Acórdão nº 01371/06 de Tribunal Central Administrativo Sul, 31 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelLUCAS MARTINS
Data da Resolução31 de Outubro de 2006
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

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, com os sinais dos autos , por se não conformarem com a decisão proferida pelo Mm.º juiz do TAF do 2.º Juízo de Lisboa e que lhes julgou improcedente o recurso que haviam interposto da decisão do Sr. Director-Geral dos Impostos que determinou o levantamento do sigilo bancário sobre as contas bancárias de que sejam titulares , dela interpuseram o presente recurso apresentando , para o efeito , as seguintes conclusões; 1. A derrogação do sigilo bancário , ao abrigo da alínea c) do artigo 63.º-B da LGT , só tem lugar caso existam e sejam identificados pela Administração Tributária indícios concretos da prática de crime doloso em matéria tributária; 2. Porém , os elementos carreados pela Administração Tributária não concretizam os necessários e suficientes indícios da prática de um crime doloso em matéria tributária; 3. A Administração Tributária invocou a diferença entre o valor do imóvel declarado na escritura pública e o valor do empréstimo obtido para a sua aquisição; 4. Contudo , desconsiderou totalmente os factos demonstrados em que tal empréstimo , além de ter sido aplicado na aquisição do imóvel , foi igualmente empregue em obras efectuadas pelo construtor do referido bem em em outras despesas de uso pessoal; 5. Ficaram justificados gastos no valor de € 200.568,07 , pelo que os gastos não documentados são de € 23.931,93 e não a diferença entre o valor da escritura pública e o valor do empréstimo; 6. Mais sendo certo que ter-se-ão como verdadeiras as declarações do contribuinte porquanto a presunção de veracidade das declarações do contribuinte está legalmente consagrada no artigo 75.º da LGT , salvo prova em contrário da Administração Tributária que não logrou efectuá-la; 7. Não existe qualquer imposição legal que obrigue à existência de documento comprovativo das despesas efectuadas pelos contribuintes; 8. Aliás , a falta de exibição de documentos não constitui crime fiscal; 9. A Administração Tributária invocou a inexistência de contrato-promessa. Contudo , não existe qualquer imposição legal que obrigue à existência do mesmo; 10. A invocação pela Administração Tributária de que em 6 de 7 fracções vendidas noutro prédio pelo mesmo vendedor , vieram os adquirentes assumir valores de aquisição das suas fracções superiores aos inicialmente declarados carece em absoluto de relevância para o caso sub judice porquanto se trata de circunstâncias relativas a terceiros , além de que a Administração não fornece um termo de comparação entre as várias situações , nada se dizendo sobre a localização , tipo de construção , entre outros elementos; 11. Face ao exposto , a Administração Tributária não demonstrou a verificação dos requisitos da alínea c) do n.º 2 do artigo 63.º-B da LGT , designadamente , a existência de indícios da prática de crime doloso em matéria tributária , nas situações em que existam factos concretamente identificados gravemente indiciadores da falta de veracidade do declarado na escritura pública , não tendo imputado aos ora Recorrentes qualquer factualidade concreta passível de configurar crime fiscal; 12. Mais acresce que a Administração Tributária não concretiza os necessários e suficientes indícios da prática de crime doloso em matéria tributária , tipificados numa concreta norma incriminadora , designadamente a do artigo 103.º do RGIT , por , desde logo , nada dizer quanto à obtenção de uma vantagem patrimonial ilegítima de valor igual ou superior a € 15.000 ali prevista , na redacção dada pela Lei n.º 60-A/2005 , de 30 de Dezembro , aplicável porquanto se apresenta como o regime concretamente mais favorável aos ora Recorrentes , consagrado no artigo 2.º , n.º 4 do Código Penal , aplicável ex vi artigo 3.º , alínea a) do RGIT.

13. A Administração Tributária não demonstrou que a obtenção de vantagem patrimonial ilegítima pretendida obter pelos Recorrentes fosse igualou superior a € 15.000 , vantagem essa que , constituindo , um elemento do tipo legal do crime , nos termos do n.º do artigo 103.º do RGIT , não foi , consequentemente , imputada aos Recorrentes.

- Conclui pela procedência do recurso com as legais consequências.

- Contra-alegou o Sr. Director-Geral dos Impostos , pugando pela manutençaõ do julgado , nos termos do seguinte quadro conclusivo; 1) A douta sentença recorrida , ao decidir conceder(1) provimento ao recurso , analisou correctamente a questão a decidir , tendo feito uma correcta interpretação e apreciação da matéria probatória constante dos autos , motivo pela qual deve ser mantida.

2) A entidade recorrida considera ,ao invés dos recorrentes , verificados os pressupostos legais mencionados no artigo 63.º-B , n.º 2 , alínea c) da LGT , fundamentadores da decisão ora conformada , sendo que tal raciocínio decorre , não só da interpretação dada ao referido normativo , como decorre também e directamente da prova produzida nos autos , pelo que não podemos deixar de constatar que esta foi correctamente apreciada.

3) Em primeiro lugar , não assiste qualquer razão aos recorrentes quando acusam a Administração Tributária de retirar da matéria dada como assente ,conclusões que os factos permitiriam , nomeadamente porque consideram , erradamente , ter apresentado todos os documentos necessários para a comprovação de despesas efectuadas com o empréstimo concedido.

4) Isto porque está devidamente comprovada a falsidade doselementos por eles declarados em sede de celebração de escritura pública , atendendo a que até agora não foi demonstrada a aplicação nem o destino de um montante final global omisso proveniente de um mútuo (no valor de €224.500,00) e que ascende a pelo menos € 67.398,46 , nem a razão pela qual o imóvel adquirido pelos recorrentes (preço declarado de €124.699,47) foi garantido por um valor superior a 50% do preço declarado.

5) As declarações dos recorrentes sempre revelaram indícios fundados de que não reflectem ou impedem o conhecimento da sua matéria tributável real ,e deixando de se presumir a verdade dos elementos declarados , recai agora sobre eles o ónus de comprovar a veracidade do preço real de aquisição do imóvel em 2003.

6) Os indícios recolhidos comprovam de forma evidente a falta de veracidade dos elementos declarados , permitem-nos também aferir da existência de indícios de prática dolosa de crime fiscal , uma vez que está em causa a eventual prestação de falsas declarações para efeitos de liquidação de sisa ,a celebração de negócio simulado quanto ao preço e a ocultação de valores que deviam ter sido revelados à Administração Tributária.

7) O que implica que estas condutas , a comprovarem-se , subsumíveis na pevisão de fraude fiscal do n.º 1 e n.º 3 do art.º 103.º do RGIT , preenchendo por si só o pressuposto contido na primeira parte da alínea c) do n.º 2 doartigo 63.º-B da LGT.

8) E considerando o valor das diferenças apuradas , entre o valor não justificado do mútuo e o preço de aquisição , ultrapassa-se o valor base que constitui a condição de punibilidade prevista no art. 103.º do RGIT , que é de € 7.500 e não de € 15.000 , uma vez que está em causa uma aquisição ocorrida no decurso do ano de 2003 , pelo que a versão do RGIT aplicável é a versão anterior à redacção dada pela Lei n.º 60-A/2005 de 30 de Dezembro , aplicável apenas a factos ocorridos a partir de 01/01/2006.

9) Ainda que atendendo à matéria dada como assente , resulte evidente que a vantagem patrimonial obtida pelos recorrentes se situa acima dos € 15.000 , considerando o montante não documentado de despesas e a redacção da Lei n.º 32-B/2002 de 30 de Dezembro , aplicável a uma aquisição efectuada no decurso do ano de 2003.

10) Ainda que à cautela ,a entidade recorrida entenda que estes valores , dado o desconhecimento real do preço de aquisição , nunca poderão ser tomados como valores definitivos , nem a tal a lei obriga.

11) Não é por isso defensável , independentemente do valor , a indispensabilidade do cálculo e da liquidação da vantagem patrimonial no âmbito da instrução do processo de derrogação de sigilo bancário , quando são justamente os elementos necessários para o seu cálculo que estão em falta.

12) É que sendo o levantamento do sigilo bancário um instrumento do procedimento de inspecção tributária , não faria sentido exigir da Administração Fiscal que reunisse para o levantamento , os dados que espera justamente conseguir com esse instrumento legal.

13) Deverá também distinguir-se entre aquilo que são os elementos do tipo do crime e a condição objectiva de punibilidade ,a fim de entender que o que é necessário , é indicar a existência de factos possíveis de integrar um ilícito criminal , e não já quantificar o montante da vantagem patrimonial.

14) Deverá entender-se que em sede de procedimento de derrogação do sigilo bancário , o que importa é verificar se estão preenchidos os pressupostos enunciados na alínea c) do n.º 2 do art.º 63.º-B da LGT e não , apurar a existência e condenar liminar e imediatamente o sujeito passivo do imposto pela prática de um crime fiscal , sem prévio processo penal , definindo-lhe uma concreta aplicação de uma pena.

15) E a alínea c) do n.º 2 do art.º 63.º-B da LGT , basta-se efectivamente com a existência de indícios da prática de um crime doloso em matéria tributária , para além da enumeração dos factos concretamente identificados , gravemente indiciadores da falta de veracidade do declarado.

16) Daí que não tendo de ser apresentados mais do que indícios da prática de um crime fiscal , não têm certamente de ser apresentadas (e demonstradas) , provas definitivas da existência de todos os elementos do tipo criminal , imputando-os ao agente , e muito menos do valor exacto da vantagem patrimonial ilegítima obtida.

17) O grau de exigência da prova , no âmbito de um procedimento de derrogação de sigilo bancário , não é o mesmo de um processo-crime , pelo que a imputação dos factos terá de ser feita de forma indiciária , o que contraria a tese do acórdão de que tenha de ser quantificado o montante da vantagem patrimonial.

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