Acórdão nº 0641/08 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 30 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelRUI BOTELHO
Data da Resolução30 de Outubro de 2008
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I Relatório A..., com melhor identificação nos autos, vem recorrer da sentença do TAF do Porto, de 29.2.08, que negou provimento ao recurso contencioso que interpôs do despacho do Presidente da Câmara de Castelo de Paiva, de 16.5.03, que indeferiu o pedido de "licenciamento de obras de remodelação, recuperação e reabilitação duma habitação sita em Cabril, S. Martinho, Castelo de Paiva", por si apresentado.

Terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões: 1. Na matéria dada como assente na sentença recorrida foram omitidos factos essenciais para a boa decisão da causa, como é caso dos factos especificados acima especificados, no início das alegações, sob as alíneas a) a d), uma vez que desses factos, juntamente com os demais factos provados, resultam ilações diferentes das perfilhadas na sentença recorrida, justificando-se, por isso e pelas demais razões acima expostas, o respectivo aditamento à matéria de facto apurada (cf. art. 659-3 do CPC).

  1. A sentença recorrida assentou a decisão em facto nuclear não comprovado no sentido perfilhado e não aplicou correctamente o direito aos factos assentes, acrescendo que omitiu a pronúncia sobre questões que devia conhecer e que acima se especificaram, padecendo por isso do vício da nulidade prevista no art. 668/1-d do CPC, ocorrendo também que não está isenta de reparo por ter citado e aplicado normas jurídicas em versão anterior à vigente e por não ter aplicado normas jurídicas supervenientes em relação à data de interposição do recurso (cf. art. 664 do CPC).

  2. Pelas razões expostas nas alegações escritas do Recorrente no Tribunal a quo e que ora se reiteram, por pertinentes, as obras de remodelação projectadas e cujo licenciamento se pretende não ocupam área da REN para além da construção anterior licenciada, de forma a violar comandos imperativos do regime jurídico da REN, questão esta que é nuclear e constitui o ponto de partida decisivo para a realização da justiça no caso em apreço.

  3. Há violação de lei e de direitos do recorrente com o despacho do Sr. Presidente da Câmara Municipal de Castelo de Paiva, datado de 16.05.03, proferido a fls. 72 do processo de licenciamento de obras particulares n. 159/01, e que deu origem à notificação feita ao recorrente pelo ofício 3540, emitido em 26.05.03, na medida em que dele resulta a revogação implícita do deferimento tácito do projecto de arquitectura em causa e bem assim que "ficou assente a conclusão de que a pretensão viola as normas jurídicas da REN, designadamente do disposto do n. 1, art. 4 do DL 93/90, de 19.03".

  4. O Recorrente apresentou novas peças desenhadas, evidenciando a implantação da remodelação da habitação e especificando a planta do Piso 1 existente, a planta do Piso 1 proposta e a planta do Piso 1 existente e proposta e foi por causa dessas novas peças desenhadas e da contestação do recorrente ao primeiro parecer da DRAOT que esta entidade alterou substancialmente o teor do seu primeiro parecer, dizendo textualmente que "se não há utilização de Espaço RAN e REN, para além do ocupado pela construção existente, com licença de construção emitida em 06.06.97, nem alteração do uso licenciado anteriormente, nada obsta à pretensão desde que se cumpram as disposições do Reg. do PDM e outra legislação aplicável.

  5. Face a este novo parecer, a Técnica dos Serviços do Recorrido contrapôs erradamente que no seu entender há ocupação de área REN, mas, tendo dúvidas, solicitou parecer ao Gabinete Jurídico que, além do mais, referiu que, "não obstante e conforme o requerido, os Serviços Técnicos, caso entendam ser necessário para melhor esclarecimento da ocupação do solo, deverão agendar uma reunião com o requerente e o seu Técnico", o que não coibiu aquela Técnica de reiterar aquele seu parecer, sem promover a reunião sugerida e sem qualquer outra explicação.

  6. Porém, na sequência, o Responsável máximo da Divisão dos Serviços Técnicos do Recorrido e Superior Hierárquico daquela Técnica, desautorizando-a, proferiu o seguinte: "Antes da decisão final do pedido e segundo o proposto na informação jurídica de 17.04.03 e o pedido do requerente, deverá ser promovida, no local da obra uma reunião entre os Técnicos desta Divisão e o requerente e autor do projecto, para completo esclarecimento sobre a ocupação de áreas de RAN e REN".

  7. Tal reunião entre os Técnicos não se realizou nem ocorreu qualquer outra diligência tendente ao esclarecimento das teses opostas sobre a ocupação ou não de área da REN, o Recorrido, sem justificação e sem qualquer prova adicional, ignorou aquela posição do Superior Hierárquico face à Técnica sua subordinada e proferiu o despacho recorrido como se fosse certo e verdadeiro o facto essencial (ocupação de área REN), que na verdade não estava verificado nem atestado pelos Serviços Técnicos ao mais alto nível, bem pelo contrário, nem pela DRAOT.

  8. A verdade é que há erro em tal pressuposto de facto, o que fere irremediavelmente a validade do acto recorrido, por violação de lei, dada a clara desconformidade entre aquele pressuposto de facto (violação de área da REN) e as normas legais implicadas (o regime da REN, o parecer inequívoco da entidade competente na matéria e as normas que obrigam o Recorrido a aprovar licenciamentos sem arbitrariedade).

  9. O segundo parecer da DRAOT é compatível com a leitura de que as proibições da REN não se estendem às simples obras de remodelação de edifícios preexistentes que, como é o caso, justificadamente se confinem dentro do espaço ocupado pela construção existente, mesmo que caiam em insignificante medida fora da área coberta pelo telhado.

    No novo parecer, a DRAOT perfilhou claramente aquele conceito mais amplo de implantação.

  10. Doutro modo, isto é, se dos novos desenhos e demais elementos do processo, resultasse claramente que havia utilização de Espaço REN, a DRAOT não teria alterado o seu anterior parecer inequivocamente desfavorável, sob pena de não ter realmente emitido o parecer que lhe foi solicitado.

  11. O condicionamento à utilização de áreas" integradas na REN só é legítimo se prosseguir os objectivos e finalidades aflorados na exposição de motivos dos sucessivos diplomas, designadamente a "salvaguarda de determinadas funções e potencialidades, de que dependem o equilíbrio ecológico e a estrutura biofísica das regiões, bem como a permanência de muitos dos seus valores económicos, sociais e culturais", mas sempre e só em função da "permanência e intensificação dos processos biológicos indispensáveis ao enquadramento equilibrado das actividades humanas" e sempre com a finalidade de "salvaguardar, de uma só vez, os valores ecológicos e o homem, não só na sua integridade física como no fecundo enquadramento da sua actividade económica, social e cultural, conforme é realçada na Carta Europeia do Ordenamento do Território" (preâmbulo do DL 93/90).

  12. No caso em apreço, nem sequer era obrigatório o parecer prévio da DRAOT, uma vez que é defensável que a versão vigente até 2006 do art. 4-1 do DL 93/90 proibia as obras novas violadoras daquelas finalidades e que não tinha o alcance de proibir simples remodelações de edificações já existentes e muito menos as remodelações que, como no presente caso, consistam apenas em tornar habitável, em condições condignas, parte duma habitação existente e sempre usada, pelo menos desde o início do século XX, sem invadir para além da área de ocupação da edificação existente, incluindo terraços cimentados, de tão reduzida dimensão no logradouro da habitação, ainda por cima, como é presente caso, se com a remodelação não se visa alterar em nada a utilização do solo e dos espaços envolventes, sendo que toda a zona de intervenção se encontrava já ocupada com a estrutura existente para sustentação da habitação ao nível do piso 2 e pátios envolventes, e, como se disse, a ampliação da habitação ao nível do piso 1 se efectua sobre pavimento de impermeabilização, em cimento, não invadindo qualquer nova área REN com coberto vegetal.

  13. A obra de remodelação no projecto em causa, "pela sua natureza e dimensão", é de todo "insusceptível de prejudicar o equilíbrio ecológico" da área envolvente e, por isso, é defensável a tese de que, no caso concreto, o projecto não viola nenhuma norma jurídica e nenhum dos princípios normativos do regime legal da REN e, por isso, repete-se, nem seria necessário o parecer prévio da DRAOT, pois que se trata de simples remodelação de habitação preexistente e não propriamente de nenhuma das acções incluídas no art. 4-1 do DL 93/90, na versão anterior a 2006.

  14. Se assim não fosse, isto é, se não resultasse claramente do regime jurídico da REN que o projecto de remodelação e ampliação em causa não ofende nenhuma das suas normas ou princípios jurídicos e designadamente não viola o disposto no citado art. 4-1 (versão anterior), verificava-se então que tal norma, na interpretação que impede a remodelação e ampliação em causa, é claramente inconstitucional por violação do art. 62-1 e 2 da CRP, pois este diploma fundador da nossa ordem jurídica não legítima o legislador ordinário a restringir de tal modo o direito fundamental do cidadão dispor da sua propriedade sem qualquer contra partida ou compensação.

  15. Ora a DRAOT, reanalisado o processo e ponderados os novos elementos e esclarecimentos, alterou substancialmente o seu anterior parecer dizendo tão só que "se não há utilização de Espaço RAN e REN, para além do ocupado pela construção existente, com licença de construção...

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