Acórdão nº 07P2308 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Julho de 2007

Magistrado ResponsávelPEREIRA MADEIRA
Data da Resolução05 de Julho de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

No 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca do Cartaxo, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, o arguido AA, nascido no dia 20 de Abril de 1970, devidamente identificado, acusado pelo Ministério Público da prática, em autoria material e concurso real, de um crime de incêndio, explosão e outras condutas especialmente perigosas, p. p. pelo art. 272.º, n.º 1, als.

  1. e c), do Código Penal, um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. p. pelos arts. 22.º, 23.º, 73.º, 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, al.

    a), do citado Código, e um crime de homicídio na forma tentada, p. p pelos arts. 22.º, 23.º, 73.º e 131.º, ainda do mesmo diploma.

    Por acórdão de 3 de Março de 2006, o tribunal colectivo de 1.ª instância julgou a acusação parcialmente procedente e, em consequência: - absolveu o arguido AA da prática, em autoria material e em concurso real, de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. p. pelos arts. 22.º, 23.º, 73.º, 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do Código Penal, e de um crime de homicídio na forma tentada, p. p. pelos arts. 22.º, 23.º, 73.º e 131.º, do Código Penal; - pela prática, em autoria material, de um crime de incêndio, explosão e outras condutas especialmente perigosas, p. p. pelo art. 272.º, n.º 1, al.

    a), do Código Penal, condenou o arguido AA na pena de 5 (cinco) anos de prisão.

    Inconformado, o arguido recorreu de facto e de direito à Relação de Évora com estas conclusões: (1), que, por seu acórdão de 20 de Março de 2007, decidiu «de harmonia com o disposto no n.º 1 do art. 420.º do CPP, em rejeitar o recurso interposto pelo arguido AA, dada a sua manifesta improcedência».

    De novo inconformado, recorre agora o arguido ao Supremo Tribunal de Justiça assim delimitando em conclusão o objecto do recurso: 1) O acórdão recorrido, afirma que: "o recorrente não cumpriu na sua plenitude, as exigências normativas previstas nos números 3 e 4 do art. 412° do CPP, porquanto não especificou os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa da recorrida por referência aos respectivos suportes de gravação.

    Em consequência está o Tribunal da Relação impossibilitado de proceder à modificação da decisão proferida em sede de matéria de facto pelo tribunal a quo... ", in pág. 18 e 19 do douto acórdão da Relação de Évora.

    2) Sucede que, o acórdão recorrido enferma da nulidade prevista na al. d), do n.º 2, do art. 120.º do CPP.

    3) O duplo grau de jurisdição em matéria de facto é direito positivo, pelo que, não devem os Tribunais na busca da verdade material criar obstáculos nesse caminho, mas colaborar na sua eventual remoção.

    4) O Tribunal da Relação de Évora violou o disposto no art. 32. ° da Constituição da República Portuguesa, porquanto considerou que o arguido não cumpriu na sua plenitude, as exigências normativas previstas nos números 3 e 4 do art. 412° do CPP, rejeitando o recurso e consequentemente, não conhecendo erros de julgamento da matéria de facto, nem facultando a oportunidade processual de suprir o vício detectado.

    5) Todavia tal interpretação é inconstitucional.

    6) Com efeito, o art. 32°, n.º 1 da Lei Fundamental deve ser interpretado no sentido de antes de se extrair a referida consequência, dever ser o recorrente convidado a suprir as exigências processuais previstas nas alíneas b) e c), do n. ° 3, do art. 412° do CPP, caso não se encontrem cumpridas.

    8) Sob pena, se assim não fosse, o arguido ver limitado o seu direito de defesa, constitucionalmente previsto no art. 32°, n.º 1.

    9) Na verdade, a ponderação de valores entre a falta processual e, no caso, o direito a exercer a sua defesa, relativamente à decisão que se pronunciou no sentido da manutenção da condenação em pena de prisão, impõe tal interpretação, sob pena de violação também do art. 13.º da Constituição da República Portuguesa.

    10) Em tais termos, há que proceder à concordância prática entre a plenitude de garantias de defesa do arguido e as exigências formais do processo penal, que, no caso em apreço é possível, mais do que isso, é exigida pelo art. 18°, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

    11) Razão pela qual, deve o arguido ser convidado a suprir as deficiências detectadas.

    l2) No teor do douto acórdão recorrido consta que: "a sentença recorrida não enferma do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ", in pág.

    16.

    13) Todavia, salvo o devido respeito, tal entendimento consubstancia uma manifesta violação do disposto no art. 410°, n.º 2, do CPP, no sentido de concluir pela prática por parte do arguido, ora recorrente, do crime em que foi condenado.

    14) Dos factos dados como provados não podemos concluir que se tratou de um incêndio de relevo, de extensão e intensidade indiscutíveis.

    l5) Acresce que, não se refere, nos factos dados com provados, nomeadamente 12 e 13, se existiu abrasamento do edifício, qual a sua extensão ou intensidade.

    16) Tais elementos são essenciais à qualificação jurídica dos factos.

    17) De onde se conclui verificar insuficiência da matéria de facto para a decisão, sabido que a dimensão e extensão do fogo é elemento incontornável para a qualificação jurídica dos factos.

    18) Termos em que, não se mostra preenchido o tipo objectivo de ilícito, nomeadamente, provocar incêndio de relevo.

    19) Na verdade, a matéria de facto é insuficiente para concluir pela prática do crime de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas, p. e p. no art. 272° do Código Penal.

    20) Termos em que, deve ser anulado o julgamento para ordenar o suprimento do vício do art. 410°, n.º 2 do CPP, maxime, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

    21) Por outro lado, o Tribunal da Relação de Évora entendeu não existir o mínimo indício de o tribunal de 1.ª instância "ter ficado na dúvida em relação aos factos postos em destaque pelo recorrente ", in pág. 17 do aresto recorrido.

    22.a) O princípio in dubio pro reo, "pretende garantir a não aplicação de qualquer pena sem prova suficiente dos elementos de facto típico e ilícito que a suporta, assim como dolo ou negligência do seu autor", cfr. Cristina Líbano Monteiro in Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1997. p. 11.

    23) A condenação do arguido que a Relação manteve, parte erroneamente de dois pressupostos: primeiro que o incêndio foi de relevo; segundo, que lavrou extensamente.

    24) Todavia dos factos provados não encontramos os necessários ao preenchimento dos elementos do crime em que o arguido foi condenado.

    25) Em suma, nos presentes autos, foi criada uma dúvida razoável: a prática dos factos pelo quais foi condenado o arguido e consequentemente, a culpa deste.

    26.) Assim a sua absolvição aparece como a única atitude legítima a adoptar.

    27) Termos em que concluímos que o tribunal a quo violou ainda o disposto no art. 2°, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

    Pelo que, dando provimento ao recurso, Vossas Excelências, fazendo como sempre a melhor Justiça, devem convidar o recorrente a aperfeiçoar a motivação do recurso, com integral cumprimento das especificações previstas no art. 412° do CPP e absolver o arguido pela prática do crime em que foi condenado, fazendo assim, a habitual e necessária JUSTIÇA.

    Respondeu o Ministério Público junto do tribunal a quo ficando-se pela alegação formal de irrecorribilidade da decisão, ante a pena aplicada ao arguido que, por não poder ser agravada, preencheria a previsão do artigo 400.º, n.º 1, f), do Código de Processo Penal.

    Subidos os autos, foi dada vista ao Ministério Público.

    As questões a decidir: 1. Devia a Relação ter convidado o recorrente a aperfeiçoar a motivação, mormente as conclusões respectivas, e ao não tê-lo feito afectou o seu direito de defesa? 2.

    Subsidiariamente: - a) a matéria de facto padece de vícios, mormente de insuficiência? - b) Foi violado o princípio processual in dubio pro reo? No despacho preliminar foi suscitada a questão prévia da rejeição do recurso ante a sua manifesta improcedência.

    Daí que os autos tenham vindo à conferência.

    2.

    Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    Factos provados No dia 15 de Setembro de 2002, pelas 19.25 horas, o arguido AA dirigiu-se à casa de habitação sita na Rua ..., n.º 00, Vila Chã de Ourique, levando consigo um garrafão de plástico contendo cerca de dois litros de gasolina.

    O arguido sabia que o seu pai, ...., residia nesta casa.

    O arguido e ... vinham mantendo há algum tempo vários conflitos verbais.

    Naquela data, e mais uma vez, o arguido e seu pai tiveram uma discussão verbal.

    Após ter entrado na habitação, o arguido derramou parte da gasolina sobre dois sofás que se encontravam junto à porta de entrada e sobre um ciclomotor que se encontrava por baixo de uma escada metálica e, usando um isqueiro, ateou fogo, saindo algum tempo depois.

    O fogo deflagrou naqueles objectos e atingiu .... e .....

    ... sofreu queimaduras de segundo e terceiro graus em ambas as faces do tórax, nos membros superiores, na face, na região cervical, no couro cabeludo e nos pavilhões auriculares, que lhe determinaram setenta e seis dias de doença, com igual período de incapacidade para o trabalho.

    Em consequência das lesões sofridas, ... correu perigo de vida.

    .... foi submetido a duas intervenções cirúrgicas, apresentando como sequelas cicatrizes de queimaduras em cerca de 23% da superfície corporal.

    Solange Maria dos Santos sofreu queimaduras de primeiro e segundo graus na perna e pé esquerdos e no punho direito, que lhe determinaram dez dias de doença, com igual período de incapacidade para o trabalho.

    Apercebendo-se que .... se encontrava no interior da habitação, o arguido voltou a entrar e retirou-a, tendo sofrido queimadura na mão direita.

    O incêndio provocou a destruição parcial dos dois sofás, do ciclomotor, de duas bicicletas e outros danos, de valor não concretamente apurado.

    O incêndio podia ter atingido...

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