Acórdão nº 01316/05.5BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 31 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelFrancisco Rothes
Data da Resolução31 de Janeiro de 2008
EmissorTribunal Central Administrativo Norte
  1. RELATÓRIO 1.1 A Administração tributária (AT), pretendendo aceder à informação bancária de PEDRO , MARIA CLARA , ANA e DAVID (adiante Requeridos ou Recorridos), os dois primeiros na qualidade de sócios da sociedade denominada “PECLAR – Imobiliária, Lda.” e a terceira e o quarto na qualidade de, respectivamente, filha e genro dos dois primeiros, pediu, através do Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, autorização ao Juiz desse Tribunal para o efeito, ao abrigo do disposto nos arts. 146.º-A, n.º 1, alínea b), e 146.º-C, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), bem como do art. 63.º-B, n.º 8, da Lei Geral Tributária (LGT) (() Embora no requerimento inicial o Representante da Fazenda Pública refira o n.º 7 do art. 63.º-B, da LGT, certo é que, à data em deu entrada o requerimento inicial, já estava em vigor, desde 1 de Janeiro de 2005, a Lei n.º 5-B/2004, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2005), nos termos do seu art. 79.º, Lei que deu nova redacção àquele preceito legal, motivo por que era no n.º 8, e já não no n.º 7, do art. 63.º-B, da LGT, que estava prevista a possibilidade do acesso à informação bancária dos familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte.

).

Alegou o Representante da Fazenda Pública, em síntese, que: - a referida sociedade, que se dedicava à construção para venda de edifícios em propriedade horizontal, bem como à compra e venda de imóveis, foi alvo de uma inspecção que revelou diversas irregularidades, designadamente, que os custos directos de produção relevados e imputados a cada uma das fracções são superiores ao preços de venda declarados num total de € 22,768,10; - se aos custos directos de produção somarmos os custos indirectos, então ainda as perdas seriam maiores, o que se revela de todo desajustado e gera suspeição sobre a veracidade dos valores declarados; - os preços indicados às fracções numa “listagem” existente da sociedade de mediação imobiliária que interveio nas vendas, e com base nos quais foram calculadas as comissões desta sociedade, são superiores aos que constam das escrituras de compra e venda; - a publicidade publicada na imprensa também evidencia preços de venda superiores aos constantes das escrituras; - aos adquirentes das fracções foi normalmente concedido crédito bancário de duas naturezas – um para a aquisição e outro, sem indicação de destino, designado de “multiopções”, sendo este nas mesmas condições que o primeiro – e a soma dos dois coincide com os valores indicados como sendo os do preço na referida “listagem” existente da sociedade imobiliária; - na contabilidade, “poucos registos de adiantamentos” existem, quando a imobiliária deu como vendidas algumas das fracções um ano antes de celebradas as respectivas escrituras; - alguns dos adquirentes das fracções confirmaram a aquisição por preço superior ao declarado; - nalguns casos, foram detectados os contratos promessa de compra e venda (() Apesar de no requerimento se referirem contratos de compra e venda, afigura-se-nos manifesto que se trata de lapso de escrita e que a Requerente queria referir-se a contratos promessa de compra e venda.

), onde o preço é superior ao que ficou a constar da escritura do contrato prometido; - os responsáveis da sociedade não colaboraram no esclarecimento da situação, apesar de notificados para o efeito; - todos estes elementos conjugados, permitem concluir que o preço que se fez constar das escrituras de compra e venda foi inferior ao real, o que foi feito «com o propósito deliberado de escriturar todas as transacções por valores bastante inferiores aos reais, com o intuito de baixar os proveitos e apresentar mesmo uma margem de lucro negativa, assim se furtando à sujeição de 428 354,55 € a IRC, IRS, I.M.Sisa, IMT e Selo, cujo apuramento rondaria, só para o edifício “Peclar II”, os 500 000 €, impedindo que o Estado percebesse igual montante, valor esse que configura um bem público e que lesa, por isso, todos os cidadãos em geral» (() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, constituem transcrições.

); - os factos referidos são «gravemente indiciadores da falta de veracidade do declarado, aquando das escrituras de compra e venda, e constituem, eles próprios, indícios seguros da prática de crime doloso em matéria tributária, previsto no artº 103º nº 1 e sua al. c) do RGIT, pois pela forma reiterada e devidamente orientada e camuflada, evidenciam o firme propósito de prejudicar o Estado».

Concluiu pedindo ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que derrogue o sigilo bancário relativamente às contas de que sejam titulares os Requeridos.

1.2 Os Requeridos deduziram oposição ao pedido.

1.3 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, depois de anulada por este Tribunal Central Administrativo Norte em sede de recurso a primeira sentença proferida nos autos para ampliação do julgamento de facto, proferiu nova sentença em que negou a requerida derrogação do sigilo bancário por considerar não estarem reunidos os pressupostos legais para que seja decretada a derrogação do sigilo bancário «previsto no nº 2 al. c) e nº 7 do art. 63º-B da LGT».

Isto, em resumo e se bem interpretamos a sentença, porque considerou que «não se pode permitir o acesso bancário, derrogando o sigilo bancário, ainda que com o fundamento na existência de graves indícios da falta de veracidade do declarado, se não forem discriminados os concretos indícios da prática de um determinado e imputado crime doloso em matéria tributária ou se não for apontada a concreta norma incriminadora que se julga preenchida pelo comportamento do sujeito passivo visado».

Assim, prosseguiu a Juíza da 1.ª instância, porque «é à AT que cabe o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento previsto na lei para que possa derrogar a regra do sigilo bancário», que não logrou fazer essa prova, a questão terá que ser decidida contra ela.

Mais considerou que «Não faria sentido que fosse permitida a derrogação do sigilo bancário em todos os casos em que houvesse indícios de falta de veracidade do declarado» e que «Teria sempre de ser imputado aos visados um juízo sobre a gravidade do seu comportamento criminal fazendo alusão aos elementos de algum tipo de crime fiscal, o que não aconteceu no presente caso», motivo por que considerou prejudicado o conhecimento de todas as demais questões suscitadas pelos Requeridos.

1.4 A Fazenda Pública recorreu dessa sentença para este Tribunal Central Administrativo Norte apresentando, com o requerimento de interposição do recurso, as respectivas alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor: « I- A ilustre julgadora, para negar o pedido de derrogação do sigilo bancário requerido pela Fazenda Pública, estribou-se no facto de esta não ter tido o mérito de imputar ao visado um juízo sobre a gravidade do seu comportamento criminal consubstanciado na descrição de elementos de algum tipo de fraude fiscal.

II- E parece formar essa convicção, tal qual se depreende do epílogo da douta peça decisória, porque considera não bastar descreverem-se casos em que haja falta de veracidade do declarado para que se esteja perante indícios fortes de ilícito criminal, de molde a que tal justifique o decretamento da derrogação do sigilo bancário, direito este que faz parte da reserva da intimidade da vida privada, resguardado pelo artº 26º da CRP.

III- Uma tal formulação, com o devido respeito, repousará num duplo equívoco: por um lado parece admitir logo implicitamente que existe falta de verdade declarativa por parte da contribuinte “Peclar”, de que o requerido era sócio-gerente, mas mesmo assim isso não era suficiente, isto é, não bastaria para preencher o tipo de crime de fraude fiscal previsto no artº 103º do RGIT; por outro arvora o direito do sigilo bancário em direito “supremo” e esquece-se do que estatuem o nº1 do artº 103º e nº2 do artº 104º da CRP, bem como os princípios da verdade declarativa, da colaboração e da verdade material plasmados nos arts. 55º e 59º, nº4 da LGT, bem como no 6º do RCPIT, e que aquele direito tem que ceder em homenagem a tais princípios.

IV- O mui douto acórdão, que já se debruçou sobre esta matéria, apontava o caminho e previa o destino a dar aos autos, caso se dessem como provados determinados factos aventados pela Fazenda Pública, aquando do requerimento inicial, e que não haviam sido na primeira decisão sopesados para se aferir da real existência de indícios do crime de fraude fiscal.

V- O mesmo acórdão teorizava sobre qual o regime legal a aplicar ao caso, já que a redacção do artº 63º-B, ao tempo dos factos era diferente da actual, teorização com a qual concordamos, sem deixar de salientar que, embora a redacção inicial refira “indícios da prática de crime doloso” exemplificando as facturas falsas e a falta de veracidade do declarado, o que é certo é que, em nossa modesta opinião, a diferença na redacção projectada no concreto, parece não ter dessintonia no que concerne ao crime de fraude fiscal, na medida em que este crime não é concebível por negligência, pois possui todos os ingredientes, tanto intelectuais como volitivos que caracterizam o dolo.

VI- A douta decisão ora em recurso, deu como provados apenas três factos do que foram escrutinados no douto acórdão como pertinentes para se admitir a derrogação do sigilo bancário, e deu quatro como não provados, de todo o modo vem mais tarde a desvalorizar os próprios factos tidos antes provados e assim extrai a linha mestra da sua decisão.

VII- Com o devido respeito, o que retiramos dos fundamentos vertidos nos factos não provados como na desvalorização dos provados, é que se terá feito uma avaliação deficiente, tanto dos argumentos plasmados no relatório como dos factos evidenciados em documentos; em coincidências de valores em declarações dos adquirentes das fracções; nos empréstimos subdivididos sem qualquer justificação...

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