Acórdão nº 045888 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Setembro de 1994

Magistrado ResponsávelCOELHO VENTURA
Data da Resolução27 de Setembro de 1994
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto na Relação do Porto veio, ao abrigo dos artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal, interpor o presente recurso extraordinário para a fixação de jurisprudência do Acórdão daquele Tribunal de 19 de Maio de 1993, proferido no processo n.º 238/93, 1.ª Secção, transitado em julgado, alegando que: O acórdão recorrido se encontra em oposição com o Acórdão daquela mesma Relação proferido em 11 de Julho de 1990, no processo n.º 24104, da 1.ª Secção, também transitado em julgado; No acórdão recorrido decidiu-se no sentido de que em crime semipúblico cuja participação foi apresentada por mandatário judicial sem que este tenha poderes especiais especificados para o efeito, a correcção do vício e a ratificação do processo só serão eficazes se ocorrerem antes do decurso do prazo de caducidade do direito de queixa estabelecido no artigo 112.º, n.º 1, do Código Penal, pois que, se a ratificação não tiver lugar até ao termo de tal prazo, o direito de queixa encontrar-se-á extinto a consequenciar a ilegitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal; Por seu turno, no acórdão fundamento proferido no mencionado processo n.º 24104, de 11 de Julho de 1990, fora decidido que perante a apresentação de participação nessas circunstâncias deverá o juiz, em qualquer altura do processo, suprir oficiosamente a insuficiência da procuração e fixar prazo dentro do qual deverá ser suprido o vício e ratificado o processado, cujos efeitos se retrotraem à data da apresentação da participação, mesmo que a ratificação ocorra após o decurso do prazo de caducidade do direito de queixa; Ambos os acórdãos foram proferidos num domínio da mesma legislação, estando reunidas as condições de admissibilidade do presente recurso extraordinário, com a consequente legitimidade do Ministério Público para recorrer, ao abrigo dos já citados artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal.

Os autos subiram a este Supremo Tribunal, foi proferido o despacho liminar e, colhidos os vistos, foi decidido, por Acórdão de 17 de Março de 1994, constante de fl. 35 a fl. 36, que o recurso deveria prosseguir por estarem em causa acórdãos da mesma Relação, proferidos no domínio da mesma legislação e que deram solução oposta à mesma questão de direito.

Cumpriu-se o disposto no artigo 442.º do Código de Processo Penal, tendo o Exmo. Magistrado do Ministério Público apresentado doutas alegações, constantes de fl. 40 a fl. 65, onde conclui dever, em sua óptica, fixar-se jurisprudência nos seguintes termos: 1) Em crime semipúblico cuja participação foi apresentada por mandatário judicial sem poderes especiais especificados para o efeito, o suprimento do vício e a ratificação do processado podem efectivar-se com efeitos retrotraídos à data da denúncia, mesmo que já tenha decorrido o prazo de caducidade do direito de queixa previsto no artigo 112.º, n.º 1, do Código Penal; 2) Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 267/92, de 28 de Novembro, caducou a doutrina do Acórdão, com força obrigatória, deste Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Maio de 1992, havendo que considerar-se revogado implicitamente o n.º 3 do artigo 49.º do Código de Processo Penal, pelo que não existe qualquer necessidade de ratificação dentro do prazo de seis meses previsto no artigo 112.º, n.º 1, do Código Penal, de uma queixa por crime semipúblico, apresentada por mandatário munido de simples procuração forense.

Considerando a substância dos dois acórdãos em curso - o recorrido e o fundamento -, tem-se como certo que ambos chegaram a soluções opostas sobre a mesma questão de direito, pelo que não tem este plenário qualquer objecção a opor ao decidido no Acórdão preliminar de 17 de Março de 1994, constante de fl. 35 a fl. 36.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. I - Vejamos, em primeiro lugar, as disposições normativas que interessam à solução da questão suscitada:

  1. O artigo 49.º do Código de Processo Penal de 1987: 1 - Quando o procedimento criminal depender de queixa do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo.

    2 - Para o efeito do número anterior, considera-se feita ao Ministério Público a queixa dirigida a qualquer outra entidade que tenha a obrigação legal de a transmitir àquele.

    3 - A queixa é apresentada pelo titular do direito respectivo ou por mandatário munido de poderes especiais.

    4 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável aos casos em que o procedimento criminal depende da participação de qualquer autoridade.

  2. O artigo 40.º do Código de Processo Civil: 1 - A falta de procuração e a sua insuficiência ou irregularidade podem, em qualquer altura, ser arguidas pela parte contrária e suscitadas oficiosamente pelo tribunal.

    2 - O juiz marcará o prazo dentro do qual deve ser suprida a falta ou corrigido o vício e ratificado o processado. Findo este prazo sem que esteja regularizada a situação, fica sem efeito tudo que tiver sido praticado pelo mandatário, devendo este ser condenado nas custas respectivas e na indemnização dos prejuízos a que tenha dado causa.

  3. O artigo 112.º do Código Penal: 1 - O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular teve conhecimento do facto e dos seus autores ou a partir da morte do ofendido ou da data em que ele se tornou incapaz.

    2 - Sendo vários os titulares do direito de queixa, o prazo conta-se autonomamente para cada um deles.

  4. O Decreto-Lei n.º 267/92, de 28 de Novembro: Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte: Artigo único - 1 - As procurações passadas a advogado para a prática de actos que envolvam o exercício do patrocínio judiciário, ainda que com poderes especiais, não carecem de intervenção notarial, devendo o mandatário certificar-se da existência, por parte do ou dos mandantes, dos necessários poderes para o acto.

    2 - As procurações com poderes especiais devem especificar o tipo de actos, qualquer que seja a sua natureza, para os quais são conferidos esses poderes.

    II - Haverá, ainda, que ter presente o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, com carácter obrigatório para os tribunais judiciais, de 13 de Maio de 1992, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 2 de Julho do mesmo ano, que fixou a seguinte jurisprudência: Os poderes especiais a que se refere o n.º 3 do artigo 49.º do Código de Processo Penal são poderes especiais especificados e não simples poderes para a prática de uma classe ou categoria de actos.

    III - Vejamos agora os argumentos expendidos por cada um dos acórdãos na defesa das respectivas teses.

    1 - Comecemos pelo Acórdão fundamento de 11 de Julho de 1990. A argumentação ali referida pode resumir-se assim: Só há extinção do direito de queixa quando esse direito não tiver sido exercido (eficazmente exercido) dentro do prazo de seis meses; Num caso em que o representante legal do ofendido confirmou a queixa, mas quando já se havia extinto o prazo do exercício desse direito, há que desencadear a fixação do prazo abrangido pela previsão do n.º 2 do artigo 40.º do Código de Processo Civil; A ratificação tem eficácia retroactiva; Se o titular do direito de queixa ratificar o processado, é aquela plenamente eficaz desde o momento em que foi apresentada; Se a queixa for plenamente eficaz desde momento anterior ao transcurso do prazo de caducidade, é juridicamente correcta a afirmação de que existe queixa anterior a esse transcurso; Este não pode determinar a extinção do direito de queixa, uma vez que esta foi feita em devido tempo e com plena eficácia.

    2 - A posição sustentada pelo acórdão fundamento pressupõe, assim, claramente, a aplicação ao processo penal do artigo 40.º do Código de Processo Civil, nele se dizendo expressamente que «não faria sentido que os problemas suscitados pela falta, pela insuficiência ou pela irregularidade do mandato se colocassem no processo civil e que o processo penal se mostrasse absolutamente insensível à imposição desses mesmos problemas», daí que conclua...

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