Acórdão nº 01614/06 de Tribunal Central Administrativo Sul, 14 de Maio de 2009

Magistrado ResponsávelCoelho da Cunha
Data da Resolução14 de Maio de 2009
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, no 2- Juízo do TCA -Sul 1- RELATÓRIO A " Rádio Televisão de Portugal, SGPS, SA", com sede na Av...., em Lisboa, intentou no TAC de Lisboa, ao abrigo do disposto no artigo 136º, n.º2 do Cód. Proc.Trib. Administrativos, acção administrativa especial com pedido de impugnação contenciosa da Autorização n.º171/05, proferida em 19.04.05 pela Comissão Nacional de Protecção de Dados, cumulado com pedido de condenação à prática de acto devido, nos termos previstos na alínea a) do n.º2 do artigo 47º e nos artigos 66º e seguintes do CPTA.

A Comissão Nacional de Protecção de Dados respondeu a excepção de incompetência do tribunal e, quanto à questão de fundo, defendeu a improcedência da acção.

Por decisão de 27.02.2006, o TAF de Lisboa declarou-se incompetente em razão da hierarquia, ordenando a remessa dos autos a este TCA-Sul, onde os mesmos foram aceites.

Notificados para alegações, veio a Recorrente a alegar concluindo da forma que segue: "1.

O direito de audição prévia é uma garantia constitucional decorrente do artigo 267.° da CRP, que reconhece aos cidadãos o direito de participação na formação das decisões administrativas que lhes digam respeito, pronunciando-se sobre as questões que delas são objecto e requerendo as diligências que ao caso se possam adequar.

  1. A invocação pela Autora de vício de preterição do direito de audição prévia tem lugar com fundamento na circunstância de, ainda antes de terminado o prazo para o exercício deste seu direito, terem sido divulgadas, na imprensa escrita, notícias dando conta da decisão da CNPD, recusando o pedido de utilização das câmaras integradas no sistema de videovigilância da RTP que se situassem na Sala de Redacção da Direcção de Informação.

  2. Esse veio a ser, precisamente, o sentido da decisão final de indeferimento expressa na Autorização n.° 171/05, de 19 de Abril de 2005.

  3. Ao sustentar que, independentemente do que a RTP pudesse vir a aduzir, em sede de audição prévia, tal nunca poderia alterar o sentido da decisão previamente tomada pela CNPD (de indeferimento da autorização requerida), esta autoridade administrativa esvaziou o conteúdo útil do direito de audição prévia, reconduzindo-o a um mero formalismo inconsequente (sem relevância para a decisão final de não autorização), e desatendeu as imposições legal e constitucional relativas à garantia de participação da interessada no procedimento administrativo (artigo 100.° do CPA e artigo 267.°, n.° 5, da CRP).

  4. Contrariamente ao sustentado pela CNPD, o vício de violação do direito de audiência prévia da RTP, enquanto interessada no procedimento administrativo, decorre, de modo essencial, do conteúdo da deliberação sub judice e não das notícias divulgadas na imprensa escrita que, enquanto tal, valem apenas como elementos de facto demonstrativos do vício invocado - decisão definitiva tomada antes do termo do prazo para o exercício do direito de audição prévia e a consequente desconsideração absoluta dos argumentos aduzidos pela RTP nesta sede.

  5. O vício de preterição da audiência prévia invocado pela ora Autora visa o acto administrativo, em si mesmo considerado - a deliberação da CNPD indeferindo o pedido de autorização das câmaras 26 a 28, situadas na Sala de Redacção da Direcção de Informação - afectando, por conseguinte, a sua validade, nos termos do disposto no artigo 135.º do CPA.

  6. Embora na Autorização n.°171/05 a CNPD tenha concordado com os fundamentos apresentados pela RTP, ainda assim, veio a decidir pela não autorização do tratamento de imagens através das câmaras 26 a 28, por força de uma alegada necessidade de salvaguarda do direito à privacidade dos trabalhadores que desempenham as suas funções no espaço em causa.

  7. Este fundamento de recusa de autorização (assegurar ao trabalhador um núcleo básico de privacidade) não se encontrava referido no projecto de decisão notificado à RTP, nos termos e para os efeitos do artigo 100º do CPA, pelo que a ausência de referência a este fundamento concreto e a sua ulterior consideração determinante na decisão final de indeferimento (como, aliás, acaba por ser admitido nos artigos 31.° a 41.° da Contestação apresentada pela CNPD) configuram, neste aspecto particular, uma verdadeira "decisão surpresa" expressa através da Autorização n.° 171/05.

  8. Ao não ter sido assegurada a sua participação no procedimento administrativo que culminou com a Autorização n.° 171/05, por via do exercício do direito de audição prévia respeitante ao fundamento determinante da decisão de indeferimento da autorização solicitada, viu-se a RTP impedida de, legitimamente, indicar todos os elementos de facto e/ou de direito que se afigurassem relevantes para a decisão final em causa.

  9. A inobservância do direito de audição prévia da interessada (RTP), em desrespeito pelos dispositivos legal e constitucional que o impõem, quanto à eventual violação do núcleo essencial do direito à privacidade do trabalhador, por via do tratamento de imagens captadas na Sala de Redacção da Direcção de Informação, implica a ilegalidade do acto administrativo expresso na Autorização n.°171/05, enquanto tal anulável, nos termos conjugados dos artigos 100.° e 135.° do CPA.

  10. A exigência de fundamentação dos actos administrativos decorre, não só de imposição legal expressa nas normas do CPA (artigos 124.° e ss), mas também do próprio comando constitucional (artigo 268.°, n.° 3, da CRP) que, por necessidade de tutela dos administrados face a eventuais arbitrariedades do poder decisório público, a impõem à Administração 12.

    Donde, logicamente, o conhecimento dos fundamentos - razões de facto e de direito que levaram à decisão administrativa em determinado sentido - pelos administrados, destinatários do acto em causa, será tanto mais relevante quanto a decisão se afaste da pretensão que deduziram perante a Administração.

  11. No presente caso, a necessidade de fundamentação impunha-se por força do disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 124.° do CPA, uma vez que a decisão da CNPD, ao indeferir parcialmente o pedido de autorização requerido pela RTP, tornou-se susceptível de produzir efeitos negativos na sua esfera jurídica.

  12. Deste modo, o exercício da impugnação judicial da decisão que, em concreto, lhe é, ainda que parcialmente, desfavorável impunha o conhecimento rigoroso dos fundamentos que justificaram a discordância e a consequente negação da pretensão deduzida pela RTP perante a CNPD.

  13. In casu, a CNPD, ao decidir não autorizar a utilização das câmaras n.º 26 a 28 do sistema de videovigilância da RTP, com fundamento apenas no facto de que «a instalação destas câmaras permitiria o acompanhamento permanente e pormenorizado do comportamento do jornalista em ambiente de trabalho - independentemente da finalidade do tratamento - o que se manifesta contraditório com o objectivo de assegurar ao trabalhador, enquanto tal, um núcleo básico de privacidade» e na circunstância de inexistir «um direito ou interesse que deva concretamente prevalecer sobre o direito de reserva da vida privada dos jornalistas», impediu a RTP de conhecer e compreender as razões que, em concreto, permitiram sustentar as conclusões referidas.

  14. A CNPD não logrou demonstrar as razões que permitiram uma valoração dos direitos supostamente conflituantes, de modo a justificar a prevalência de um suposto núcleo essencial de privacidade do trabalhador sobre a segurança de pessoas e bens, fim último do sistema de videovigilância a instalar.

  15. A RTP, enquanto destinatária da decisão de não autorização, ficou privada do conhecimento das razões de facto (pressupostos reais e motivos concretos) e de direito (das normas, em concreto, aplicáveis) que fundaram a discordância, pela entidade administrativa, da sua pretensão, em especial, depois de a mesma ter sido fundadamente explicada em sede de exercício do direito de audiência prévia.

  16. Na verdade, da decisão administrativa não constam os factos que sustentam a desnecessidade e a desproporcionalidade do eventual recurso a esta forma de tutela quando confrontada com os demais direitos que, igualmente, aí poderão estar em causa.

  17. A afirmação da prevalência de um direito em detrimento de outro, que igualmente seja objecto de tutela, implica, de todo o modo, uma ponderação, caso a caso, das circunstâncias existentes, não podendo decorrer de um mero raciocínio que, em abstracto, sustente essa conclusão.

  18. A falta de justificação (factual e jurídica) da prevalência do direito invocado como fundamento da recusa de autorização sobre aquele que sustenta o respectivo pedido de autorização não permite senão concluir pela falta de fundamentação da decisão ora impugnada e a sua consequente anulabilidade, que aqui expressamente se argui e requer, nos termos do artigo 135.° do CPA.

  19. A alegada remissão operada pela decisão impugnada para o conteúdo da Deliberação n.°61/2004 é insuficiente para que se tenha por observado o conteúdo mínimo do dever de fundamentação, ainda que o mesmo possa operar per relationem, nos termos em que o mesmo vem sendo comummente aceite pela doutrina e jurisprudência dominantes.

  20. A dita "remissão" tem apenas lugar em sede de considerações genéricas e introdutórias, inexistindo qualquer referência expressa ao seu conteúdo na questão específica de...

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