Acórdão nº 07P1416 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Julho de 2007

Magistrado ResponsávelSANTOS MONTEIRO
Data da Resolução11 de Julho de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em audiência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça : Em P.º comum , com intervenção do tribunal colectivo , sob o n.º 183/01 , do 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Pombal , foi submetido a julgamento AA , vindo , a final , a ser condenado I . Pela prática, como autor material, de um crime de falsificação de documento, na sua forma consumada, p. e p. pelo artigo 256º, nºs 1, alínea a), e 3, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; a. Pela prática, como autor material, de um crime de burla qualificada, na sua forma consumada, p. e p pelo artigo 218º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão; b. Pela prática, como autor material, de um crime de homicídio qualificado, na sua forma consumada, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, alínea f) (já não a alínea b)), do Código Penal, na pena de 17 (dezassete) anos de prisão; Em cúmulo jurídico das penas aplicadas foi condenado o arguido AA, na pena única de 18 (dezoito) anos de prisão .

II . Inconformado com o teor da decisão proferida interpôs o arguido recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra , que lhe negou provimento .

Ainda de novo irresignado recorre para este STJ , apresentando , na motivação , as seguintes conclusões : 1. O Tribunal "a quo", ao produzir o aresto de que ora se recorre, incorreu em múltiplas ilegalidades de cariz processual, atropelando princípios normativos que se diriam há muito consolidados no nosso direito do processo do crime, designadamente por tributo à adopção de um sistema acusatório que impõe o respeito pelos direitos, liberdades e garantias do acusado bem como os limites imanentes à repressão criminal.

  1. O Tribunal fundamenta a decisão de condenar o arguido como autor do crime de homicídio de que veio acusado com base numa narrativa que não é passível de se haver verificado, tendo incorrido em erro notório na apreciação da prova, erro esse que se diagnostica da mera leitura da decisão.

  2. A decisão do Colectivo de Pombal a fls. 15, mais tarde ratificada pela do Tribunal da Relação de Coimbra, afirma que, às 23h00, o crime estava a ser praticado, aproveitando os depoimentos conjugados das testemunhas BB e CC, que ouviram sons por essa hora, esta identificando sons de luta.

  3. O Tribunal afirma na fundamentação da decisão em matéria de facto a fls. 15 que "o arguido, face à prova produzida, se deslocou, cerca das 23.00 horas ou 23.05 horas ao restaurante existe no prédio onde habitava onde bebeu a «cavilha» - suas declarações e testemunho do proprietário do restaurante".

  4. Existe um intervalo de cinco minutos entre a hora em que o crime estava a ser praticado e este segundo momento, em que o Tribunal entende que o recorrente se localizava num local sensivelmente distanciado.

  5. É irracional, ilógico e rompe com os critérios que disciplinam o senso comum que o arguido pudesse haver comisso a constelação factual descrita a Factos Provados 29., 30., 31., 33., 34., 36. e 37., percorrido o trajecto a pé para o seu automóvel e depois conduzido para o seu prédio e para o Café Bar que aí se localiza num período temporal inferior a cinco minutos, para aí se encontrar às 23b05 como o Tribunal afirma no Acórdão.

  6. Perante a impossibilidade objectiva da verificação dos factos imputados ao recorrente, incorreu a Sentença recorrida em Erro Notório na Apreciação da Prova, bem como o Tribunal da Relação de Coimbra no Acórdão proferido que negou provimento ao Recurso em Matéria de Facto, ao confirmar esta narrativa impossível.

  7. Os segmentos da decisão vindos de citar importam a exposição, resultante da mera leitura da Sentença, da violação pelo Tribunal Colectivo de Pombal e pelo Tribunal da Relação de Coimbra do Princípio in dubio pro reo.

  8. Fixando o assassinato da vítima às 23h00, deveria o Tribunal ter absolvido o recorrente por respeito ao citado princípio de prova quando reconhece que "existe um período temporal de cerca de meia-hora (entre as 23.00 e as 23.30 horas)" (...) "em que se poderia dizer que o arguido tem um álibi aparentemente seguro, pelo menos para provocar a dúvida ao Tribunal, já que a morte ocorreu no escritório e ele aí não estava nessa altura" (Sentença recorrida, fls. 19) 10. Se o Tribunal reconhece que o álibi apresentado pelo recorrente para o intervalo temporal das 23.00 às 23.30 é apto a produzir a dúvida, a determinação do momento do crime às 23.00 imporia, valorando essa dúvida em favor do arguido, que fosse este absolvido do homicídio de que veio acusado.

  9. Da leitura da decisão decorre que o Tribunal valorou a dúvida contra o recorrente, uma vez que proferiu aresto condenatório, o que implica violação do Princípio in dubio pro reo decorrente do art. 32° da Constituição da República Portuguesa, devendo a decisão ser revogada e substituída por Acórdão que o absolva.

  10. O Erro Notório que se arguiu encontra-se inextrincavelmente ligado á violação do Princípio in dubio pro reo, já que decorre deste último, pelo que a citada nulidade deve ser articulada com a obrigação de absolver o arguido quando surja uma dúvida inultrapassável perante o julgador, como é o caso que se nos depara.

  11. Deve este Supremo Tribunal de Justiça conceder Provimento ao presente Recurso revogando a decisão proferida por Erro Notório na Apreciação da Prova e violação do Princípio In Dubio Pro Reo, assim absolvendo o ora recorrente, sem mais.

  12. Uma Sentença Condenatória é dirigida ao arguido e à comunidade em geral, devendo apresentar-se como um todo objectivo e coerente, expondo alicerces de fundamentação sólidos que sirvam de pilar à resignação do arguido ao castigo que lhe é cometido pela reacção criminal bem como à restituição da confiança comunitária no processo judiciário para salvaguarda de bens eticamente essenciais, assim nos termos dos arts. 205°/1 e 202°/1 da Constituição.

  13. Uma sentença condenatória baseada num processo ilógico, como é o caso, frustra ambos os objectivos da reacção criminal, existindo violação dos deveres de fundamentação e de coerência que decorrem dos citados articulados da Lei Fundamental.

  14. A insuficiência da Fundamentação da Sentença do Tribunal Colectivo de Pombal (não logrando demonstrar um percurso objectivo e racional estribado em regras de experiência apreensíveis) e a contraditoriedade da mesma (porque as premissas em que assenta não são confluentes, antes mutuamente se excluem) conduz à sua nulidade " ex vi " art. 410°/2 do Código de Processo Penal, o que ora se invoca.

  15. O Tribunal recorrido violou o disposto no art. 163°/1 do Código de Processo Penal, não tendo respeitado o conteúdo dos relatórios periciais referentes à perícia à letra do título de cheque e ao exame hemático a que foram submetidas as suas botas.

  16. Relativamente ao exame grafotécnico, quer o Tribunal da Relação de Coimbra quer a 1.ª instância consideraram, não as Conclusões do Relatório, mas asserções isoladas que do mesmo constam para, de acordo com um entendimento indutivo e não científico chegar a asserções que a prova pericial lhe não admite, por essa forma sustentando um móbil do crime doutra forma improvável ou inexistente.

  17. O exame pericial à letra não concluiu que a assinatura aposta no documento fosse falsificada nem tanto menos que essa putativa e inexistente falsificação tivesse sido protagonizada pelo arguido pelo que, ao dar por provado um acervo factual sem justificar no plano científico a razão da sua dissidência, o Tribunal violou o art. 163° n.º 1 , do CPP.

  18. Os exames hematológicos não sustentam a presença do arguido no local do crime, apenas tendo determinado algumas manchas milimétricas não identificadas presentes em uma das botas sem qualquer sinal de projecção ou arrastamento.

  19. Existe apenas uma mancha de sangue que submetida a exame de ADN revelou estirpes comuns à vítima e ao arguido, não possuindo esta sinais de projecção ou arrastamento.

  20. As afirmações a que se conduzem os arestos condenatórios referentes ao pingo com sinais de queda fotografado a fls. 170 dos Autos situa-se na bota oposta àquela onde foi descoberto sangue da vítima e não constitui prova que o recorrente se encontrasse no local do crime, conclusões periciais constantes do Relatório que vinculavam o Tribunal.

  21. A sra. CC que realizou o exame hematológico foi chamada a prestar esclarecimentos ao Tribunal, tendo produzido, à distância de sete anos, produzido declarações que desrespeitam as conclusões da sua perícia, que a contradizem e que não podem ser valorados como elementos de prova a título pericial.

  22. Quando pretendesse o Tribunal prover pela ampliação ou modificação dos resultados do exame deveria ter ordenado novo exame pericial, nunca considerar supridas as suas insuficiências com base em esclarecimentos que contradizem as conclusões do elemento probatório.

  23. Ao abrigo do disposto no art. 722º do Código de Processo Civil por remissão do art. 4º do Código de Processo Penal, suscita-se a apreciação deste Supremo Tribunal de Justiça para quanto vai ora concluído relativo á violação das regras sobre o especial valor probatório dos dois sobreditos Relatórios Periciais, o que importa a impugnação dos Factos havidos por provados sob os itens 20., 21. e 29. a 38 •.

  24. Porque a prova pericial determina a alteração da matéria de facto, fica precludida a suficiência dos factos provados para sustentar a condenação do recorrente por crimes de burla, falsificação e homicídio qualificado, razão por que deve ser absolvido, sem mais.

  25. O Tribunal da Relação de Coimbra absteve-se de conhecer um conjunto de questões jurídicas que foram submetidas à sua apreciação com a interposição do Recurso e que ficaram integradas no respectivo objecto processual.

  26. O Acórdão produzido pela 2.ª instância não se deteve nas questões que foram apresentadas a Julgamento pelo recorrente, não apreciando a validade dos seus argumentos e não avaliando os problemas que este veio arguir, sobre os quais não profere decisão, inexistindo um "exercício crítico substitutivo do «exame critico»...

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