Acórdão nº 06S2576 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Julho de 2007

Magistrado ResponsávelMÁRIO PEREIRA
Data da Resolução05 de Julho de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - O autor Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Metalúrgica e Metalomecânica dos Distritos de Lisboa, Santarém e Castelo Branco intentou, no Tribunal do Trabalho de Cascais, contra a R. Empresa-A a presente acção com processo ordinário, emergente de contrato individual de trabalho, pedindo que seja declarado o direito dos associados do Autor, trabalhadores da Ré, que, desde Novembro de 1989, lhe hajam prestado trabalho em regime de dois turnos, rotativos, a que lhes seja contado e remunerado como tempo de trabalho o período diário de trinta minutos de que dispuseram e dispõem para refeição, com a consequente condenação da Ré no pagamento, a esses trabalhadores, das importâncias correspondentes à retribuição, como trabalho suplementar, de 30 minutos por dia, de 2ª a 6.ª feira, desde Novembro de 1989 até ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento.

Alega, para tal, em síntese: Mais de metade dos trabalhadores da R. são sindicalizados e na maioria seus associados.

Os trabalhadores da R. que laboram em regime de dois turnos rotativos dispõem de um "intervalo" de 30 minutos, tempo concedido para as refeições principais desses trabalhadores.

Até finais de 1989, tal período de 30 minutos sempre foi contabilizado e pago como tempo de trabalho.

Depois dessa data, a R. "rompeu com esse entendimento", modificando unilateralmente os critérios de valoração e contagem da prestação que os trabalhadores efectuam, deixando de pagar e de considerar estes períodos como tempo de trabalho para efeito de processamento das retribuições, fazendo-o sem o acordo dos trabalhadores e contra a vontade destes.

A R. contestou.

Excepcionou a ilegitimidade do Autor e a prescrição dos créditos salariais respeitantes ao trabalho suplementar relativo ao período anterior a 9 de Fevereiro de 1994.

Invocou ainda, em síntese: Os intervalos de 30 minutos que se encontram em vigor no regime de dois turnos constituem efectiva interrupção da prestação de trabalho, constituindo um espaço de tempo que se encontra na inteira e livre disponibilidade dos trabalhadores, que podem, inclusivamente, abandonar as instalações da empresa, situação que existe na empresa desde 1974 até à actualidade.

Admite ter tido a empresa "uma prática diversa do entendimento que agora se perfilha", sendo que se tratava de "um mau entendimento motivado por uma errada interpretação da lei", não ficando os trabalhadores investidos em direitos que não têm, apenas por força dessa "prática errada".

Ao menos a partir de 1992, quando foram aprovados horários com um intervalo de descanso de 60 minutos, esse período de interrupção da prestação de trabalho era-o efectivamente e foi reduzido (não dispensado) constituindo um intervalo de descanso.

O Autor respondeu à contestação nos termos de fls. 78 e ss., pugnando pela improcedência das excepções.

Foi proferido despacho saneador, em que se conheceu das excepções invocadas, julgando improcedente a ilegitimidade e procedente a prescrição relativamente aos créditos reclamados anteriormente a 14 de Fevereiro de 1994.

O A. interpôs recurso de apelação do despacho saneador na parte em que julgou procedente a excepção da prescrição (fls. 140 e ss.).

Também a R. interpôs recurso do despacho saneador, mas de agravo e relativamente à parte em que julgou improcedente a excepção da ilegitimidade activa (fls. 150 e ss.).

Condensada, instruída e discutida a causa, foi proferida sentença a julgar improcedente a acção, absolvendo-se a R. dos pedidos formulados pelo A.

Dela apelou o A., tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido o acórdão de fls. 348 e ss., em que: 1.º - concedeu provimento à apelação de fls. 140, revogando a decisão recorrida, que considerou prescritos os créditos reclamados pelo Autor anteriores a 14 de Fevereiro de 1994; 2.º - concedeu parcial provimento à apelação de fls. 275, revogando a sentença e, em conformidade: a) declarou o direito dos associados do Autor, trabalhadores da Ré, que, desde Novembro de 1989, lhe hajam prestado trabalho em regime de dois turnos, rotativos, a que lhes seja contado como tempo de trabalho o período diário de trinta minutos de que dispuseram e dispõem para refeição; b) condenou a Ré no pagamento, a esses trabalhadores, das importâncias correspondentes à retribuição, como trabalho suplementar, de 30 minutos por dia, de segunda a sexta feira, desde 14 de Fevereiro de 1994 até ao trânsito em julgado do acórdão, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento; 3.º - negou provimento ao agravo, confirmando-se a decisão recorrida.

II - Desse acórdão interpôs a Ré a presente revista, com as seguintes conclusões:

  1. Da prova produzida nos autos, mais concretamente, das respostas dadas aos quesitos 1 ° e 2°, resulta de forma cristalina e inquestionável, que o intervalo de 30 minutos estabelecido para os trabalhadores da Recorrente que laboram em regime de dois turnos constitui um espaço de tempo na inteira e livre disponibilidade desses trabalhadores, sendo que, nesse período, os trabalhadores interrompem a prestação de trabalho, só a retomando depois do período de intervalo.

  2. A inexistência de prestação de trabalho efectivo durante as mencionadas pausas de trinta minutos diários deve ser tomada em consideração e adequadamente valorizada na decisão a proferir pelo Supremo Tribunal de Justiça, e não ignorada, como fez o Venerando Tribunal a quo, tanto mais que é incompatível com a tese das vantagens adquiridas sustentada por esse Tribunal.

  3. Ao abrigo das disposições legais sobre a matéria, constitui política da empresa Recorrente a aplicação, às relações laborais estabelecidas com os diversos trabalhadores por si contratados, do horário de trabalho que, a cada momento, estiver em vigor na empresa. Donde, nos contratos individuais de trabalho celebrados pela Recorrente, não existe qualquer cláusula particular em sede de horário de trabalho, mas apenas uma remissão genérica para os horários de trabalho que, em cada momento, estiverem em vigor na empresa.

  4. Uma vez que a Meritíssima Juíza da Primeira Instância não respondeu afirmativamente aos quesitos 16° e 17°, a sua resposta a tais quesitos não pode ser equiparada a um "provado", tanto mais que as alíneas da factualidade assente e as respostas dadas aos quesitos para as quais remetem tais respostas reportam-se, exclusivamente, à realidade de facto vivida na empresa, e não ao modo como os trabalhadores foram apreendendo ou interpretando esses horários, quer na fase pré-contratual, quer já na sequência da celebração dos respectivos contratos individuais de trabalho.

  5. Ora, o carácter marcadamente restritivo da resposta dada aos quesitos 16° e 17° impede que se tenha como provado e, portanto, como adquirido para os presentes autos, não só que os intervalos foram aceites e praticados no pressuposto de que seriam pagos como tempo de trabalho, mas também que, ao deixarem de ser considerados como tempo de trabalho, foram modificados os critérios de valoração da prestação que os trabalhadores efectuam.

  6. Atendendo à matéria de facto assente nos autos, mais concretamente, às respostas dadas aos factos quesitados sob os nºs 1° a 6°, impõe-se concluir que as pausas de trinta minutos para refeição de que gozam os trabalhadores da Recorrente têm de ser qualificadas como aquilo que efectivamente são aos "olhos" da lei: interrupção na prestação de trabalho e, consequentemente, tempo que não pode ser tomado em consideração para efeitos de contagem e pagamento do tempo de trabalho! g) Com efeito, em matéria de horários de trabalho, nem a prática reiterada, nem o uso criam direitos: as normas relativas a horário de trabalho são de interesse e ordem pública, e o uso não pode, reconhecidamente, contradizer aspectos fundamentais do sistema.

  7. Donde, não só as pausas de 30 minutos em causa nos autos não contam, nem podem contar, como tempo de trabalho durante o horário de trabalho estabelecido pela empresa, mas também os trabalhadores da Recorrente, associados do Sindicato Recorrido, não ficaram investidos em qualquer direito por força de uma prática errada da empresa, ainda que esta se tenha mantido entre 7 de Julho de 1976 e Outubro de 1989, altura em que a Recorrente corrigiu o erro administrativo cometido pelos seus Serviços de Pessoal.

  8. O entendimento sustentado pelo Venerando Tribunal a QUO no acórdão sob recurso, conduz, ademais, e em termos práticos, a um resultado inaceitável e injustificado, à luz do Direito e do senso comum, posto que remunerar os intervalos como se de tempo de trabalho efectivo se tratasse equivale a premiar o "trabalho faz de conta".

  9. Acresce que, dos autos não resulta que o não pagamento da meia-hora tenha conduzido a uma diminuição da retribuição mensal dos trabalhadores da empresa Recorrente, como ficou claro ter apenas ocorrido uma alteração no modo de pagamento, sem qualquer repercussão na retribuição mensal dos colaboradores da empresa Recorrente. Mais: o valor-hora pago pela Recorrente até aumentou, na medida em que se passou a dividir a mesma quantidade de dinheiro por um número de horas inferior.

  10. Ao condenar a Recorrente no pagamento das referidas meias-horas, estar-se-ia, pois, a dar origem a um enriquecimento injustificado dos trabalhadores associados do Sindicato Recorrido à custa da Recorrente, uma vez que esta passará a pagar mais caro pelo mesmo tempo de trabalho efectivo.

    I) Não existe, por outro lado, qualquer fundamento ou justificação para que as meias-horas sejam pagas como trabalho suplementar, dado que não se encontram preenchidos os dois requisitos constitutivos desse direito: não houve qualquer prestação efectiva de trabalho (suplementar ou "normal"), nem determinação prévia e expressa da execução do trabalho pela empresa Recorrente.

  11. Ainda que se admitisse, para meros efeitos de raciocínio, que a Recorrente se vinculara a contar e remunerar como tempo de trabalho as...

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