Acórdão nº 33/05.0JBLSB-L de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Maio de 2009
Magistrado Responsável | DR. RIBEIRO MARTINS |
Data da Resolução | 13 de Maio de 2009 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam em conferência na Secção Criminal da Relação de Coimbra - I - 1- No processo comum 33/05 do 3º Juízo Criminal de Leiria foi deliberado pelo colectivo dos juízes que procedem ao julgamento e proferido pela Juiz presidente na acta da sessão de julgamento de 13/1/2009 consequente despacho pelo qual se absolvem da instância os arguidos V...
, A...
, R...
, J...
, C..., «H..., L.da», «M..., L.da», «B... & Cª, L.da», e «S... - Hotelaria, L.da» relativamente às infracções fiscais de que foram pronunciados e, consequentemente, também os absolve da instância quanto ao pedido cível deduzido pelo Estado.
2- Recorre o Ministério Público, concluindo - 1ª. As razões que levaram o Presidente da Relação a ordenar a subida imediata do recurso do despacho de 10/10/2007 (que ordenara a separação do processo pelas infracções tributárias) valem igualmente quanto a este recurso, 2ª. Já que através dele se pretende também separar o processo pelas infracções tributárias, agora com o argumento da falta dum pressuposto processual traduzido no acto tributário de liquidação.
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A que acresce a circunstância de começar a haver risco de prescrição do procedimento pelas infracções mais antigas.
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A questão abordada no despacho recorrida já foi decidida pelo JI no sentido de que para o prosseguimento do processo pelas infracções tributárias não é necessário um acto tributário de liquidação.
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Efectivamente - a) Para o despacho recorrido aquele acto constitui uma condição de procedibilidade nos termos do artigo 42/4 do RGIT ao determinar que «não serão concluídas as investigações enquanto não for apurada a situação tributária ou contributiva da qual dependa a qualificação criminal dos factos». A interpretação feita pelo Ministério Público (a «fls. 12.328-12.336) do art. 45/ 5 da Lei Geral Tributária» é inconstitucional «por violar as garantias dos arguidos, lhes vedar o acesso à justiça tributária e violar a distribuição de competências entre Tribunais Comuns e Tribunais Tributários».
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Para a Decisão instrutória o referido acto de «liquidação» não é necessário porque o MP procedeu ao apuramento dos valores através de perícias feitas por peritos da Administração Fiscal.
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A diferença entre as duas decisões é, pois, ao nível da aplicação do direito -, acto tributário de liquidação como pressuposto processual para o Tribunal Colectivo ou como meio de prova para o Juiz de Instrução.
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Não ao nível do ponto concreto mas do meio (Direito) para a resolver.
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E isto apesar do tribunal recorrido invocar o argumento de que o JI não conheceu da questão do artigo 47º do RGIT suscitada pelos arguidos, desde logo por estes apenas terem deduzido as impugnações tributárias depois da decisão instrutória.
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O despacho recorrido não resolve a questão da pendência das impugnações tributárias dos arguidos, limitando-se a invocar o aludido artigo apenas como justificação da interpretação que faz do artigo 42º/4.
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A decisão do JI não foi objecto de recurso sendo na altura recorrível (Assento n.º 6/2000 de 19 de Janeiro).
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Razão por que transitou em julgado (artigo 677/ 1 do CPC e artigo 4º CPP).
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E portanto como uma decisão definitiva para o processo (art.º 672º do CPC) obstava à aplicação do artigo 338º/1 do CPP sobre a mesma questão.
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Pelo que se violou não só caso julgado com também o art.º 338º/1.
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Este também violado face ao momento em que o Tribunal Colectivo se pronunciou.
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Efectivamente, se o Colectivo entendia que não estava preenchida a condição de procedibilidade que defende consagrada no artigo 42º/4 do RGIT, deveria tê-lo dito antes de invocar a violação do artigo 46º do RGIT para ordenar a separação do processo pelas infracções tributárias.
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As questões prévias devem ser conhecidas na fase introdutória da audiência de julgamento ou na fase da sentença (artigo 368º/1).
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Não colhendo a invocação do Acórdão do para Fixação de Jurisprudência nº. 2/95 ou os Acórdãos da RL de 23-11-1994 e da RP de 31-10-2001. O primeiro na medida em que se reporta a decisões tabelares. Os segundos por não explicarem o motivo por que apesar do «favor rei et libertatis» o legislador distingue as nulidades em absolutas e relativas nem como é que o despacho de pronúncia pode «desempenhar satisfatoriamente a sua missão se a todo o tempo pode ser alterado».
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A isto acresce que a Relação, colocada perante a questão da separação do processo pelas infracções tributárias nos termos do artigo 46º do RGIT, por Acórdão de 19/5/2008 já decidiu que o julgamento se fizesse por todos os crimes da pronúncia.
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Tudo como se este acórdão não devesse atentar na falta do pressuposto processual que agora se afirma existir.
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Daí que se deva entender que não foi acatado o caso julgado do Acórdão de 19/5/ 2008.
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Vício que traduz a inexistência jurídica do despacho recorrido (Acs. da RP de 17/2/1993 e da RG, de 28/6/2004).
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Quanto à violação do caso julgado da decisão instrutória afigura-se-nos que a situação configura uma incompetência funcional e por isso uma nulidade absoluta (artigo 119º alínea e) do CPP).
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O crime de fraude fiscal não é um crime de resultado prelo que a sua consumação se verifica independentemente da efectiva diminuição das receitas fiscais, apenas tendo de atender-se ao limite mínimo de €15.000 para a sua ocorrência.
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É crime que dispensa qualquer acto de liquidação tributário para o seu preenchimento.
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Ainda que no artigo 42º/ 4 do RGIT se pudesse ver a exigência dum acto tributário de «liquidação» e uma condição de procedibilidade, nunca esta condição relevaria no caso.
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O mesmo sucedendo se nele se visse uma omissão de diligência probatória (Ac RL de 22/3/2006).
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Efectivamente, para quê condicionar o conhecimento do mérito da pronúncia por crime de fraude fiscal a um acto que nada mais visa do que a quantificação do valor do imposto quando o crime se consuma independentemente da obtenção de qualquer valor? 28ª. A circunstância do valor superior a €15.000 ser elemento de punibilidade não dita que a «liquidação» seja um pressuposto processual em vez de meio de prova.
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Um facto não pode simultaneamente ser pressuposto processual e objecto de prova com vista ao mérito da causa. Ou serve à prosseguibilidade da instância ou é objecto de prova com vista ao mérito da causa.
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Mas não são apenas razões jurídicas que levam à conclusão da impossibilidade de qualificar o acto tributário de liquidação como um pressuposto processual.
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Há também razões de política criminal evidenciadas na circunstância de pelo menos desde 27 de Julho de 1976 a vontade do legislador ser a de endurecer a luta contra a fraude fiscal e não criar obstáculos ao exercício da acção penal face ao cada vez maior desvalor ético dos crimes tributários.
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Desvalor a que não é alheia a natureza supra-individual dos bens jurídicos protegidos nestes crimes.
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Acrescem obstáculos processuais derivados do segredo de justiça, ainda que os inquéritos penais tributários sejam realizados pelos órgãos da administração tributária pois o acto tributário de liquidação obedece a um procedimento específico incompatível com as razões que podem determinar a preservação daquele valor processual.
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Para além disto o despacho é incompatível com a autonomia da responsabilidade penal tributária relativamente à responsabilidade tributária.
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Autonomia que deve levar-nos a dizer que em Portugal existe um Direito Penal Tributário e não um Direito Tributário Penal.
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Embora tanto a declaração por parte da administração tributária dum direito de crédito tributário (procedimento de liquidação) como a afirmação por parte dum tribunal duma infracção tributária tenham como pressuposto comum um facto tributário, a afinidade termina aqui. No primeiro está em causa a obrigação principal nascida do facto e no segundo pode estar em causa apenas a violação duma mera obrigação acessória.
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Enquanto o não cumprimento da obrigação principal dá origem a juros moratórios ou à instauração de processo executivo, a violação das obrigações acessórias pode nada ter a ver com o incumprimento da primeira.
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A «liquidação», acto administrativo de natureza declarativa (art.º 36º/1 da LGT) apenas serve para determinar o «quantum» da obrigação principal e individualizar o seu sujeito passivo. A infracção tributária não visa directamente o cumprimento da obrigação de imposto.
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Daí que se diga que pode haver infracções tributárias sem que seja devido qualquer imposto. E mesmo quando este seja devido não é o seu não pagamento que constitui infracção. A responsabilidade pela infracção e a responsabilidade pelo imposto são títulos autónomos de responsabilidade e de diferente natureza.
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Importa notar que o fim do processo penal não é a cobrança de impostos. É dar consistência à ideia de que a criminalização das infracções tributárias é um imperativo dos Estados Modernos do ponto de vista ético e da sua danosidade social.
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Avivar que o dever de contribuir é um pressuposto da existência duma convivência pacífica e também da própria subsistência dos outros direitos fundamentais.
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Fazer depender o exercício da acção penal da prévia «liquidação tributária» seria retirar ao Direito Penal Tributário o papel exclusivamente virado para a tutela de bens e direitos fundamentais.
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E esquecer que só um Direito Processual Penal Tributário que elimine os espaços impróprios da discricionariedade da administração tributária pode oferecer sólido fundamento ao controlo das ilegalidades do poder.
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Com o crime de fraude fiscal não se visa um interesse de arrecadação tributária mas a defesa de valores colectivos indispensáveis à existência da sociedade.
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O que tudo justifica que os tribunais superiores sejam unânimes em afirmar que o MP pode deduzir pedido de indemnização civil em processo penal tributário ainda que haja dívida tributária a ser judicialmente executada.
O STJ no Ac. de 6-1-2005 afirmou que o processo relativo àquele pedido nada tem «a ver com outro eventual processo que exista ou venha a existir destinado ao apuramento dos...
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