da pena concreta aplicada aos referidos crimes.

  2. - O crime de uso de veículo é, de facto, de ínfima gravidade, não devendo, desta forma ser autonomizado, até atendendo ao valor diminuto do veículo, bem como ao facto de todo o recheio da viatura ter sido recuperado.

  3. - A conexão temporal é uma premissa fundamental para a unificação de vários actos num só crime.

  4. - Existe inequivocamente conexão temporal dos vários actos, já que entre a tomada de contacto com o veículo e os roubos medeiam apenas 15 minutos.

  5. - Os elementos factuais apurados permitem-nos concluir, com toda a certeza, que estamos perante uma única resolução (criminosa) por banda do Recorrente, ou seja, estamos perante uma unidade de resolução, um só processo de deliberação sem serem determinados por nova motivação.

  6. - Nestes termos, só um tipo de crime é real ou efectivamente preenchido, razão pela qual, naturalmente, se estará perante um só crime: no caso, o previsto no art. 210º, nº 1 do CP, punível com pena de prisão até 8 anos.

  7. - O crime de crime de furto de uso de veículo (art. 208.º n.º 1 do CP) estará em concurso aparente com os dois crimes de roubo (art. 210.º n.º 1 do CP), verificando-se assim uma violação do artigo 30.º, n.º 1 do Código Penal.

  8. - Por outro lado, refere o artigo 208º, n.º 1 que "se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal", pelo que existe aqui uma subsidiariedade expressa.

  9. - Nestes termos, o legislador introduziu uma condição referente à definição e conteúdo da moldura penal abstracta.

  10. - Na medida em que o comportamento se traduziu no modo de execução do crime de furto, o comportamento e os elementos objectivos e subjectivos do identificados no douto acórdão já deverão estar devidamente ponderados na aplicação da medida da pena do crime de roubo.

  11. - Desta forma, e na medida em que, à conduta do Requerente cabe pena mais grave por força de outra disposição legal (art. 210.º n.º 1 do CP), encontra-se violado o mencionado artigo 208º, n.º 1, in fine do CP.

  12. - No que concerne à medida da pena concretamente aplicada ao crime de furto de uso de veículo, a mesma é manifestamente excessiva.

  13. - Na moldura abstracta fixada no artigo 208.º n.º 1, que pune o crime de furto de uso de veículo com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, o Tribunal a quo estabeleceu a concreta medida da pena em 1 ano e 3 meses de prisão.

  14. - São parâmetros da medida concreta da pena a culpa do arguido, exigências de prevenção, a moldura penal abstracta, e o tipo legal de crime em causa.

  15. - A culpa do arguido não se afigura manifestamente excessiva.

  16. - No que respeita às exigências de prevenção, as mesmas são cumpridas pelo facto do agente se encontrar punido por outros crimes (os crimes de roubo) pelo que estão cumpridas tais exigências.

  17. - No que respeita ao bem jurídico protegido pela norma, a actuação do Recorrente resume-se a uma utilização inequivocamente momentânea do veículo, não tendo da mesma resultado qualquer consequência que permitisse aplicar uma pena situada no espectro mais rigoroso da tutela daquele bem jurídico.

  18. - Pelo que, a pena de 1 ano e 6 meses aplicada ao ilícito é manifestamente excessiva.

  19. - Não tendo assim sido correctamente determinada a pena concretamente aplicada, violou o Acórdão recorrido o disposto no artigo 71.º do CP.

  20. - O crime de condução de veículo sem habilitação legal (art. 3º, n.º 1 e 2, do Dec.-Lei n.º 2/98, de 03-01) estará em concurso aparente com o crime de condução perigosa de veículo rodoviário (291º, n.º 1, al. b), do Código Penal).

  21. - A condução perigosa de veículo rodoviário resultará, no caso em apreço, directamente da não habilitação do indivíduo para conduzir veículos automóveis.

  22. - Se, por um lado, o crime de condução sem habilitação legal é um crime de perigo abstracto, já o crime de condução perigosa de veículo rodoviário é um crime de perigo concreto, pelo que deverá absorver o perigo abstracto e afastar a aplicação de uma outra norma ao mesmo facto típico que consubstancia a aplicação de uma pena.

  23. - perigo unitário criado deverá impedir a consideração desligada de várias formas de realização típica.

  24. - Nestes termos, o Recorrente ao conduzir sem habilitação legal criou um perigo concreto para os bens jurídicos individuais protegidos pelo art. 291.º, pelo que o ilícito deverá ser apenas punido pelo art. 291.º, não devendo a violação grosseira de regras de circulação rodoviária ser punida duas vezes.

  25. - O perigo concreto resulta, pois, da inabilidade do Recorrente para conduzir, consequência abstractamente previsível em virtude da referida falta de habilitação legal.

  26. - Existe conexão temporal dos actos que consubstanciam dois tipos de ilícito distintos, os elementos factuais apurados permitem-nos concluir que existe uma única resolução (criminosa) do Recorrente, e, finalmente, Nada nos permite concluir, dos factos apurados, que exista mais do que um processo de deliberação imputável ao Recorrente, existindo apenas uma única resolução criminosa, que persistiu ao longo de toda a realização.

  27. - Nestes termos, está-se perante uma situação de concurso aparente de normas por se considerar que o crime de condução de veículo sem habilitação é absorvido pelo crime de condução perigosa de veículo rodoviário.

  28. - Violando o Acórdão recorrido o artigo 30.º do CP relativo ao concurso de crimes.

  29. - No que respeita exclusivamente à Pena concretamente aplicada ao crime de condução perigosa de veículo rodoviário, a mesma é manifestamente excessiva.

  30. - Não ficou provada qualquer violação das regras de prioridade, das regras relativas à ultrapassagem, das regras relativas a inversão de marcha em auto estrada ou estrada fora de povoações ou de regras de sinalização de veículos parados em auto-estradas ou estrada fora de povoações.

  31. - Considerou-se ter havido apenas uma violação das regras de circulação rodoviária consubstanciada na infracção das regras relativas ao trânsito de peões, na condução em velocidade excessiva e na obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita.

  32. - Quanto à condução em velocidade excessiva, a velocidade a que o arguido circulou não foi concretamente apurada, pelo que a mesma poderia ser de 51km/hora ou de 200km/hora.

  33. - Não existiu dolo directo no que respeita aos danos dos veículos com as matrículas TA e PG e que os mesmos foram causa directa do facto do Arguido ter perdido o controlo do veículo, não tendo sido provada qualquer resolução criminosa quanto a estes danos.

  34. - Não há, pois, dolo directo, mas apenas dolo eventual, uma vez que o Recorrente não tinha como objectivo (final) causar danos aos referidos veículos, nem viu tais danos como consequência necessária dos seus actos, mais admitiu tais danos como consequências possíveis.

  35. - Quanto aos parâmetros da medida concreta da pena, a culpa do arguido não se afigura manifestamente excessiva, Pelo que este grau de culpa moderado deverá ser atendido para efeitos de determinação da pena.

  36. - Atendendo às exigências de prevenção, as mesmas são cumpridas pelo facto do agente se encontrar punido por outros crimes (acima referenciados).

  37. Quanto aos bens jurídicos protegidos pela norma, foram apenas postos em causa com a conduta do arguido a segurança na circulação rodoviária e a integridade de bens patrimoniais alheios, embora de valor não excessivamente elevado.

  38. - Pelo que a pena de 1 ano e 6 meses aplicada ao ilícito afigura-se como manifestamente excessiva.

  39. - Não tendo assim sido correctamente determinada a pena concretamente aplicada, violou o Acórdão recorrido o disposto no artigo 71.º do CP.

  40. - No que respeita ao crime de resistência e coacção sobre funcionário, a pena concretamente aplicada é excessiva.

  41. - A violência exercida contra o funcionário foi de ínfima gravidade.

  42. - Não se tendo tratado de resistência e violência gratuita e de verdadeira intenção de...

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