Acórdão nº 96P008 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Setembro de 1996

Magistrado ResponsávelLOPES ROCHA
Data da Resolução18 de Setembro de 1996
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

PROCESSO N. 8/96 Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1 - No Tribunal de Círculo de Santarém, responderam: - A, casado, pedreiro, natural da freguesia e concelho da Chamusca, residente em Vale de Cavalos, Chamusca; e - B, casada, doméstica, natural da freguesia e concelho da Chamusca, residente na Rua ..., Chamusca, ambos com os restantes sinais dos autos, acusados pelo Ministério Público da prática, em co-autoria, de dois crimes de homicídio na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 22, 23, 131, 132, ns. 1 e 2, alíneas c) e g) do Código Penal, na sua redacção originária e, em concurso real com tal crime, do arguido A, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível nos termos do artigo 260, do mesmo Código, também na sua redacção originária, em conjugação com o disposto nos artigos 2 e 3, n. 1, do Decreto-Lei 207/A/75, de 17 de Abril. Constituíram-se assistentes nos autos os ofendidos C e D. Contra os arguidos foi deduzido por parte da primeira assistente um pedido de condenação em indemnização civil, visando a condenação dos arguidos a pagar-lhe a quantia de dois milhões de escudos a título de danos não patrimoniais e de cinquenta e dois mil quinhentos e dez escudos a título de danos patrimoniais, bem como ao Hospital Distrital de Santarém, a quantia de trezentos e vinte e seis mil oitocentos e trinta escudos relativa, rectius, relativa às despesas com a assistência que lhe foi prestada. Pelo acórdão de 27 de Outubro de 1995, a folhas 307-328 dos autos, foi decidido a) Absolver a arguida B da prática dos dois crimes de homicídio na forma tentada; b) Condenar o arguido A, como autor material de dois crimes de homicídio simples, na forma tentada previstos e puníveis nos termos dos artigos 131 e 73, 22 e 23 do Código Penal, nas pessoas dos assistentes C e D, na pena de dois anos e três meses de prisão e de dois anos e três meses de prisão, respectivamente; c) Absolver o arguido da prática do crime de detenção de arma proibida, condenando-a pela contravenção ao disposto no artigo 66 do Decreto-Lei 37313, de 27 de Fevereiro de 1949, na multa de seis mil escudos. d) Condenar o arguido A, nos termos do artigo 77 e 78 do Código Penal, na pena única de três anos e cinco meses de prisão e seis mil escudos de multa; e) Julgar parcialmente procedente o pedido de condenação ou indemnização civil formulado pela assistente C e, em conformidade, condenar o arguido A a pagar-lhe a quantia de um milhão trezentos e vinte e nove mil trezentos e quarenta escudos, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais; f) Absolver a arguida B do pedido cível. 2 - Inconformados, recorreram o arguido A e o Ministério Público. O primeiro formulou as seguintes conclusões na sua motivação depois de anunciar, nesta, que desejava circunscrevê-la à qualidade jurídico-penal dos factos: 2.1. Face aos factos enunciados anteriormente, o Tribunal a quo não devia condenar o arguido como autor material de dois crimes de homicídio, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 131, 73, 22 e 23 do Código Penal, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão por cada um, cujo cúmulo jurídico deu origem à pena unitária de 3 anos e 5 meses de prisão, antes devendo ter condenado o recorrente pela prática, em autoria material, de dois crimes de homicídio privilegiado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 133, 73, 74, 22 e 23 do mesmo diploma. 2.2. E na pena máxima de 18 meses de prisão por cada um que, cumuladas, dariam a pena unitária de 2 anos e 5 meses de prisão. 2.3. Que poderia ser suspendida na sua execução pelo período máximo de 4 anos, face ao disposto no artigo 50, ns. 1 e 5 do novo Código Penal - cfr. artigo 2, n. 4 do mesmo diploma. 2.4. É que, afastada que foi a qualificação do homicídio, na forma tentada, por ausência de todas as circunstâncias sujeitas à especial censurabilidade e perversidade do arguido, nomeadamente a premeditação e provados os requisitos que autorizam o privilegiamento do homicídio por emoção, na forma tentada, especificamente que o arguido se encontrava dominado por compreensível emoção violenta, no momento da prática dos factos, emoção consubstanciada na constatação de que a sua mulher se encontrava deitada na mesma cama do amante, co-autor do adultério, que era seu cunhado, seu compadre, seu padrinho e seu amigo, que a mulher abandonava o lar conjugal levando consigo apenas dois dos quatro filhos menores do casal, que o momento imediatamente anterior à prática dos factos é o momento da confirmação das suspeitas de adultério que o arguido alimentava há mais tempo, que motivado por essa compreensível e forte emoção violenta praticou os factos, havendo assim, entre aquela e estes um nexo de causalidade - foi a dita emoção que o levou a praticá-los e a falecer-lhe o discernimento deixando-o em estado emotivo - passional que o dominou. 2.5. Depois e face à personalidade do arguido, demonstrada em todo o processo, às condições da sua vida, também decorrentes do processo, nomeadamente do relatório do IRS, às suas condutas anterior e posterior aos crimes, que se constatam do seu certificado de registo criminal e na demonstração do seu arrependimento manifestado quer em audiência de julgamento quer na carta que escreveu à amante do cunhado; e às circunstâncias que envolveram os crimes, sem o esquecimento de que o arguido antes de se dirigir para a janela do quarto dos amantes esvaziara dois pneus do carro do D, para não ser perseguido por este, não repugna que seja decretada a requerida suspensão de execução daquela pena. 2.6. A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 131, 133, 73, 74, 22 e 23 do Código Penal anterior e o disposto nos artigos 50 ns. 1 e 5 e 2, n. 4, do actual Código Penal. As conclusões da motivação do recurso do Ministério Público estão assim redigidas: 2.7. Não existindo diferenças significativas na redacção do artigo 275 do Código Penal com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n. 48/95, de 15 de Março, relativamente à disposição do artigo 260 do Código Penal de 1982, afigura-se-nos que a detenção de uma pistola de calibre 6,35 milímetros sem se encontrar registada nem manifestada, continua a integrar a prática de um crime e não de uma contra-ordenação, ou de uma contravenção como foi entendido pelo tribunal. 2.8. Deve pois o arguido ser condenado pela não prática de tal crime previsto e punido pelo artigo 275, n. 2, do Código Penal revisto, por se entender ser este em concreto o regime mais favorável. 2.9. Ao decidir-se pela absolvição do arguido, o Tribunal Colectivo violou o disposto no artigo 260 do Código Penal de 1982, a que corresponde o artigo 275 do Código Penal revisto. 2.10. Sendo as circunstâncias agravantes em maior número e valia que as atenuantes, que não revestem especial relevo, deveria ao arguido ser aplicada uma pena que não ficasse muito aquém do ponto médio da moldura penal que em abstracto comina a conduta do arguido. 2.11. No caso dos autos deveria cada uma das penas parcelares ser fixada em limite próximo de 4 anos de prisão e em cúmulo ser o arguido condenado numa pena única nunca inferior a 5 anos de prisão. 2.12. Ao fixar as penas nos limites em que o fez, violou o Tribunal Colectivo o disposto no artigo 72 Código Penal, a que corresponde o artigo 71 do Código revisto. 2.13. A arguida B ao entrar na residência dos assistentes, depois de o arguido ter disparado e continuar a empunhar a arma; ao forçar, juntamente com o arguido, a porta do quarto onde a assistente se havia refugiado e ao nele entrar podia e devia prever qual o resultado dos mesmos, aderindo e conformando-se com tal resultado. 2.14. O Tribunal Colectivo ao não a condenar pela prática, em co-autoria, de um crime de homicídio na forma tentada na pessoa da assistente C, viola o disposto no artigo 26 do Código Penal. 2.15. Bem como fez errada interpretação da matéria dada como provada e extraísse uma conclusão que se mostra em manifesta contradição com os factos dados como assentes, violando por esta forma o disposto no artigo 410, n. 2, alíneas c) e b) do Código de Processo Penal, respectivamente. 2.16. Nestes termos, deve ser revogado o douto Acórdão recorrido, substituindo-o por outro que contemple as questões equacionados. 3 - Respondeu o recorrente A ao recurso do Ministério Público, concluindo que a este deve ser negado provimento, isto é que deve confirmar-se a decisão absolutória no tocante ao crime de detenção de arma proibida, e decidir-se, quanto ao mais, como se preconiza no seu próprio recurso. 4 - A Digna Magistrada do Ministério Público também respondeu ao recurso do arguido recorrente, concluindo pelo seu improvimento e adiantando: 4.1. Para que seja sensivelmente diminuída a culpa do agente do crime de homicídio deve provar-se a existência de uma emoção violenta, uma relação de causalidade entre o crime e essa emoção, que terá de ser também compreensível. 4.2. Compreensibilidade essa que deve ser aferida na perspectiva do homem médio suposto pela ordem jurídica e que reclama uma adequada relação de proporcionalidade entre o estimulo sofrido pelo agente e a acção criminosa deste. 4.3. Da matéria de facto dada como assente não se pode concluir que o arguido agiu no estado de compreensível emoção violenta. 5 - Também a arguida B respondeu ao recurso do Ministério Público, concluindo que o acórdão recorrido fez correcta aplicação da lei, devendo ser mantido nos seus precisos termos. 6 - O assistente D, veio dizer que fazia sua a douta motivação da Digníssima Delegada do Procurador da República. 7 - Subiram os autos a este Supremo Tribunal e, após a vista a que se refere o artigo 416 do Código de Processo Penal, efectuou-se o exame preliminar. Neste, concluiu-se que os recursos eram os próprios, tinham sido interpostos e motivados em tempo, que foram recebidos no efeito e com o regime de subida adequada e nada se verificava que obstasse ao seu conhecimento. Também se verificou que as recorrentes dispunham de...

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