Acórdão nº 0836/08 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelANTÓNIO CALHAU
Data da Resolução19 de Março de 2009
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I - A..., Lda., notificada do acórdão deste Tribunal proferido em 3/12/08, a fls. 816/830 dos presentes autos, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 201.º e 203.º do CPC, arguir a nulidade decorrente da omissão de pronúncia quanto à suscitada questão da inconstitucionalidade da alínea e) do n.º 2 do artigo 3.º do CIEC, na parte em que dela poderia decorrer a responsabilidade dos titulares dos postos de abastecimento pelo pagamento de ISP respeitante a produtos sujeitos ao imposto que vendessem em situação irregular, com a consequente inconstitucionalidade do disposto no n.º 7 da Portaria n.º 234/97, na parte em que responsabiliza os titulares dos postos de abastecimento pelo montante correspondente à diferença entre a tributação estabelecida para o gasóleo rodoviário e a aplicada ao gasóleo colorido e marcado relativamente às quantidades deste produto que vendam e não fiquem registadas no sistema contabilístico de controlo, no contexto normativo anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29/12.

Notificada a Fazenda Pública para, querendo, se pronunciar sobre esta questão, a mesma nada disse.

Cumpre decidir, nada a tal obstando.

II - 1.

Vem a requerente arguir a nulidade do acórdão proferido em 3/12/2008 (fls. 816 a 830) com fundamento em omissão de pronúncia.

O acórdão será nulo, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, se não se tiver pronunciado sobre questões que devesse apreciar, uma vez que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (n.º 2 do artigo 660.º do CPC).

Todavia, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (artigo 511.º, n.º 1 CPC), as partes tenham deduzido, nem, por outro lado, o juiz está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (artigo 664.º CPC) - v. Alberto dos Reis, CPC Anotado, vol. V, pág. 143.

Alega a requerente que a questão da invalidade constitucional da alínea e) do n.º 2 do artigo 3.º do CIEC, com a consequente invalidade reflexa do n.º 7 da Portaria n.º 234/97, no contexto normativo anterior ao início de vigência da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, não foi apreciada no acórdão de que agora reclama, entendendo-se, por isso, que neste se incorreu em nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, uma vez que a inconstitucionalidade, além de ter sido expressamente suscitada, constitui matéria de conhecimento oficioso.

E, na verdade, assim sucedeu.

Com efeito, tendo o TAF de Viseu julgado procedente a impugnação deduzida pela ora reclamante da liquidação, efectuada pela Alfândega de Aveiro, de ISP relativo a vendas de gasóleo colorido e marcado, no ano de 2002, por considerar que a norma estabelecida no n.º 7 da Portaria n.º 234/97, de 4/4, era inconstitucional, interpôs a FP recurso dessa decisão para este STA, sustentando a constitucionalidade de tal norma, apoiada no decidido pelo TC em acórdão de 18/6/08, que considerou que, não se revestindo o n.º 7 da Portaria 234/97 de conteúdo inovatório, relativamente ao já estabelecido na alínea e) do n.º 2 do artigo 3.º do CIEC, nenhuma inconstitucionalidade lhe poderia ser assacada, entendimento esse a que o acórdão de que a requerente ora reclama aderiu.

Ora, a reclamante, nas contra-alegações que apresentou em tal recurso, invocou também que a alínea e) do n.º 2 do artigo 3.º do CIEC enfermava de inconstitucionalidade, na parte em que considerava como sujeitos passivos de ISP as pessoas singulares ou colectivas que, em situação irregular, vendam produtos sujeitos ao imposto, o que acarretaria a inconstitucionalidade do n.º 7 da Portaria 234/97, na medida em que a regularidade constitucional desta norma dependia de naquela se poder apoiar.

E fê-lo, como ela própria agora refere no presente requerimento, nos pontos 4.5.1 a 4.5.3 dessas contra-alegações, sumariadas nas respectivas conclusões IX a XIII, considerando, em síntese, que ao consagrar essa responsabilidade, que não se achava contemplada na legislação relativa ao ISP anteriormente vigente, o Governo, que aprovou o CIEC por decreto-lei, excedeu os limites da autorização legislativa que lhe havia sido concedida pela Lei n.º 87-B/98, de 31/12, que o não habilitava a introduzir alterações em matéria de incidência, sujeita aos princípios da legalidade e reserva de lei formal da Assembleia da República, consagrados nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP.

O acórdão proferido a fls. 816 a 830 dos presentes autos de que ora se reclama, porém, não se pronunciou sobre tal questão, sendo certo que o devia ter feito, nos termos do n.º 2 do artigo 660.º do CPC.

Ocorre, por isso, omissão de pronúncia, determinante da nulidade do mesmo, de acordo com o disposto na primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, impondo-se nova decisão, expurgada agora de tal vício.

  1. I - O Representante da Fazenda Pública, não se conformando com a sentença do Mmo. Juiz do TAF de Viseu que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A..., Lda., com sede em Sever do Vouga, contra a liquidação n.º ..., de 9 de Agosto de 2004, de imposto sobre produtos petrolíferos, e respectivos juros compensatórios, no montante global de € 66.056,98, e, em consequência, ordenou, por ilegal, a sua anulação, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões: A) A norma contida no n.º 7 da Portaria 234/97, de 4 de Abril, não padece de inconstitucionalidade, quer orgânica quer material, por não ser inovatória face ao preceituado pela alínea e) do n.º 2 do artigo 3.º e pelo artigo 74.º do CIEC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 566/09, de 22 de Dezembro; B) A sentença ora recorrida, fundando-se na desaplicação de norma constitucional, faz errada aplicação do direito, enfermando, consequentemente, de ilegalidade.

Contra-alegando, veio a impugnante dizer que: I) A Portaria n.º 234/97 foi publicada no contexto da subordinação da concessão de taxas reduzidas de ISP ao gasóleo destinado a uso agrícola à utilização de gasóleo colorido e marcado, em cumprimento de directivas comunitárias que já tinham motivado alterações às introduzidas pelas Leis n.ºs 10-B/96 e 52-C/96 aos Decs.-Leis n.ºs 123 e 124/93, que ao tempo estabeleciam as estruturas e as taxas desse imposto, bem como a publicação do Dec.-Lei n.º 15/97 e das Portarias n.ºs 200/96 e 93/97; II) Com a instituição do gasóleo colorido e marcado, e a decorrente aplicação da taxa reduzida de ISP logo no momento da declaração de introdução no consumo processada à saída dos entrepostos fiscais das empresas petrolíferas, deixou de estar assegurado que essas empresas, em nome das quais o produto é introduzido no consumo, e que estavam assim previstas como sujeitos passivos no n.º 1 do art.º 6.º do Dec.-Lei n.º 123/94, suportariam o imposto à taxa "normal" relativamente a todas as quantidades cuja venda a utilizadores finais não viesse a ficar registada no sistema de controlo do gasóleo agrícola através dos cartões de microcircuito a estes atribuídos; III) O controlo de afectação também não podia ser sistemática e eficazmente exercido junto das pessoas que detivessem, utilizassem ou beneficiassem com o consumo dos produtos que constituíam os demais sujeitos passivos do imposto, previstos para os casos de detenção ou introdução irregular no consumo no n.º 2 do referido art.º 6.º, pelo que se tornava necessário centrar a responsabilidade pelo pagamento da diferença entre a taxa reduzida aplicada na introdução no consumo à saída dos entrepostos fiscais e a taxa "normal", no caso de as vendas aos utilizadores finais não serem registadas através dos cartões electrónicos, no último acto da cadeia de comercialização, colocando-a a cargo dos titulares dos postos de venda ao público; IV) Sem que as alterações legislativas que haviam sido efectuadas em vista da instituição do gasóleo colorido e marcado tivessem procedido a essas adaptações, nomeadamente modificando o âmbito dos sujeitos passivos de ISP previsto no dito art.º 6.º do Dec.-Lei n.º 123/94, a Portaria n.º 234/97, que lançou as bases da rede de abastecimento desse produto à agricultura, veio estabelecer, no seu n.º 7, que só podendo o mesmo ser fornecido a titulares de cartões de microcircuito seriam os proprietários ou responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público responsabilizados pelo pagamento da diferença entre a taxa reduzida já aplicada e a aplicável ao gasóleo rodoviário em relação às quantidades que vendessem e não ficassem registadas no movimento contabilístico do posto (pretendendo aludir ao sistema informático de controlo do gasóleo agrícola gerido pela SIBS e a B... referido no n.º 8 seguinte); V) Ao assim estatuir, o n.º 7 da Portaria n.º 234/97 inovou, se não em matéria de incidência objectiva e de taxas, determinando que a venda ao público de gasóleo colorido e marcado sem registo no sistema informático tornava o ISP devido à taxa legalmente prevista para o gasóleo rodoviário, pelo menos em matéria de incidência subjectiva, ao estabelecer um responsável pelo pagamento distinto dos sujeitos passivos que se achavam contemplados na lei do imposto (dito art.º 6.º do Dec.-Lei n.º 123/94); VI) Como todas essas matérias estão contidas no âmbito da reserva relativa de lei formal, estabelecida nos art.ºs 106.º, n.º 2 e 168.º, n.º 1, al. i) da CRP, com a numeração que tinham ao tempo, esse n.º 7 da Portaria n.º 234/97, constante de instrumento normativo com natureza regulamentar, nasceu em violação dessas disposições da Lei Fundamental, e por isso inquinado da inconstitucionalidade que, em Acórdão de 03/10/2007, este STA lhe atribuiu; VII) Posteriormente aprovado pelo...

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