Acórdão nº 06733/02 de Tribunal Central Administrativo Sul, 29 de Novembro de 2007

Magistrado ResponsávelRui Pereira
Data da Resolução29 de Novembro de 2007
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 1º JUÍZO LIQUIDATÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO Manuel ...

, com os sinais dos autos, veio interpor o presente RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO do Despacho da Srª Secretária Regional dos Assuntos Sociais do Governo Regional dos Açores, datado de 22-10-2002, que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão, assacando-lhe vários vícios de violação de lei e de forma, por falta de fundamentação.

A entidade recorrida respondeu, pugnando pelo improvimento do recurso [cfr. fls. 73/80 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].

Em alegações, o recorrente formulou as seguintes conclusões: "I - Não deveriam ter sido apreciados os factos descritos na nota de culpa nos artigos 1º a 8º e 13º a 14º dado já ter prescrito quanto aos mesmos o direito de instaurar, contra o recorrente, qualquer tipo de procedimento disciplinar aquando da decisão de instauração de processo de averiguações, pelos motivos supra expostos, nos termos do disposto no artigo 4º, nº 2 do DL nº 24/84, de 16/1, pelo que é anulável, por violação de lei, a decisão ora recorrida [artigo 135º do CPA]; II - A matéria vertida nos pontos 13 e 14 da nota de culpa, dada por provada no relatório e sendo também ela tida em conta na determinação da medida da pena aplicada ao arguido, não podia ser dada como provada nem tida em consideração uma vez que a prova obtida para demonstrar a veracidade do alegado foi carreada ilegalmente para os autos com base em violação de sigilo, uma vez que os documentos em causa são nominativos de teor particular, uma vez que reportam-se à saúde dos seus titulares, e cuja informação neles contida, protegida pelo disposto no artigo 195º do Cód. Penal, na sequência do disposto nas disposições legais e regulamentares supra referidas [Lei nº 110/91, de 29/8, e Reg. Int. da O.M.D. nº 2/99, de 22/6, publicado na II Série do DR], sendo que a Lei nº 65/93, de 26/8, não se aplica ao caso vertente, só podendo tal sigilo ser afastado mediante autorização da referida Ordem dos Médicos Dentistas ou por decisão judicial, o que acarreta a nulidade da decisão recorrida na medida em que assenta em provas nulas [artigo 133º do CPA]; III - Assim sendo, tais meios probatórios são nulos, uma vez que obtidos ilegalmente, pelo que prova alguma se pode fazer escorada nos mesmos; IV - A interpretação restritiva feita pela Administração em relação ao disposto nos diplomas Lei nº 110/91, de 29 de Agosto, e DL nº 319/99, de 11 de Agosto, não procede uma vez que o DL nº 319/99, de 11 de Agosto, não impede a emissão de tais atestados a um médico dentista - atente-se que é a própria lei que os chama de médicos dentistas, pelo que a designação legal de médico não os exclui e "ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus"; V - Em segundo lugar, a Lei nº 110/91, de 29 de Agosto, no seu artigo 13º, alínea p), permite aos médicos dentistas o passar atestados médicos sem estabelecer as limitações que se procurou erigir no referido processo disciplinar, aliás nesse sentido já se pronunciou a Ordem dos Médicos Dentistas, pelo que viola a lei, pelo que se torna anulável, a decisão ora recorrida na medida em que entende não ter o recorrente tal competência e o sanciona por tal [artigo 135º do CPA]; VI - Em caso extremo que não se aceita mas que por mera hipótese se discute, havendo dúvidas quanto à extensão da previsão do referido artigo, objecto de interpretação restritiva por parte da Administração, teria sempre a mesma de ser valorada a favor do recorrente e não contra ele [artigo 32º, nº 2 da CRP]; VII - No que concerne ao Dr. Almerindo... o mesmo é utente do Centro de Saúde de São Roque do Pico, os dados constantes da relação dos cuidados prestados aos beneficiários dos Serviços Sociais do Ministério da Justiça de Janeiro, Fevereiro e Março de 2001 só podem ser processados com base nas inscrições constantes do boletim de consulta preenchido pelo médico [docs. juntos], neste caso pelo recorrente, pelo que o atendimento que o referido utente recebeu no Centro de Saúde não representou, como se alega na nota de culpa e se deu como provado no relatório final, uma violação do dever de isenção por parte daquele; VIII - Mesmo que, por hipótese que não se admite mas que apenas se discute, tivesse havido algum "facilitismo" em termos burocráticos no atendimento, por parte dos funcionários do Centro de Saúde do referido utente, tal ter-se-ia ficado a dever ao facto do mesmo ser conhecido do Centro e ter entrado aflito com o seu estado de saúde indo às pressas buscar atendimento na área de especialidade da sua maleita. O facto do Centro de Saúde ter tido sempre conhecimento de todos os factos e ter acompanhado às claras toda a situação através do litígio relativo à requisição dos meios complementares de diagnóstico não aponta no sentido do referido senhor ser um cliente particular do recorrente e do mesmo o estar a atender ilegalmente, pelo que tal situação foi manifestamente mal apreciada e o recorrente condenado injustamente, o que é também gerador de vício de violação de lei [artigo 266º, nº 2 da CRP e artigos 5º, 6º e 135º do CPA]; IX - No tocante às demais situações, qualificadas pela Administração como infracções, cumpre chamar a atenção para os depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas pelo recorrente, ouvidas a fls. 272 e 273 do processo disciplinar, que salientaram o perigo que correm as crianças se durante os tratamentos dentários, com recurso a instrumentos cortantes e perfurantes, não estiverem quietas e não conseguirem suportar um certo grau de dor associado àqueles; X - Entendeu o recorrente, na altura dos factos, ser extremamente necessário, para a saúde oral das crianças, a realização urgente dos tratamentos que efectuou, sendo que ninguém se pronunciou em sentido diverso; XI - Cumpre chamar a atenção para o facto de em todos os casos descritos na nota de culpa as mães encontrarem-se presentes junto das crianças e, em todos eles, terem aquelas sido advertidas da necessidade dos tratamentos médicos a efectuar e da impossibilidade de os realizar uma vez que as crianças não os permitiam. Após o que todas elas, mães, autorizaram o uso da força para o bem das menores, força essa comedida, como a que foi empregue pelo médico; XII - Mesmo que tais autorizações não afastassem a ilicitude da conduta do recorrente o que é certo é que a diminuíram, diminuição essa que não foi tida em conta na determinação da medida da pena aplicada; XIII - Em todo o caso, trataram-se de situações pontuais, perfeitamente circunscritas temporalmente, que não são demonstrativas da personalidade e competência do recorrente que, aliás, ficou sobejamente demonstrada pelos vários depoimentos das testemunhas arroladas pelo mesmo no referido processo, bem como pelos documentos juntos atestando a elevação e qualidade dos bons serviços prestados, e pelas suas classificações de serviço e cursos frequentados; XIV - Não se encontra suficientemente fundamentada a opção pela sanção em concreto aplicável, o porquê a pena de demissão e não outra escapa-nos, veja-se que referência alguma é feita sequer ao disposto no artigo 26º do Estatuto Disciplinar; XV - O artigo 11º do referido estatuto, na sua epígrafe, refere "escala das penas"; ora, de acordo com essa epígrafe que faz parte do texto legal e como tal deve ser tida em conta o julgador deverá aplicar a pena, das previstas, que melhor se coadune com a gravidade da/s infração/ões, devendo, para tal, explicar, suficientemente, o porquê da desaplicação das demais e, portanto, do ser ajustada a escolhida, até porque os motivos invocados para a sua aplicação não constam expressamente do elenco, exemplificativo, do referido artigo 26º; XVI - Assim sendo, essa lacuna na fundamentação, apesar de não acarretar a falta de fundamentação da decisão, mas apenas a sua insuficiente fundamentação, inquina a validade da mesma e aponta claramente no sentido da desproporcionalidade e injustiça vertidas na mesma; XVII - Como demonstrativo dessa desproporção atente-se ao facto de, no processo do recorrente e em todos os seus dados biográficos como funcionário público, não constar qualquer outra sanção disciplinar, sendo, portanto, primário, o que impõe um juízo de ponderação mais cuidadoso da sanção a aplicar-lhe ou invés de saltar logo para a demissão fazendo tábua rasa das demais sanções passíveis de serem aplicadas; XVIII - A aplicação ao recorrente da pena de demissão com base apenas nas supostas agressões, uma vez que as demais "infracções" não podem ser dadas como provadas ou sequer tidas em consideração, é manifestamente desproporcional e injusta, pelos motivos supra referidos, pelo que ilícita [artigos 266º, nº 2 da CRP e 5º e 6º do CPA] e, por conseguinte, anulável [artigo 135º e segs. do CPA].

" [cfr. fls. 86/92 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].

Nas contra-alegações apresentadas, a entidade recorrida concluiu no sentido do recurso não merecer provimento [cfr. fls. 95 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].

Neste TCA Sul, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer, no qual conclui que o recurso merece provimento, por haver manifesta desproporção entre a conduta do recorrente e a pena aplicada, para além de não estar objectivamente demonstrada a inviabilidade da manutenção da relação funcional [cfr. fls. 97/101 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].

Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para julgamento.

  1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Com interesse para a apreciação do mérito do presente recurso, consideram-se assentes os seguintes factos: i.

    O recorrente é médico dentista, do quadro do Centro de Saúde de São Roque do Pico.

    ii.

    Por deliberação do Conselho de Administração daquele Centro de Saúde, datada de 21-8-2001, foi determinada a instauração de um processo de averiguações visando apurar factos relativos ao comportamento do recorrente [cfr. fls...

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