Acórdão nº 07P2080 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Setembro de 2007

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução05 de Setembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça --- Nos autos de processo comum com o nº 790/98, do Tribunal da Relação de Coimbra, o arguido AA, casado, filho de A...R...dos S... e M...d...R...G...de O..., nascido a 18/12/1940 no lugar de Mamarosa, Oliveira do Bairro e residente na Avenida do Cabecinha nº ...,Anadia,Procurador da República -Adjunto jubilado, foi acusado pelo Digno Magistrado do Ministério Público que lhe imputou a prática de - um crime de abuso de poder p. p. pelo art.º 382º do Código Penal (CP); -um crime de denúncia caluniosa p. e p. pelo artº 365º ,nº 1 do CP; - um crime de prevaricação p. p. no artº 369º, nº 4 do CP, pelos factos constantes do despacho de pronúncia de fls. 286 a 292 (vol. II) Foram-lhe ainda imputados três crimes de prevaricação ps. e ps. pelo artº 369º, nº 4 do CP pela factualidade constante da acusação de fls. 274º e segs. do apenso ao 2º volume.

-O arguido, na contestação apresentada no volume III - fls. 346 a 375 - suscitou a questão prévia da suspensão do presente processo face à pendência no Supremo Tribunal Administrativo do recurso contencioso de anulação ali registado com o nº42.307.

Realizado o julgamento, o Tribunal da Relação de Coimbra, proferiu acórdão em 28 de Junho de 2006 que decidiu indeferir a requerida suspensão do processo, e: " - Julgar extinto por prescrição o procedimento criminal no que concerne aos crimes de abuso de poder e denúncia caluniosa.

- Julgar provada a acusação no que diz respeito aos crimes de prevaricação condenando o arguido na pena de dois anos de prisão cuja execução se suspende por um período de dois anos.

O arguido pagará 15(quinze) Ucs de taxa de justiça que será acrescida de 1% nos termos do artº 13º, nº 3 do D.L. 423/91 de 30/10.

Transitado remeta: - Remeta boletins ao CICC - Comunique à Procuradoria - Geral da República."--- Inconformado, recorreu o arguido, apresentando as seguintes conclusões: B1: O douto acórdão recorrido errou ao não determinar a suspensão do processo até que fosse conhecida a decisão do recurso interposto para o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, por parte do Secretário de Estado das Obras Públicas.

B2: e, como tal, ao fazer apelo implícito ao disposto no artº 7º do Código de Processo Penal, tanto mais que aquela causa já estava pendente na jurisdição competente.

Por outro lado, B3: a junção aos autos de certidão, com nota de trânsito em julgado da decisão do referido alto Tribunal, é ilícita face ao disposto no nº 2 do artigo 706º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 4º do Código de Processo Penal. Acresce que, B4: devem V.as Ex.as nesta sequência argumentativa, uma vez que julgam em "apelação", proceder à rectificação da matéria de facto dado como assente pelo acórdão recorrido, face ao constante daquele outro do Supremo Tribunal Administrativo. Acresce que, B5: no que toca à questão das "duas acusações" deduzidas nos autos não só não convence, salvo o devido respeito, a argumentação aduzida no acórdão, como a mesma é irrita, por desconsideração, pura e simples, do disposto no nº 2 do artigo 24º do Código de Processo Penal. Mas há mais: B6: a segunda acusação deduzida viola o princípio da lide leal ou do fair trial, com assento no nº 1 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, norma esta, de resto, directamente aplicável.

B7: Também se afiguraria sempre credor de censura a condenação do arguido no quadro da pluralidade criminosa, sendo certo que o tribunal a quo, salvo o devido respeito, uma vez mais, errou, ao não considerar a actuação do arguido no quadro da unidade criminosa, assim resultando violado o disposto no artigo 30º nº 2 do Código Penal, norma desconsiderada pelo douto colégio de Exmos Juízes Desembargadores.

B8:ainda que se considerando que o arguido agiu em erro, nos termos do nº 2 do artigo 16º do Código Penal. A terminar: B9: não concordando v.as Ex.as com as precedentes considerações, então devem proceder à anulação do julgamento, com reenvio do processo, para que seja dada observância ao aqui falado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo. Ou então, B10: julgando V.as Ex.as em "apelação", deverão proceder, face aos dados resultantes do aresto acabado de referir, alterar a matéria de facto e, nesta sequência considerarem que os factos atendíveis não permitem a subsunção da conduta do arguido nos elementos típicos do crime de prevaricação e absolver o arguido.

--- Respondeu o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto à motivação de recurso, limitando-se a reafirmar a posição já manifestada na resposta de fls 1341 e segs, aqui por reproduzida.

--- Neste Supremo, o Ministério Público p. se designasse data para audiência.

--- Foi o processo a vistos, e realizou-se a audiência pública, com as formalidades legais.

--- É a seguinte a fundamentação da Relação, em matéria de facto: A- Factos dados como provados: 1. Em resultado de inventário obrigatório aberto por óbito de sua mãe, o arguido passou a ser comproprietário, juntamente com sua irmã, BB (identificada a fls. 110),na proporção de metade, de um prédio rústico denominado Lameiro, sito na freguesia de Cantanhede descrito na Conservatória do registo Predial de Cantanhede sob o nº 16210, a confrontar a norte com M...da C..., a sua com A...C...V... e outros, a nascente com A...C...V... e vala e a poente com estrada camarária e caminho.

  1. Com vista ao alargamento e beneficiação da Estrada Nacional 234,entre Mira e Cantanhede e por tal necessário, foi aquele prédio, juntamente com outros, objecto de expropriação por utilidade pública urgente, cuja declaração ,aprovada por despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado das Obras Públicas de 4 de Abril de 1995, foi publicada no Diário da República, II Série, nº 125, de 30 de Maio de 1995.

  2. Deste facto e da instauração do processo expropriativo que se lhe seguiu teve o arguido conhecimento, pelo menos em data anterior a 28 de Maio de 1996,embora o prédio do arguido fosse ali incorrectamente referenciado como parcela pertença de A...P...de O....

  3. Na sequência disso, foi em 2 de Agosto de 1996 e 3 de Agosto de 1996 publicado no Diário de Coimbra e Jornal de Notícias, respectivamente, a autorização da posse administrativa da parcela referenciada com o nº 14.10-A, por parte da Junta Autónoma da Estrada, com a informação do respectivo edital onde constava a identificação correcta da mesma, bem como a identificação correcta de um dos comproprietários - BB - vindo ali identificado o outro comproprietário ,isto é , o ora arguido, sob o nome de A...A...O...G..., nome pelo qual é também conhecido(chamado) por algumas pessoas ,tendo a investidura dessa posse ocorrido em 12 de Novembro de 1996.

  4. No dia 10 de Fevereiro de 1997 o arguido tendo conhecimento do início das obras naquela via por parte da empresa "R...s Construtores, Ldª, com sede no lugar De S. Martinho, freguesia de Aguada de Cima, concelho de Águeda, a qual as mesmas foram adjudicadas, e de que elas haviam avançado sobre aquela parcela expropriada, deslocou-se ao local.

  5. Aí, constatando que no prédio se encontrava parada a máquina industrial, tipo retro-escavadora, identificada a fls. 6,pertencnete àquela firma, tratou de pôr termo à situação ,isto é, de impedir o prosseguimento dos trabalhos no mesmo.

  6. Firmado nesse propósito, e sem cuidar de recorrer aos meios judiciais próprios, tal como se lhe exigia, sabendo como sabia perfeitamente que aqueles trabalhos (obras),mais não eram afinal que o resultado da declarada expropriação e da superveniente investidura da posse na esfera da Junta Autónoma de Estradas, dirigiu-se pouco depois ao posto da GNR de Cantanhede , e aí, apresentou-se ao respectivo Comandante, perante o qual se identificou como delegado do Procurador da república a exercer funções na Comarca de Albergaria-a-Velha, cargo de que tomou posse em 2 de Fevereiro de 1984.

  7. E valendo-se dessa qualidade e do poder de que dispõe como autoridade judiciária, alegando contra a verdade de si conhecida que o prédio em causa não tinha sido expropriado e que o mesmo tinha sido ilicitamente ocupado, informando que do facto iria participar criminalmente, do mesmo passo solicitou colaboração para a imediata apreensão daquela máquina, fazendo erroneamente crer aquele agente da autoridade que a mesma se encontrava ilegalmente na sua propriedade.

  8. Tal pretensão foi por isso prontamente satisfeita por aquele Comandante do Posto , que ficou persuadido da veracidade da versão do arguido, ordenado para o efeito a deslocação duma patrulha ao local, tendo sido lavrado o respectivo auto de apreensão conforme documento certificado da fls. 55 - 1º vol. ,por ordem do próprio arguido, como dele consta. Foi nomeado fiel depositário da referida máquina o representante legal da firma proprietária e a notificação dessa apreensão foi feita via fax - cfr. documento certificado a fls. 56- Vol.

  9. Ao agir desta forma o arguido quis propositadamente obstaculizar o prosseguimento dos trabalhos(obras) no prédio expropriado, aludido em 1-supra , sabendo que com tal comportamento ia causar como causou, prejuízos à JAE e à empresa adjudicatária das obras, resultante da paralisação das mesmas.

  10. E fez também uso de um poder, que embora integrado no âmbito das suas funções próprias de Magistrado do Ministério Público ,foi exercido fora da área orgânica da sua jurisdição e utilizado para fazer valer uma pretensão, em clara violação dos deveres de isenção ,lealdade e imparcialidade a que estava obrigado.

  11. O arguido acabou por concretizar depois disso a sua intenção de participar criminalmente, apresentando no Posto da Guarda Nacional Republicana de Cantanhede uma queixa contra o legal representante da empresa "R... Construtores ldª, o Engenheiro Z...R... - Director de estrada do Distrito de Coimbra, o engenheiro supervisor dos trabalhos, o encarregado das obras e o manobrador de máquina - cfr. documento certificado a fls. 47 e 48 - I vol.

  12. Nessa queixa imputou a estes a prática de um crime de introdução em lugar vedado ao...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT